Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

Castanha de caju dá uma surra no pistache

Tratamos o caju como se fosse mato, enquanto macaqueamos tendências gastronômicas dos EUA e da Europa

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São Paulo

O cheiro de caju enchia a atmosfera em alguns pontos do labirinto de caminhos de chão entre a lagoa de Jijoca e a vila de Jericoacoara, no Ceará.

Visitei muito a região quando ela ainda não havia se tornado pico de subcelebridades, influencers e pragas afins. No segundo semestre, os cajueiros ficam repletos.

O que dá dinheiro é a castanha. Para produzi-la em quantidade rentável, obtém-se muito mais polpa de caju do que aquilo que se consegue vender ou consumir.

Beneficiamento de castanha de caju em Buíque, na transição do agreste para o sertão de Pernambuco
Beneficiamento de castanha de caju em Buíque, na transição do agreste para o sertão de Pernambuco - Renato Stockler/Folhapress

Parte é aproveitada em doces, sucos e cajuína, mas um volume enorme fica largado aos passarinhos do cajual.

No Ceará, caju dá feito capim; no resto do país, apesar do preço da castanha, também o tratamos como se fosse mato.

O título desta coluna é uma evidente provocação: é bobagem proclamar a superioridade de um alimento sobre outro (embora eu realmente prefira castanha de caju a pistache).

Quis chamar atenção para o desdém do Brasil com o caju, prata da casa, enquanto os foodies deslumbrados piram o cabeção com doces à base de pistache.

Apesar do cajueiro ser nativo do Brasil, o país ocupava o oitavo lugar na lista global de produtores em 2022, segundo dados da FAO (sigla em inglês para Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

A Costa do Marfim, líder do ranking, produziu 5,5 vezes mais castanha de caju do que o Brasil. Todos os outros países nas dez primeiras posições são africanos ou asiáticos.

Devido ao desequilíbrio entre produção e demanda no Brasil, a castanha de caju é só um pouco menos cara do que o pistache – muito pouco, se levarmos em conta que vão comprar o pistache do Irã ou da Turquia.

Apesar do preço, empregamos as castanhas assaz preguiçosamente. Comemo-las de aperitivo, com cerveja ou uisquinho. Na indústria, usam-na para fazer simulacros de leite e queijos para veganos.

E na gastronomia? E na confeitaria?

Nos países em que o pistache é cultivado, ele é protagonista na doçaria. Pegue a baclava, massa folhada recheada da Turquia e Oriente Médio. Os cannoli sicilianos.

Na Sicília, aliás, pistache vira até molho pesto para macarrão.

"Ain, na Bahia fazem moqueca com maturi." Sim, usa-se a castanha na culinária tradicional (maturi é a castanha de caju verde), mas não é das tiazinhas dos rincões que eu falo.

Refiro-me aos chefs e pâtissiers deitados em berço esplêndido, esperando uma tendência internacional da gastronomia lhes cair no colo.

Trabalhar o potencial de ingredientes nativos pouquíssima gente quer. Aí chegam os gringos, se encantam com a coisa e faturam alto –enquanto nós vamos reclamar para o bispo.

Falando nisso, semana que vem estarei em Manaus para um evento espetacular: o LAC Flavors, do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Será uma feira gigante para fomentar a produção e o comércio internacional de alimentos amazônicos –de todos os oito países da Amazônia.

Há décadas espero que a cozinha amazônica se torne algo grande no Brasil. Quem sabe a gringaiada faça o que a gente não teve competência para fazer.

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