Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Fortalecimento do Coaf permite rediscutir decisões de Toffoli

Com o avanço do crime organizado, empresários pedem maior combate à lavagem

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São Paulo

A infiltração do crime organizado em 21 setores da economia levou um grupo de empresários a sugerir ao governo Lula a ampliação e o fortalecimento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Trata-se de proposta do criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, em parceria com o grupo Esfera Brasil e o Fórum Brasileiro de Segurança. A informação foi antecipada pelo Estadão.

As primeiras avaliações sobre essa iniciativa atribuem o esvaziamento do Coaf ao uso político do órgão. Remetem a decisões do ministro Dias Toffoli. Um juiz também responsabiliza o ex-PGR Augusto Aras e os "prerrogativistas" e lobistas do "pseudogarantismo penal".

Advogado Pierpaolo Cruz Bottini, ministro Dias Toffoli e ex presidente Jair Bolsonaro - Mathilde Missioneiro/Folhapress; Andressa Anholete/Divulgação/STF e Gabriela Biló /Folhapress /Divulgação/STF

Em 2018, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) emitiu nota pública manifestando "grave preocupação" quando Toffoli suspendeu investigações e ações penais baseadas em relatórios do Coaf.

"A medida pode alcançar incontável número de processos, em todo o território nacional, destinados à apuração de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e organização criminosa", sustentaram os MPs.

Em 2019, a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), então alvo de inquérito com origem em relatório do Coaf, Toffoli concedeu liminar e suspendeu todas as investigações baseadas em dados compartilhados sem autorização judicial.

Em 2021, o juiz federal Ney Bello, do TRF-1, trancou investigação sobre o advogado Frederick Wassef, ligado ao clã Bolsonaro. O tribunal considerou ilegal o RIF (Relatório de Inteligência Financeira) produzido pelo Coaf sobre transações suspeitas de Wassef.

Comentário de um membro do Ministério Público Federal: "o Relatório de Inteligência Financeira só é bom para crime que afeta os empresários e não é bom quando cometidos por eles".

Independência ameaçada

Pierpaolo Bottini, professor de direito penal da USP, é autor de textos que já alertavam, em 2019, para os riscos da transferência do Coaf, então renomeado UIF (Unidade de Inteligência Financeira), para a órbita do Banco Central.

"Se o órgão antes tinha autonomia e independência por ser constituído apenas por servidores públicos, agora é subordinado a uma autarquia e terá em seu conselho membros do setor privado", escreveu Bottini, na Folha.

"Ao rebaixar seu status institucional e submetê-la [UIF] a autarquia com atribuições distintas, o governo federal coloca em risco um mecanismo importante para o combate ao crime organizado, seguindo na contramão do mundo e de sua própria diretriz de reforçar a segurança pública", previu o advogado.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola considerou a transferência do Coaf "um movimento desnecessário e arriscado".

Segundo Loyola, "o Coaf cumpriu bem as suas funções quando subordinado ao então Ministério da Fazenda, inclusive durante o período mais crítico da Operação Lava Jato, quando poderia ter sofrido pressões indevidas derivadas de investigações sobre autoridades públicas detentoras de mandato político".

À Coluna do Estadão, Bottini afirmou que "hoje não há regra clara sobre como usar dados do Coaf, por exemplo, e muitas investigações terminam anuladas".

Oportunidade perdida

O advogado e promotor de Justiça aposentado Airton Florentino de Barros também entende que houve uso político do Coaf.

"Quando o órgão foi transferido do Ministério da Fazenda para o da Justiça, sob o comando do ex-juiz Sergio Moro, se fosse utilizado tecnicamente, o Coaf poderia desvendar, por exemplo, a participação dos banqueiros na Lava Jato."

"Vinculado administrativamente ao Banco Central que, agora com autonomia, se fortaleceu como cartório homologador da vontade da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), não tem a função que deveria ter, sobretudo num sistema que se caracteriza pelo conveniente sigilo 'legal' de todas as operações", afirma.

Segundo Barros, "quando o Judiciário é chamado a quebrar o sigilo bancário contra a vontade do BC, acaba indeferindo na maioria das vezes, com medo de represália".

O Coaf também tem informações financeiras dos juízes, lembra o advogado.

Fetiche da lavagem

O procurador da República Celso Tres, de Novo Hamburgo (RS) vê "funcionamento pleno no Coaf".

Sobre a revelação de que o órgão chegaria a receber 40 mil notícias de operações suspeitas por dia", ele desconfia do "Estado big brother, que tudo vigia na cidadania; somando aos bancos/cartões de crédito que franqueiam a Receita Federal".

"Crime organizado tem urgências muito obvias; primeira, sistema penitenciário; todas as organizações criminosas nasceram e são geridas dos presídios", lembra o procurador.

"Questões legais obvias são esquecidas; não temos tipo penal de extorsão mafiosa; sabido desde a Itália que máfias alastram-se sob este princípio. Lavagem de dinheiro tem fetiche; a legislação não distingue lavagem de acordo com a gravidade do crime", critica.

Em 2019, quando foi desmontada a Operação Greenfield, que investigava desvio dos fundos de pensão, bancos públicos e estatais, Tres disse que deveria ser reservada à Polícia Federal toda investigação, incluindo improbidade.

"Não temos capacidade (humana e material) de instruir [colher provas]", afirmou o procurador.

"Se nos embrenharmos no mar dos bilhões e trilhões de reais decantados no Coaf, nadaremos, nadaremos e sucumbiremos abraçados", previu Tres.

Inspeções em tribunais

As propostas do Esfera Brasil serão entregues ao ministro Ricardo Lewandowski, da Justiça e Segurança Pública no governo Lula.

Em dezembro de 2011, um dia antes do recesso, o então ministro do STF Lewandowski concedeu liminar e interrompeu inspeções iniciadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a partir de informações do Coaf, para examinar evolução patrimonial de magistrados e servidores em 22 tribunais.

As investigações começariam pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, do qual Lewandowski é oriundo. O então relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, não se encontrava no STF.

AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) ofereceram queixa-crime contra a então corregedora nacional, Eliana Calmon, sob a alegação de quebra ilegal de sigilo bancário e fiscal de juízes e familiares. O processo foi arquivado.

Em 2019, ao comentar a decisão de Toffoli, de requerer ao BC o acesso a todos os relatórios de inteligência financeira produzidos nos três anos anteriores, a ex-corregedora considerou a medida um "verdadeiro absurdo".

Ao comparar os dois episódios, Eliana Calmon disse estranhar o silêncio da magistratura em relação à devassa de Toffoli: "Ninguém diz nada e o Supremo avança, sem limite e sem pudor. Até onde irá? Ninguém sabe".

O ministro Luiz Fux, do STF, suspendeu parcialmente a liminar de Lewandowski. Dez pedidos de vista feitos por integrantes do CNJ interromperam o andamento de processos que já estavam prontos para ser julgados.

O Judiciário se blindou no "inquérito do fim do mundo", diz a procuradora da República aposentada Ana Lúcia Amaral. Em 2019, incomodado por reportagens da revista Crusoé sobre supostas movimentações atípicas em contas vinculadas a advogadas mulheres de ministros do STF, Toffoli instaurou, via portaria, um inquérito para apurar fake news e divulgação de mensagens que atentem contra a honra dos integrantes do tribunal.

"Escolheu o ministro Alexandre de Moraes para a tarefa. Numa típica medida de períodos de exceção, o juiz que se considera alvo de críticas conduz a ação policial e é o julgador final da causa", Ana Lúcia criticou na época.

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