O pior da pesquisa no Brasil � a burocracia, diz geneticista franc�s
Ricardo Borges/Folhapress | ||
O geneticista franc�s Hugo Aguilaniu, diretor do Instituto Serrapilheira |
Para o geneticista franc�s Hugo Aguilaniu, 41, diretor do Instituto Serrapilheira, primeira entidade privada de apoio � ci�ncia nacional, o pior da pesquisa cient�fica brasileira � a burocracia.
Ele conhece o sistema de perto. Al�m de sua mulher ser brasileira, tem boa rela��o de colabora��o com grupos de pesquisa da USP e � fluente em portugu�s.
Aguilaniu assume a nova fun��o com a ideia de que pode dar um empurr�ozinho na ci�ncia do pa�s, que perde muito, diz ele, pelas fun��es administrativas e burocr�ticas que os pesquisadores t�m de assumir quando recebem verba para a pesquisa.
Uma das ideias da nova ag�ncia de fomento � bancar a contrata��o de gerentes para cuidar da parte administrativa e burocr�tica, disse � Folha. "O pesquisador n�o pode desperdi�ar energia criativa desse jeito".
Selecionado entre 138 candidatos por um comit� de busca (que tinha representantes do meio acad�mico e do meio empresarial), ele receber� um sal�rio bruto de R$ 35 mil.
O geneticista tem como linha de pesquisa o estudo do envelhecimento usando como modelo animal o vermezinho C. elegans. Ele quer entender quest�es como qual seria o preju�zo de estender a vida e o que isso acarreta para a performance (reprodutiva, por exemplo) do organismo.
Morando agora no Rio, suas atividades acad�micas no Centro Nacional de Pesquisas cient�ficas da Fran�a devem ser suspensas. Seu mandato ser� de tr�s anos, renov�veis por mais tr�s.
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CI�NCIA BRASILEIRA
Faz dez anos que venho sempre ao Brasil. Costumo passar de dois a tr�s meses por ano em S�o Paulo, conhe�o a USP. Sempre tive uma admira��o muito grande pelos pesquisadores porque as condi��es de trabalho s�o muito mais dif�ceis do que na Europa.
Encontrei cientistas espetaculares que fazem um bom trabalho apesar dessas regras todas, dessa burocracia extremamente pesada que obriga o pesquisador a fazer tudo sozinho, como preparar presta��o de contas, entre outras tarefas. Isso � uma pena porque tira muito da energia criativa do pesquisador.
NOVO EMPREGO
O impacto que posso ter � frente de um instituto como esse, na minha opini�o, � muito maior do que se eu fizesse algo parecido na Fran�a ou nos EUA, que j� est�o em um steady state [estado estacion�rio] quando o assunto � financiamento cient�fico feito por institui��es privadas.
DESAFIOS GEOGR�FICOS
Aqui tem muita coisa para construir. Geograficamente tamb�m � um desafio. Tudo bem que S�o Paulo produz 30% da riqueza do pa�s, mas n�o tem por que n�o ter boa ci�ncia em outros lugares, como o Nordeste. Para mim n�o faz sentido, principalmente em ci�ncias te�ricas, que n�o requer quase nada. O Impa, por exemplo, tem um pr�dio lindo, mas uma casa com duas lousas e computadores j� seria o suficiente em termos de infraestrutura.
BUROCRACIA
Fiz meu doutorado na Su�cia e trabalhei nos EUA como p�s-doc [p�s-doutorado] e tenho um laborat�rio na Fran�a. Se voc� quer um produto, tem um grupo de pessoas j� estabelecido para o qual voc� pode fazer o pedido, e, no dia seguinte, o produto chega.
Aqui � uma complexidade que ningu�m merece. Voc� tem que preencher papel, justificar, resolver quest�o de importa��o etc. Cada departamento deveria ter uma equipe cuidando s� disso. Sempre tive isso na minha carreira. O pesquisador tem que ensinar, lidar com toda essa burocracia e ser criativo e pesquisar. Acho extremamente dif�cil.
LIBERDADE ACAD�MICA
Se a gente conseguir mostrar que � poss�vel facilitar um pouco esse processo dando recursos livres, com o pesquisador gastando o dinheiro como ele quiser e com uma presta��o de contas simples, ser� �timo.
Se voc� consegue justificar um gasto "fora do eixo", mostrando que aquilo � importante para fazer uma ci�ncia de qualidade, com bons resultados no final, � v�lido.
� uma cultura diferente das outras ag�ncias de fomento e n�s vamos conseguir fazer isso porque ser� um n�mero pequeno de pesquisadores. Ser� uma rela��o de confian�a. Vamos apoiar pessoas com recursos intelectuais suficientes para se virar e fazer uma ci�ncia de ponta.
RESPONSABILIDADE
Se tiver de gastar todo o dinheiro fazendo uma confer�ncia e se isso for um meio de se realizar uma ci�ncia excelente, perfeito. O pesquisador � que sabe. Acho ruim todas as regras. Parte-se do pressuposto que o pesquisador n�o � suficientemente respons�vel para fazer boas escolhas.
A gente vai tamb�m abrir a possibilidade de ele pedir ajuda. No come�o da carreira, muitas vezes voc� precisa de uma ajudinha, de conselhos. Ele pode ligar e pedir para se consultar com um cientista de refer�ncia na �rea dele, seja do Brasil ou fora. Podemos facilitar isso.
Tem que dar liberdade. Tive a sorte de poder fazer tudo o que eu queria fazer. Consegui bolsas razoavelmente generosas e sempre me virei.
INTUI��O
As pessoas veem a ci�ncia como uma �rea seca, reta, mas n�o � bem assim.
No come�o de uma ideia, h� uma intui��o de que ali h� algo interessante. E a� voc� segue por esse caminho. Quando est� no caminho errado, o bom cientista percebe que est� em uma dire��o ruim e muda.
Quando voc� consegue chegar ao final, h� algo lindo. Ele � bonito, bem articulado, traz uma clareza, uma luz.
Tem que ter essa est�tica, como dizem os matem�ticos, o pr�prio Artur [Avila]. N�o � s� mostrar algo, � mostrar algo de uma maneira elegante. E isso � fundamental, porque a comunidade cient�fica presta aten��o nisso.
ESCOLHA
Sou franc�s e minha mulher � brasileira. Moramos na Fran�a muito tempo. A ideia de vir para o Brasil estava na nossa cabe�a, mas a situa��o do pa�s dava poucas chances de um dia virmos para c�.
Esse an�ncio foi encaminhado para mim pelo meu sogro, que assina o boletim da Fapesp. Eu n�o conhecia a fam�lia [Moreira Salles], n�o conhecia nada. Conversei com minha mulher naquele dia. Perguntei: "Voc� conhece a fam�lia Moreira Salles"? Ela disse que era l�gico que conhecia, que eram pessoas s�rias.
Tinha que escrever um texto, ter um curr�culo razo�vel. Acho que o meu estava bom, mas achava que eu era muito jovem para tocar um instituto desse. Mandei a inscri��o. S� fiquei sabendo depois de ser selecionado que havia 138 inscri��es.
Acho que � um desafio interessante. Quem gosta mesmo de ci�ncia nunca recusaria um neg�cio desses. � imposs�vel.
LICEN�A
Estou destacado [licenciado] da ENS de Lyon. Posso voltar para o mesmo posto em at� cinco anos, talvez renov�veis. A Fran�a te d� essa possibilidade.
Mas eu quero ter alguma atividade de pesquisa no Brasil. � algo que faz sentido para mim. N�o d� para ter um laborat�rio como eu tinha, mas quero ter alguma atividade, mesmo que pequena. Acho importante e tamb�m me d� uma certa legitimidade, para n�o dizerem: "Quem � o gringo que vem e que d� recursos para brasileiros sem saber como � fazer ci�ncia no pa�s?"
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