Trio vence Nobel de Qu�mica por 'fotografias' da vida molecular
Martin Hogbom/Royal Swedish Academy of Sciences | ||
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Ilustra��o mostra o grande ganho em resolu��o ap�s o desenvolvimento da criomicroscopia eletr�nica |
As fotografias, filmes e movimentos da vida foram os premiados no Nobel de Qu�mica deste ano. Se estiver achando muito po�tico, o nome t�cnica premiada � criomicroscopia eletr�nica.
Os laureados foram Jacques Dubochet, da Universidade de Lausanne, Joachim Frank, da Universidade Columbia e Richard Henderson, da Universidade de Cambridge.
"Achava que o pr�mio iria para o Crispr [mecanismo de edi��o gen�tica]", afirmou Joachim Frank � Folha. "Pelo sotaque sueco eu soube o que era", disse, com a tranquilidade de quem ganhou um Nobel nesta quarta (4).
Com a criomicroscopia � poss�vel congelar mol�culas em meio a processos bioqu�micos, e, dessa forma, visualizar e analisar com precis�o a superf�cie delas e o funcionamento do maquin�rio org�nico. A t�cnica, por exemplo, foi utilizada no estudo do v�rus da zika durante o surto de microcefalia no Brasil.
O m�todo � uma evolu��o da microscopia eletr�nica –�rea de pesquisa Henderson–, que permitia, a partir do uso de um feixe de el�trons, a visualiza��o de min�sculas estruturas e at� mesmo a posi��o individual de �tomos em equipamentos de alta resolu��o.
Um dos problemas do microsc�pio eletr�nico � o fato de o feixe de el�trons incinerar o material biol�gico analisado, como o DNA e prote�nas. Al�m disso, o microsc�pio eletr�nico necessita de v�cuo para seu funcionamento, o que tamb�m danifica as mol�culas vivas observadas, secando-as e tornando menos precisas as imagens obtidas.
Mesmo com todos esses problemas, Henderson foi capaz de, pela primeira vez, conseguir apresentar a imagem da estrutura at�mica de uma prote�na.
Ao mesmo tempo, Frank, da Universidade de Columbia, trabalhava em uma forma de gerar imagens tridimensionais de mol�culas.
Para isso, o cientista se utilizou do microsc�pio eletr�nico e das imagens bidimensionais que este gerava. Frank, ent�o, jogava essa informa��o em um software desenvolvido por ele que, a partir do reconhecimento dos diferentes �ngulos da mol�cula analisada, conseguia criar uma imagem 3D da part�cula.
Mesmo assim, persistiam os problemas de an�lise de material vivo pela microscopia eletr�nica. E � a� que entra Dubochet.
VIDRO
Para transpor os problemas da an�lise com microsc�pios eletr�nicos, o pesquisador da Universidade de Lausanne teve a ideia de congelar em alt�ssima velocidade o material org�nico analisado. Para isso, usou o processo conhecido como vitrifica��o, no qual o material se 'solidifica" ainda em estado l�quido.
Forma-se, ent�o, o v�treo, material que parece s�lido mas � flu�do -com mol�culas desordenadas. As pesquisas se uniram conforme Frank passou a utilizar a t�cnica de "fazer vidro" de Dubochet para obter imagens 3D.
As pesquisas se uniram conforme Frank passou a utilizar a t�cnica de "fazer vidro" de Dubochet para obter imagens 3D.
"A criomicroscopia � basicamente conseguir uma foto, com resolu��o at�mica, de uma esp�cie biol�gica", afirma Guilherme Oliveira, pesquisador do Centro Nacional de Biologia Estrutural e Bioimagem (Cenabio), da UFRJ, que atualmente faz um p�s-doc sobre a t�cnica na Universidade da Virg�nia, nos EUA.
Segundo Oliveira, em 3 segundos � poss�vel fazer entre 100 e 200 dessas "fotos".
Por�m, a precis�o e qualidade dos modelos 3D obtidos inicialmente -at� entre 2012 e 2013- ainda eram baixas, e as imagens obtidas lembravam uma esp�cie de gosma.
Com a melhora na resolu��o dos microsc�pios, a massa disforme ganhou contornos mais precisos. "E da�?", voc� pode estar se perguntando.
DOEN�AS
A visualiza��o precisa por criomicroscopia eletr�nica das membranas (os contornos) das prote�nas d� um passo al�m do que havia sido alcan�ado por outras tecnologias de imagem –como a cristalografia de raios X. As aplica��es m�dicas da nova t�cnica s�o o destaque.
"Conhecendo a estrutura de uma mol�cula viral, voc� consegue desenvolver uma interven��o terap�utica para anular o efeito do pat�geno", afirma Oliveira, referindo-se �s estruturas da membrana dos pat�genos, costumeiros alvos de drogas.
Esse conhecimento tamb�m permite o encapsulamento de f�rmacos e o direcionamento deles para as �reas e mol�culas onde deve agir.
Rodrigo Portugal, pesquisador do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais) –um dos �nicos locais no Brasil a trabalhar com criomicroscopia para an�lise de biologia estrutural– diz que a t�cnica � importante para compreender o funcionamento geral dos organismos. "A prote�na � uma m�quina que faz algo. Ela tem diferentes conforma��es e, se vejo s� uma delas, estou vendo uma parte da hist�ria. Preciso ver as outras para ter a narrativa completa", diz.
"As biomol�culas est�o na base do funcionamento da vida. T�cnicas que nos permitem entender o funcionamento disso v�o ajudar a compreender melhor a din�mica da vida", afirma Portugal.
Al�m disso, por se tratar de um processo relativamente barato, os pesquisadores conseguem fazer "filmes" da engrenagem molecular –com s�ries de imagens congeladas de diferentes partes da a��o, o que ajuda a entender a intera��o entre mol�culas.
Contudo, ainda h� muito a evoluir.
Segundo o laureado Frank, a resolu��o dos microsc�pios pode melhorar ainda mais, possibilitando visualiza��es ainda mais precisas. O tempo � outro problema.
"N�s n�o conseguimos ver agora algumas estruturas intermedi�rias [que surgem no meio dos processos do maquin�rio bioqu�mico e desaparecem em um curt�ssimo espa�o de tempo], que propiciam mais informa��es sobre o mecanismo", diz Frank.
"Quando voc� analisa todas as estruturas, h� diversos passos faltando. Voc� n�o consegue realmente analisar todo o processo ainda", afirmou o novo nobelista.
Por isso, para os pr�ximos passos, a ideia � "fazer filmes das mol�culas executando seu trabalho, o que n�o era poss�vel antes".
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IMAGEM V�TREA
Entenda a t�cnica de criomicroscopia eletr�nica, que rendeu o Nobel de Qu�mica de 2017
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Amostra l�quida contendo part�culas org�nicas � colocada sobre uma trama met�lica
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A trama � mergulhada em etano a -190�C, que por sua vez mant�m a baixa temperatura por estar em nitrog�nio l�quido a -196�C.
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O processo causa a vitrifica��o da amostra nos buracos da trama, possibilitando assim a observa��o das mol�culas org�nicas
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As prote�nas vitrificadas s�o atingidas por feixes de el�trons, deixando uma "sombra"
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Software agrupa as "sombras" semelhantes e, a partir de milhares delas, consegue gerar imagens 2D em alta resolu��o
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O programa analisa todas as imagens 2D geradas e, ao agrup�-las e analis�-las, gera uma imagem 3D em alta resolu��o
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INDICA��O E GANHADORES
Este ano houve um aumento na premia��o e os laureados recebem 9 milh�es de coroas suecas (aproximadamente R$ 3,5 milh�es). O dinheiro � fruto de um fundo de mais de 4 bilh�es de coroas suecas (em valores atuais) deixado pelo pai do pr�mio, Alfred Nobel (1833-1896), inventor da dinamite e para quem a qu�mica foi a principal �rea de conhecimento ligada a seu trabalho.
Al�m da premia��o em dinheiro, os laureados tamb�m recebem uma medalha e um diploma.
Os ganhadores do Nobel s�o escolhidos pela Academia Real Sueca de Ci�ncias entre candidatos selecionados pelo Comit� do Nobel para Qu�mica –composto por cinco membros, al�m de outros adjuntos.
As indica��es para as "semifinais" do pr�mio partem de pessoas convidadas a sugerir nomes. Membros da Academia Real Sueca de Ci�ncias, dos Comit�s do Nobel para qu�mica e f�sica, e laureados de qu�mica e f�sica podem indicar pesquisadores ao pr�mio.
PEQUENAS M�QUINAS
O Nobel de Qu�mica do ano passado foi para as m�quinas moleculares, as menores do mundo. Os premiados foram os cientistas Jean-Pierre Sauvage, J. Fraser Stoddart e Bernard L. Feringa.
A �rea de pesquisa pode ter um impacto significativo na medicina, com o transporte de medicamentos por nanorob�s. Outras possibilidades s�o a computa��o molecular e materiais inteligentes que se adaptam a condi��es externas –algo compar�vel �s roupas e t�nis de Marty McFly, do filme "De Volta para o Futuro".
HIST�RIA
A l�urea � dada para o(a) pesquisador(a) respons�vel pela "descoberta ou aperfei�oamento qu�mico mais importante".
Local de nascimento dos vencedores do Nobel
At� o momento, desde 1901 –primeiro ano da premia��o–, s� quatro mulheres foram laureadas.
Em oito ocasi�es, por conta das duas guerras mundiais, o Nobel de Qu�mica n�o foi entregue. Isso ocorreu nos anos de 1916, 1917, 1919, 1924, 1933, 1940, 1941 e 1942.
Entre as pesquisas premiadas est�o a descoberta e trabalho com os elementos qu�micos r�dio e pol�nio (Marie Curie, 1911 –ela tamb�m ganhou um Nobel de F�sica); a pesquisa sobre liga��es qu�micas (Linus Pauling - 1954); e a contribui��o para melhor entendimento do DNA (Frederick Sanger, 1980 –foi o segundo Nobel de Qu�mica dele).
MEDICINA
O pr�mio de fisiologia ou medicina deste ano, entregue nesta segunda (2), foi para os pesquisadores que desvendaram os mecanismos moleculares que controlam os ritmos circadianos –que fazem com que nosso organismo se comporte de forma diferente dependendo da hora do dia.
Os americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young conseguiram explicar a a��o de alguns genes sobre o "rel�gio interno" de organismos.
F�SICA
J� o pr�mio de f�sica, de forma um pouco mais esperada pela comunidade cient�fica, ficou com os pesquisadores respons�veis pela detec��o direta das ondas gravitacionais –confirmando uma predi��o da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. A premia��o para pesquisa era esperada desde o ano passado, mas, por uma quest�o de dias, o estudo n�o p�de ser indicado ao Nobel.
Os laureados foram Kip Thorne, Rainer Weiss, e Barry Barish, membros da colabora��o Ligo (Observat�rio de Ondas Gravitacionais por Interfer�metro a Laser, na sigla em Ingl�s).
Agenda
5.out (quinta)
Nobel de Literatura
6.out (sexta)
Nobel da Paz
9.out (segunda)
Pr�mio de Ci�ncias Econ�micas
Livraria da Folha
- Cole��o "Cinema Policial" re�ne quatro filmes de grandes diretores
- Soci�logo discute transforma��es do s�culo 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD re�ne dupla de cl�ssicos de Andrei Tark�vski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade