Prender por delito de opinião, ainda que em semiaberto, é retrocesso inominável
Liberdade de expressão só é perigosa quando descamba para ameaça ou põe em risco vida, integridade física ou patrimônio
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Não li e não gostei. A sentença que condena Danilo Gentili a seis meses e 28 dias de prisão, em regime inicial semiaberto, é aberração.
Não vi a ofensa proferida contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e não pretendo ver. Dizem que o humor de Danilo Gentili é horroroso, de extremo mau gosto. Eu acredito. Mas a TV aberta não vive sob o império do mau gosto?
Imagino que a juíza federal, ponderada, tenha afirmado que a liberdade de expressão é um direito fundamental, fazendo a ressalva, no entanto, de que há limites: abusos são inaceitáveis. Bobagem. Se não fosse pelos abusos, a liberdade de expressão não precisaria ser protegida.
A liberdade de expressão só é perigosa quando descamba para a ameaça ou quando põe em risco vida, integridade física ou patrimônio de alguém. Xingamentos e zombarias fazem parte do jogo, principalmente contra figuras públicas, governantes ou agentes políticos: Maria do Rosário é parlamentar, está no poder (ainda que transitoriamente no campo oposicionista) e é sustentada com recursos pagos pelo contribuinte brasileiro.
Nos julgamentos por crimes contra a honra prevalece sempre a subjetividade. Não há critério objetivo capaz de distinguir o que é lícito e o que é ilícito em matéria de opinião.
Normalmente a ideologia política é o fio condutor das decisões judiciais.
Se a mesma grosseria proferida contra a deputada petista fosse dirigida, por exemplo, pelo humorista Gregório Duvivier contra, por exemplo, a mulher de Eduardo Cunha (ridicularizada em redes sociais por gastos com cartão de crédito patrocinados pela corrupção do marido), não estaríamos mais a falar de injúria, mas de algo engraçado. Não é verdade?
A mesma juíza, provavelmente, ou outro magistrado qualquer, poderia reconhecer que no humor contra a mulher de Cunha, mesmo quando de mau gosto, o animus jocandi afasta a intenção ofensiva.
Um dos filhos ridículos do presidente ridículo Jair Bolsonaro protestou no Twitter contra a condenação de Danilo Gentili perguntando se a decisão judicial é uma piada. Se a mulher de seu pai fosse destinatária do mesmo humor, ele provavelmente estaria indignado, exigindo justiça.
Recentemente, o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) debutou no Congresso Nacional atribuindo ao ministro da Economia a condição de “tigrão” com pobres e “tchuchuca” com ricos, fazendo apologia de funk machista, vulgar e esteticamente medonho. Aposto que Maria do Rosário, assim como Lula, achou graça. Eu não achei.
Prender alguém, ainda que em regime semiaberto, por delito de opinião é um retrocesso inominável. É o que fez a ditadura militar no Brasil. Não importa se o humorista é de esquerda ou de direita, politicamente correto ou não. É o que fazem regimes autoritários, como o de Nicolás Maduro (Venezuela) ou o de Recep Tayyip Erdogan (Turquia).
A sentença judicial contra o humorista será reformada. Aparentemente, não há risco de Danilo Gentili ser encarcerado. Mas o efeito deletério da decisão se propaga como rastilho de pólvora estimulando obscurantismo e autocensura.
Luís Francisco Carvalho Filho é advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004). É colunista da Folha.
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