O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro
Descrição de chapéu Seleção Brasileira

O 7 a 1 de dez anos atrás e o 7 a 1 dos dias de hoje

Se não está sendo humilhado, Brasil vai vivendo vexatoriamente ao acumular reveses, o mais recente na Copa América nos EUA

Capitão do Brasil na partida de 8 de julho de 2014, o 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo, David Luiz está ajoelhado e com a cabeça na grama no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte

Capitão do Brasil na partida de 8 de julho de 2014, o 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo, David Luiz desaba no gramado do Mineirão, em Belo Horizonte - Eduardo Knapp / 8.jul.2014/Folhapress

"Todo dia é um 7 a 1." Ouço essa frase esporadicamente, de conhecidos.

O 7 a 1 nela origina-se da mais vergonhosa derrota sofrida pela seleção brasileira masculina, há exatamente dez anos, por esse placar, para a Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo, em pleno Mineirão (Belo Horizonte).

Leio no Dicionário Informal que "todo dia é um 7 a 1" refere-se "a uma situação adversa recorrente experimentada por um indivíduo". Resumidamente, fracasso constante, persistente, cotidiano.

O 7 a 1 virou sinônimo de insucesso, de malogro, de revés. Com dimensões grandiosas.

A seleção brasileira não é um indivíduo, trata-se de um conglomerado de indivíduos (incluindo comissão técnica e jogadores), porém ela se encaixa muito bem na mencionada frase.

Está muito difícil, já faz um tempinho, ver a seleção principal em momento positivo.

O último título foi conquistado há cinco anos, a Copa América de 2019, na gestão Tite.

Gestão essa que teve ótimos momentos, mas que falhou na Copa do Mundo de 2018 (Rússia) e na de 2022 (Qatar), além de sucumbir ante a Argentina na Copa América de 2021 na final no Maracanã.

Em Copa do Mundo, aliás, já se vão 22 anos da glória mais recente, o pentacampeonato, com Ronaldo Fenômeno, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho no time. O treinador em 2002 era Luiz Felipe Scolari, o mesmo comandante no 7 a 1 de 2014.

Pós-Copa de 2022, o "todo dia é um 7 a 1" amplificou-se.

À espera por quase um ano de um técnico (o italiano Carlo Ancelotti) que nunca confirmou que viria, e que não veio e não virá, com dois treinadores interinos (Ramon Menezes primeiro, Fernando Diniz depois), a seleção exibiu quase sempre um futebol chocho.

Se não estava uma maravilha com Neymar, que está longe de ser uma unanimidade na imprensa e na torcida, piorou muito sem ele, que teve lesão séria no joelho e está afastado dos gramados há quase nove meses.

O sexto lugar nas Eliminatórias sul-americanas para a Copa de 2026 tirou Diniz do cargo e levou a ele Dorival Júnior, campeão da Copa do Brasil de 2023 com o São Paulo.

Houve um início de trabalho positivo em amistosos fora de casa. Vitória sobre a Inglaterra (1 a 0) e empate com a Espanha (3 a 3).

Resultados bons, contudo enganosos. O time claramente precisava de mais entrosamento e mostrar um futebol de qualidade superior.

Dorival teria esse tempo na preparação para a Copa América. Teria e teve. A seleção se preparou durante mais de três semanas para a competição nos EUA. Vários treinos e a realização de dois amistosos.

Esse período, com treinamentos e jogos preparatórios, é, teoricamente, suficiente para azeitar uma equipe, dar-lhe uma cara. No calendário atual, manter uma seleção nacional treinando junta por quase um mês é um privilégio, uma exceção. Não dá para ter mais tempo que isso.

Só que, na Copa América, o que se viu foi um Brasil muito parecido com o de 2023. Desinspirado e desconjuntado. Burocrático.

Na primeira fase, um 0 a 0 diante da Costa Rica (que no jogo seguinte seria goleada pela Colômbia), um 4 a 1 no Paraguai (só o primeiro gol resultou de uma jogada trabalhada; o segundo e o terceiro saíram depois de falhas da defesa rival e o quarto foi de pênalti) e um 1 a 1 contra a Colômbia (gol em cobrança de falta).

O segundo lugar no grupo colocou o Brasil frente a frente com o bem organizado Uruguai nas quartas de final. Se tivesse ficado em primeiro, o adversário seria o frágil Panamá, surrado por 5 a 0 pela Colômbia.

O técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, com as mãos na cintura e semblante sério, observa a partida contra o Uruguai nas quartas de final da Copa América nos EUA
O técnico da seleção brasileira, Dorival Júnior, na partida contra o Uruguai nas quartas de final da Copa América nos EUA - Kevork Djansezian/6.jul.2024/Getty Images via AFP

Os uruguaios detinham certo favoritismo antes da partida em Las Vegas. Algo raro e preocupante. Nesse clássico sul-americano, sempre se espera, antes de a bola rolar, o Brasil vencedor –a história punha os brasileiros em ampla vantagem no confronto (38 vitórias, 20 empates, 21 derrotas).

O jogo foi ruim. Muito em parte devido ao antijogo uruguaio, que cometia falta atrás de falta. Só que o Brasil, que jogou sem Vinicius Junior (suspenso), mesmo tendo treinado quase um mês, não conseguiu mostrar nada como time.

Nada de tabelas, de um-dois. Nada de ultrapassagens dos laterais, de jogadas de linha de fundo. Nada de chutes de longa distância. Nada de jogadas ensaiadas. Nada de nada.

A única chance evidente de gol que a seleção teve foi ainda no primeiro tempo, em uma escapulida de Raphinha, que chutou com o pé direito (o ruim) para defesa de Rochet.

A apreensão com essa seleção aumenta quando se nota que, jogando com um homem a mais a partir dos 29 minutos do segundo tempo (Nández foi expulso depois de carrinho violento em Rodrygo), o "nada" se manteve firme, sólido, inalterado.

O Brasil, enfadonho, tocava a bola para um lado, tocava a bola para o outro. Jogava lateralmente. Não impunha velocidade para furar a retranca uruguaia, não arriscava uma infiltração, não atuava pelas beiradas.

Individualmente, ninguém se propunha a "partir para cima", a dar um drible, a desnortear o adversário. Inventividade zero.

Nem "chuveirinhos" na área, para deixar a bola mais perto do gol, existiram.

Usando camisa com o número 3 às costas, o brasileiro Éder Militão observa o goleiro uruguaio Rochet, que usa uniforme todo laranja, saltar e defender pênalti nas quartas de final da Copa América, em Las Vegas
O zagueiro brasileiro Éder Militão bate pênalti em Las Vegas nas quartas de final da Copa América e o goleiro uruguaio Rochet defende - Frederic J. Brown/6.jul.2024/AFP

Fico me perguntando o que Dorival passou aos jogadores durante os treinamentos em relação a furar uma defesa bem fechada. Ou não treinou para isso (péssimo) ou os atletas não conseguiram executar (igualmente péssimo).

Sabe-se que o time praticou cobranças de pênaltis, conforme o técnico expôs depois da eliminação na disputa de penalidades máximas.

Mesmo assim, perdeu, desperdiçando duas cobranças. Éder Militão (um zagueiro batendo o primeiro pênalti é a opção adequada? Não creio) chutou da pior maneira, sem muita força e à meia altura –se o goleiro acerta o canto, o que ocorreu, pega. O volante Douglas Luiz mandou na trave.

Disse o lateral direito Danilo em entrevista pós-jogo que pênaltis não são loteria, mas trabalho. O mesmo Danilo que, capitão do time, não se apresentou para cobrar nem o primeiro, nem o segundo, nem o terceiro, nem o quarto pênalti.

E, se acertar pênalti é decorrência de trabalho (e é), estamos trabalhando, no mínimo, errado.

Setembro vem aí, com mais dois jogos pelas Eliminatórias: Equador em casa e Paraguai fora. Com o risco de, em caso de novos tropeços (empatar é pouco, é preciso vencer), o Brasil ficar em oitavo lugar (entre dez seleções), fora até da disputa da repescagem.

Com a seleção em fase prolongada de "todo dia é um 7 a 1", não duvido de mais nada.

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