Pantanal sitiado
Planície alagável e biodiversa se recupera de incêndios, mas ainda preocupa
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Em 150 mil km², o Pantanal reúne quase tantas espécies de répteis quanto a Europa em 10 milhões de km². A maior planície alagável do mundo é uma arca de biodiversidade, porém sob o cerco de mudanças climáticas, agropecuária imprevidente, obras mal projetadas e negligência governamental.
O aquecimento global parece estar por trás do ressecamento contínuo do bioma, que favoreceu a hecatombe de incêndios em 2020. Um ano depois, reportagem da série Pantanal Sitiado, nesta Folha, mostrou que muito da natureza se recompôs no território, ainda que não o bastante para eliminar toda preocupação com o futuro.
A arara-azul Anodorhyncus hyacinthinus oferece bom exemplo. Na lista de espécies ameaçadas ela figura como vulnerável, categoria intermediária de risco, e 15% de sua população conhecida vive numa única fazenda de 250 km².
Em 2020, contaram-se 736 indivíduos na propriedade. Em 2021, após 92% da fazenda ser varrida pelo fogo, o censo indicou 409 —ainda assim uma surpresa para integrantes do Projeto Arara Azul, que não esperavam nenhuma e deram com várias em plena reprodução.
Jacarés morreram aos magotes, calcinados pelas chamas ou sem comida nas lagoas e baías secas. Nem por isso saiu afetada a população da onça-pintada, felino predador mais cobiçado por turistas. Acredita-se que a ação de brigadistas retardou a propagação das queimadas e lhes deu tempo para migrar.
Há, portanto, indícios de benfazeja resiliência nesse bioma que combina características de vizinhos como mata atlântica, cerrado e floresta amazônica. Falta estabelecer quanto dela se consumiu naquelas tempestades de fogo.
Caso adentre ciclo de incêndios e ressecamento, o Pantanal será apanhado em situação de vulnerabilidade. Grandes plantações nos planaltos circundantes, onde ficam as cabeceiras, favorecem erosão e assoreamento de corpos d’água, como no desastre do rio Taquari, hoje uma lâmina de água rasa.
Pavimentação de rodovias como a estadual MT-040 interrompem riachos e corixos, levando à morte de matas ciliares que servem de corredores para a fauna circular. Unidades de conservação, entre elas o Parque Encontro das Águas do governo de Mato Grosso, sobrevivem só no papel, sem equipe e verba.
O Pantanal ocupa menos de 2% do território nacional com patrimônio biológico tão frágil quanto incomparável. Governos racionais já teriam desenvolvido planos para conciliar turismo ecológico com pecuária sustentável e impor boas práticas no manejo do fogo.
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