M�goa pode ter levado � demiss�o de ex-diretor do Instituto Butantan
Uriel Punk/Futura Press/Folhapress | ||
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David Uip, Geraldo Alckmin, Ricardo Barros, Jorge Elias Kalil Filho, e Andr� Franco Montoro Filho |
A demiss�o de Jorge Kalil do cargo de diretor do Instituto Butantan (IB) pode estar relacionada a uma antiga m�goa cultivada entre ele e o secret�rio da Sa�de do Estado de S�o Paulo, David Uip, segundo m�dicos pr�ximos aos dois ouvidos pela Folha.
Os dois trabalharam juntos no Incor (Instituto do Cora��o) do Hospital das Cl�nicas quando Uip era subordinado a Kalil, que ocupava as presid�ncias do conselho diretor do InCor e do conselho consultivo da Funda��o Zerbini.
Em 2008, Uip deixou a diretoria-executiva do InCor, cargo que havia ocupado durante cinco anos, e teria se ressentido da falta de apoio de Kalil, at� ent�o seu amigo pr�ximo, para que ele permanecesse na institui��o.
Outra situa��o que teria irritado Uip era o fato de que Kalil n�o obedecia a hierarquia, ligando diretamente para o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ministros para tratar de quest�es do Butantan, sem passar pelo secret�rio, a quem era subordinado.
Em entrevista � Folha, David Uip nega que a exonera��o tenha motiva��o pessoal. "N�o tenho nenhuma m�goa do Kalil. Zero de m�goa. Fomos grandes parceiros na �poca do Incor", diz. O secret�rio diz que est� "muito triste" com a situa��o.
"Ele � um baita cientista, um dos melhores do mundo. Mas as colis�es do ponto de vista de gest�o se tornaram insustent�veis", afirma Uip.
Kalil tamb�m conversou com a Folha, por telefone. "Estou triste e indignado. Dediquei minha vida � ci�ncia e tecnologia. Na �ltima fase de minha carreira, resolvi me dedicar a um instituto que fosse �til, que fizesse algo para a sociedade", diz.
Ele diz que o desejo de Alckmin de que ele continue � frente da pesquisa da vacina da dengue � atestado de sua compet�ncia e idoneidade.
Entre os sucessos de sua gest�o, enumera, est�o a moderniza��o da infraestrutura, a multiplica��o das receitas, o direcionamento de verbas para a pesquisa e o prest�gio internacional do Butantan.
Segundo Uip, os problemas de incompatibilidade come�aram com o ac�mulo de fun��o por parte de Kalil, que chegou a ocupar simultaneamente o cargo de diretor do Instituto Butantan e de sua funda��o de apoio, a Funda��o Butantan.
Andr� Franco Montoro Filho, por indica��o de Kalil, assumiu a funda��o em 2015, mas eles se desentenderam no fim de 2016 e, segundo Uip, Kalil queria que o Butantan voltasse a ter s� "um indiv�duo com poder". A divulga��o por parte de Montoro Filho de poss�veis irregularidades da gest�o de Kalil teria sido a gota d'�gua.
"Chegou uma hora em que a situa��o ficou insustent�vel tanto do ponto de vista de exposi��o quanto do que � determinado pela secretaria. Houve uma quebra da rela��o de confian�a do secret�rio com o gestor p�blico", diz Uip.
Kalil diz que a auditoria, realizada em 2015, teve todas as suspeitas de irregularidades respondidas antes mesmo de elas virem a p�blico.
A Secretaria da Sa�de comunicou que o m�dico hematologista Dimas Tadeu Covas ser� o novo diretor do Butantan. Ele � professor da Faculdade de Medicina de Ribeir�o Preto, da USP e dirige a Funda��o Hemocentro da cidade.
Leia abaixo as entrevistas com David Uip e Jorge Kalil:
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David Uip
O secret�rio de Estado da Sa�de, David Uip, nega que a sa�da do m�dico Jorge Kalil da dire��o do Instituto Butantan tenha motiva��es pessoais e afirma que as raz�es foram diverg�ncias de gest�o e de quebra de confian�a.
"N�o tenho nenhuma m�goa do Kalil, nunca tive", diz Uip, que afirma estar "muito triste" com a situa��o.
"Ele � um baita cientista, um dos melhores do mundo. Mas as colis�es do ponto de vista de gest�o se tornaram insustent�veis." A seguir, trechos da entrevista � Folha.
Jorge Ara�jo/Folhapress | ||
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O secret�rio da Sa�de de S�o Paulo, David Uip |
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Folha - � verdade que a sa�da de Kalil tem a ver com m�goas antigas entre voc�s?
David Uip - N�o tenho nenhuma m�goa do Kalil, nunca tive. Ele foi um grande parceiro na hist�ria do InCor e da Funda��o [Zerbini]. Zero de m�goa. Estou muito triste. N�o me d� prazer nenhum no que est� acontecendo.
O que aconteceu, afinal?
Houve uma rota de colis�o com objetivo de gest�o. Est� uma confus�o. Est� se levando para o lado pessoal e n�o tem nada de pessoal.
E sobre as irregularidades apontadas na gest�o de Kalil?
Eu jamais vou comentar as den�ncias feitas contra o Kail. Quem tem que avaliar essas den�ncias � quem � de direito. � a Corregedoria do Estado, � a Procuradoria Geral do Estado, � o Minist�rio P�blico e o Tribunal de Contas do Estado. N�o tenho nada a comentar.
Qual foi essa rota de colis�o no �mbito da gest�o?
Quando entrei no governo, eu falei para o Kalil: 'Eu n�o quero que um �nico gestor fique como presidente da Funda��o e diretor do Instituto Butantan. � imposs�vel. N�o d� para tocar as duas coisas. Ainda mais ele que � um baita cientista. Ele relutou muito e aceitou. Por indica��o dele, o Andr� Franco Montoro foi nomeado presidente da Funda��o. Tudo aquilo que foi apontado pela auditoria como problema de gest�o n�s fomos corrigindo.
Aquilo que entendi que tinha que ser investigado, j� que envolvia agente p�blico, eu encaminhei para a Corregedoria. As coisas se encaminharam muito bem durante o ano de 2016. No final de 2016 houve uma briga [entre Kalil e Franco Montoro] e voltou ao status antigo de s� um indiv�duo [Kalil] com poder.
Kalil queria meu apoio para isso. Eu disse: 'Kalil, eu n�o vou opinar, n�o vou participar. Isso � muito perigoso porque abala o conceito fundacional'. O Andr� se demitiu, leu uma carta e isso levou o Instituto, a Funda��o Butantan e a Secretaria de Estado a uma enorme exposi��o.
Outro fato: estava tramitando na Assembleia e foi encaminhado para a Casa Civil um projeto de lei que transforma o Instituto Butantan em autarquia especial, que d� total poder [ao instituto], termina o v�nculo do instituto com a Secretaria de Estado da Sa�de. Detalhe: a secretaria n�o tinha o menor conhecimento disso. Como voc� planeja uma mudan�a total sem que a secretaria tenha participado?
Houve uma quebra de confian�a?
Foi havendo colis�es em quest�es de gest�o. Chegou uma hora que a situa��o ficou insustent�vel tanto do ponto de vista de exposi��o quanto do que � determinado pela secretaria. Houve uma quebra da rela��o de confian�a do secret�rio com o gestor p�blico. Cabe a mim tomar decis�es. N�o estou avaliando as den�ncias, ningu�m vai me ouvir falar sobre isso. N�o tem nada de pessoal. Eu pedi para o Kalil continuar como l�der das pesquisas com vacina no Butantan. Ele � um dos maiores cientistas do mundo. Todo mundo reconhece e eu tamb�m. Mesmo que eu tivesse alguma coisa contra o Kalil, e eu n�o tenho absolutamente nada contra, com minha posi��o p�blica, jamais me envolveria com isso. Jamais misturo uma coisa com outra.
Como o sr. est� vendo essas manifesta��es toda da comunidade cient�fica a favor do Kalil?
Ele � um indiv�duo que tem todo m�rito acad�mico, ent�o � normal. S� que as pessoas est�o confundindo um grande pesquisador com um gestor que n�o atendeu as ordens da Secretaria de Estado da Sa�de
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Jorge Kalil
Jorge Kalil diz ter ficado chateado com a exonera��o da dire��o do Butantan. "Da maneira que foi, foi um desgaste da minha imagem pessoal". � Folha ele contou sobre suas realiza��es � frente do instituto e se defendeu das acusa��es que surgiram por causa de uma auditoria que, segundo ele, foi totalmente rebatida e que mesmo assim foi usada para tir�-lo do cargo. Veja os principais t�picos da entrevista:
Vitor M/Projetor-29.abr.2015/Folhapress | ||
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Jorge Kalil, ex-diretor do Instituto Butantan |
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Apoio dentro da institui��o
Tenho uma grande base de apoio porque fiz muitas coisas boas pelo Butantan. Peguei uma institui��o em 2011 que estava completamente desacreditada e com uma autoestima l� embaixo. Tinha havido o inc�ndio em 2010. Trabalhamos e colocamos a f�brica de [vacina contra] influenza para funcionar, ela nunca tinha funcionado. N�s recuperamos a imagem do Instituto.
Os nossos contratos e a nossa produ��o fizeram o faturamento, em seis anos, passar de R$300 milh�es para R$ 1,6 bilh�o neste ano. Aumentou muito a produtividade e o investimento. E � por isso que as pessoas me adoram dentro do Instituto.
N�s come�amos um projeto maravilhoso que est� atualmente em sua fase 3, que � a vacina contra a dengue. H� uma expectativa mundial enorme. Essa import�ncia o Butantan readquiriu comigo l� dentro. Passamos a ser refer�ncia em sa�de p�blica no Brasil e no mundo. Isso havia sido perdido.
Eu fiz um refeit�rio decente para as pessoas, arrumei uma creche para os funcion�rios, arrumei pr�dios com goteiras e outros problemas da manuten��o –tinha infiltra��o, calha quebrada, elevador que n�o funcionava, ar-condicionado quebrado. A telefonia era antiga –tinha telefonista que ficava s� at� as 16h. Fora isso, n�s modernizamos todo o parque industrial.
F�brica de hemoderivados, de R$ 240 milh�es e que n�o funciona
Os hemoderivados, em que tanto bateram, foi uma coisa que come�ou em 2008 e pararam em 2010 –antes de eu chegar. Constru�ram uma f�brica e compraram os equipamentos e eu fui estudar a viabilidade t�cnica e econ�mica desses hemoderivados.
Tecnicamente era uma coisa temer�ria –uma tecnologia nova, que nunca havia sido lan�ada no mundo. Ent�o t�nhamos que n�o s� fazer a f�brica funcionar mas fazer todos os testes cl�nicos, porque seriam considerados produtos novos. E a General Electric pediu mais de €100 milh�es para colocar a f�brica para funcionar –interessava para eles porque era deles a tecnologia. N�s tivemos v�rias negocia��es. Nesses seis anos eu nunca parei de olhar para esse problema.
E o grande entrave � que o plasma � propriedade do governo brasileiro –� lei– e ele tem de estar de acordo. O problema � que o governo estava relan�ando a Hemobras na mesma �poca –o plasma ia para ela. E o governo estava fazendo investimento enormes.
Mais tarde eu comecei a conversar com o Ricardo Barros [ministro da Sa�de] e a gente estava perto de uma solu��o, que seria n�s trabalharmos junto com a Hemobras, para termos acesso ao plasma para conseguir, com isso, ter empresas que pudessem investir na f�brica, colocando-a para funcionar. Mas eram coisas caras e n�o existia recurso. O governo do Estado n�o dava recurso. O que o Butantan tinha de recurso foi investido na f�brica da influenza –que dava retorno.
Uso indevido do cart�o corporativo
Eu estava com minhas f�rias marcadas –isso tem que ser feito com anteced�ncia. Era a segunda quinzena de julho de 2015 e eu fui convidado por uma grande autoridade mundial de vacinas para uma reuni�o em Viena chamada "As Vacinas no Ano de 2035". Ele me convidou para ser relator da discuss�o sobre o que tinha de ser programado para vacinas infecciosas.
Eu abri m�o das minhas f�rias para ir a essa reuni�o e usei o cart�o para comprar as passagens. Como eu estava na Europa, fui para Mil�o, onde dei uma confer�ncia em uma universidade e visitei um laborat�rio da Universidade Humanitas para tentar firmar conv�nio entre as institui��es.
Do cart�o corporativo, eu prestava contas, n�o era um cart�o que eu usava para minhas despesas. Todos os meses eu digo quanto que gastei e onde gastei. Tem outros diretores que t�m –cada um com seu limite. � uma forma de adiantar dinheiro e agilizar as coisas.
Auditoria que apontou irregularidades
Essa empresa "Colorado", no seu objeto social, n�o � uma empresa de auditoria. N�o houve licita��o para a contrata��o dela porque era urgente. Essa auditoria, que durou quatro meses, foi engavetada h� dois anos pra sair agora.
Houve a discuss�o da sa�da do doutor Montoro da presid�ncia da Funda��o. N�o foi por a��o minha, foi por a��o do Conselho da Funda��o, que estava descontente com a atua��o do dr. Montoro, que estava interferindo nas a��es do instituto. O instituto tem as suas a��es. E a funda��o � de apoio –n�o � ela que determina o que o instituto vai fazer.
O conselho resolveu ditar o que a funda��o deveria fazer e o que o instituto deveria fazer, e o dr. Montoro n�o quis e saiu. Ele diz que se demitiu, mas o fez porque todo mundo pediu para ele se demitir. Em vez de sair como se deve, para ajudar a institui��o, ele resolve divulgar uma s�rie de coisas que n�o estavam acertadas e nos levaram a essa crise que me enfraqueceu, que o secret�rio aproveitou para me demitir.
Excesso de contrata��es
Criticaram o fato de eu ter contratado muita gente. Contratei mesmo: um grupo para fazer o plano-diretor, que n�o tinha; uma auditoria para ver as quest�es que poderiam gerar problema; contratei um n�cleo de inova��o tecnol�gica –via funda��o, j� que n�o havia verba no instituto; criei uma assessoria jur�dica; criei uma gest�o de ambiente. Quando cheguei l� �ramos s� eu e uma secret�ria. Precis�vamos de um mecanismo de gest�o moderno, do s�culo 21 –que muitos querem copiar.
Prest�gio e m�goa
Por eu ter sido presidente da Sociedade Mundial de Imunologia, muitas portas se abriram para o Butantan. A OMS queria que o Butantan produzisse lotes de soro antidift�rico –considerado o melhor do mundo– para distribuir na Europa, que est� com novos casos de difteria porque o Leste Europeu n�o tinha alta imuniza��o e quem n�o estava vacinado na Europa estava em risco de pegar a doen�a, que � terr�vel.
Se o secret�rio quisesse me mandar embora, que tivesse a coragem de faz�-lo. Mas n�o precisava provocar todo esse desgaste da minha imagem.
Final da gest�o
O que � um atestado melhor da minha credibilidade que o governador dizer que quer que eu continue dirigindo a pesquisa? Ora, se eu fosse ruim na gest�o, se eu n�o fosse um cara �ntegro, como que eu poderia dirigir o projeto de pesquisa m�dica mais importante do Brasil, que � o da pesquisa da vacina contra dengue?
Tive um comportamento �tico, tanto como cientista como de administrador p�blico. Negociei com ministros de todos partido. Eles negociaram comigo porque eu era um sujeito apartid�rio e que estava l� para fazer crescer o Instituto Butantan e melhora a Sa�de do nosso pa�s.
Poderiam ter me tirado sem jogar meu nome na lama. Eu saio triste porque me machucaram, porque eu havia prometido ao governador que ficaria por todo o per�odo do mandato dele, para levar o Butantan a um bom porto.
Futuro(s) diretor(es)
Tor�o para que o novo diretor tenha sucesso, que fa�a o Butantan crescer porque ele � muito maior que eu. O que ele faz � uma coisa para o mundo.
O pessoal do Instituto Butantan reclama muito que mudam o diretor sem perguntar nada para eles. Deveria haver um comit� de busca –e a� o secret�rio poderia at� escolher. Seria uma boa ideia, o comit� indicaria quais pessoas estariam mais adequadas para o cargo.
Eu acho que seria uma boa ideia. A elei��o para escolher diretor n�o � legal porque acaba entrando no mesmo tipo de jogo pol�tico da indica��o. Uma institui��o de pesquisa tecnol�gica, assim como uma empresa, n�o pode escolher o diretor por vota��o e sim pelo comit�, que vai atr�s dos melhores nomes e oferecer a quem decide –no caso, o secret�rio. Evitaria a intromiss�o pol�tica em uma institui��o dedicada ao ensino e � pesquisa.
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