PEC de Guedes prevê repasse de 20% da verba de privatizações a pobres, fora do teto
Fundo com recursos de estatais deve ter também uso de outros 20% para pagar precatórios fora da regra fiscal
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) preparada pelo governo para adiar o pagamento de precatórios deve prever o repasse, para famílias pobres, de 20% das verbas provenientes da privatização de estatais e venda de outros ativos. Os pagamentos não serão contabilizados no teto de gastos, regra que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação.
Segundo relato de membro do governo que participa da elaboração do texto, outros 20% serão destinados ao pagamento antecipado de precatórios que tiverem sido parcelados. Os precatórios são dívidas do governo reconhecidas pela Justiça.
O governo finalizou o texto da PEC e trabalha para apresentar a medida ao Congresso nos próximos dias, em conjunto com a MP (medida provisória) para reformular o programa Bolsa Família.
A base da PEC trará um parcelamento de precatórios. A previsão é que todos os débitos judiciais do governo acima de R$ 455 mil sejam parcelados em dez anos —15% de entrada e mais nove parcelas anuais.
Além disso, a medida vai instituir um fundo que será alimentado com recursos da privatização de estatais e da venda de ativos.
Dos recursos que chegarem ao fundo, 60% serão destinados ao abatimento da dívida pública. O restante da divisão será de 20% para pagamento de precatórios e 20% para a área social.
Hoje, os recursos de privatizações são usados integralmente para abater a dívida pública.
Todas as despesas do novo fundo ficarão fora do teto de gastos. A avaliação da equipe econômica é que a regra fiscal foi criada para evitar um crescimento descontrolado do Estado e, por isso, não seria incoerente vender estatais e usar parte da verba fora do teto para ajudar a área social.
Além disso, membros da pasta afirmam que esse chamado "dividendo social" aos mais pobres não será um gasto permanente, haverá vinculação de uma receita extraordinária a um gasto não recorrente. Por isso, não haveria contabilização no teto.
Para efetivar a regra, deve ser proposto uma exceção ao teto de gastos e um ajuste na regra de ouro, que impede o governo de se endividar para bancar despesas correntes, como salários e benefícios assistenciais.
O governo ainda deve passar por cima de uma regra da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). A norma proíbe a aplicação da receita derivada da venda de bens e direitos do patrimônio público para o financiamento de despesa corrente, como é o caso de um benefício social.
Um componente do governo argumenta, no entanto, que isso não seria um empecilho porque a LRF se submete à Constituição, que trará essa permissão expressa em caso de aprovação da PEC.
Membros da pasta afirmam, por outro lado, que a aprovação da PEC é uma forma de evitar movimentos do Congresso que possam de fato flexibilizar o teto de gastos, como por exemplo uma eventual retirada do Bolsa Família do teto.
Pelo formato do programa desenhado, os mais pobres receberão recursos adicionais sempre que o saldo final dos ativos for positivo. Por exemplo, se houver, em um ano, R$ 10 bilhões de prejuízo de estatais dependentes do Tesouro, ao mesmo tempo em que o governo arrecada R$ 15 bilhões com a venda de ativos e dividendos, esse saldo positivo de R$ 5 bilhões será destinado ao fundo. Se o resultado for negativo, não haverá essa destinação.
Esse repasse aos mais pobres, segundo fontes do governo, será feito no mesmo ano da venda dos ativos.
A ideia é que o pagamento não recorrente seja feito aos beneficiários do Bolsa Família, que será rebatizado para Auxílio Brasil para retirar a marca do PT do programa e dar fôlego eleitoral ao presidente Jair Bolsonaro. O "dividendo social" será um incremento ao benefício ordinário do programa.
Embora o presidente tenha afirmado que o benefício do novo programa poderá chegar a R$ 400, membros da equipe econômica afirmam que todo o cálculo orçamentário foi feito para que o valor médio fique entre R$ 270 e R$ 300 por família. Hoje, o patamar médio é de R$ 190.
A MP de reformulação do programa não trará os novos valores, apenas as diretrizes gerais. O programa deve ter diferentes níveis de benefícios, com variantes como um bônus para beneficiários com bom desempenho escolar ou esportivo.
De acordo com membros do governo, o tamanho do novo programa social dependerá da aprovação da PEC que adia os precatórios e cria o fundo. Sem a adoção da medida, o teto de gastos será integralmente comprometido em 2022 e não haverá espaço para o Auxílio Brasil.
Para chegar a um benefício médio de R$ 300 a estimativa é que sejam necessários entre R$ 25 e R$ 30 bilhões adicionais.
Há uma estratégia política para conseguir a aprovação da PEC. Primeiro, membros do governo pretendem argumentar que o crescimento dos precatórios foi tão forte que pode inviabilizar programas.
O gasto com o cumprimento de sentenças judiciais deve passar de R$ 55,4 bilhões neste ano para R$ 89,1 bilhões em 2022. A forte expansão compromete os planos do governo para o ano eleitoral ao pressionar o teto de gastos.
Além disso, será usado o argumento de que essa medida viabilizará o reforço de ações sociais.
De um lado, o adiamento dos precatórios abre espaço no Orçamento para turbinar o Bolsa Família. De outro, a criação do fundo viabilizaria um maior repasse de recursos a famílias pobres.
De acordo com uma fonte, esse lado social também seria uma forma de estimular o Congresso a aprovar a privatização de estatais.
No ano passado, governo e parlamentares chegaram a anunciar um plano de adiar pagamentos de precatórios para reforçar o Bolsa Família. A ideia foi engavetada após ser recebida com críticas por agentes do mercado, que consideravam a medida como uma espécie de calote.
O parcelamento de precatórios, se a PEC for aprovada na forma desejada pelo governo, deve gerar uma economia de R$ 41,5 bilhões em 2022.
Membros do Ministério da Economia afirmam que não há plano B para eventual não aprovação da PEC. Nesse caso, não seria possível ampliar o Bolsa Família.
Técnicos afirmam que a proposta de Orçamento para o ano que vem será enviado ao Congresso no fim de agosto considerando a realidade atual: sem a ampliação do Bolsa Família e com a previsão de R$ 89 bilhões em gastos com precatórios, o que o ministro de Paulo Guedes (Economia) chamou de meteoro contra o governo.
Formuladores da proposta afirmam que apenas após eventual aprovação da PEC dos precatórios será possível reformular o Orçamento de 2022, ampliando o programa social.
De acordo com a secretaria especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, a PEC implementará dois mecanismos de adiamento dos precatórios. O primeiro será provisório, com validade até 2029.
Os precatórios seriam organizados em ordem crescente, e os maiores, que fizessem com que a soma ultrapassasse 2,6% da receita líquida do governo acumulada entre julho de 2020 e junho de 2021, seriam parcelados.
Considerando esse percentual, seriam atingidos todos os precatórios com valor superior a R$ 455 mil. No total, seriam parcelados 8.771 débitos.
O segundo é permanente e prevê que todos os precatórios com valor superior a R$ 66 milhões (60 mil salários mínimos) serão parcelados, também em dez anos.
Essa medida atingiria de imediato os 47 maiores precatórios do governo federal, o que deve gerar uma economia de R$ 22,6 bilhões no próximo ano.
PEC adia precatórios e permite gasto extrateto
Fundo com recursos de estatais
Será constituído um fundo que receberá verbas provenientes da privatização de estatais e venda de outros ativos. Do total de recursos que ingressarem no fundo, 60% serão usados para abater dívida pública. Haverá ainda destinação de 20% para o pagamento de precatórios e 20% para o chamado "dividendo social", repasse direto a famílias mais pobres beneficiárias de programas sociais do governo.
Como ficam as regras fiscais?
Deve haver uma exceção ao teto de gastos, e as despesas do fundo não serão contabilizadas na norma fiscal. O governo pretende alterar a regra de ouro, que impede endividamento para custear despesas correntes. A medida ainda deve sobrepor a Constituição a uma norma da Lei de Responsabilidade fiscal, que proíbe o uso de recursos da venda de ativos para gastos correntes.
Como será o adiamento dos precatórios?
Débitos judiciais de até R$ 66 mil (60 salários mínimos) continuariam sendo pagos imediatamente.
Haveria uma regra permanente para os superprecatórios (acima de R$ 66 milhões), que seriam parcelados em até 10 anos.
Além disso, haveria uma norma transitória até 2029. Os precatórios seriam organizados em ordem crescente, e os maiores, que fizessem com que a soma ultrapassasse 2,6% da receita líquida anual também seriam parcelados. Essa regra atingiria precatórios acima de R$ 455 mil em 2022.
Qual o objetivo?
Abrir espaço no teto de gastos para turbinar o Bolsa Família em 2022 e viabilizar outras despesas (o teto de gastos impede o crescimento real das despesas do governo a cada ano).
O projeto resolve o problema da restrição fiscal?
Não, apenas joga a despesa para anos seguintes.
Qual o valor total de precatórios previsto para 2022?
Serão R$ 69,2 bi de precatórios e mais R$ 19,8 bi de requisições de pequeno valor, totalizando R$ 89,1 bi. Neste ano, a previsão é de R$ 55,4 bilhões.
Se a proposta do governo for aprovada, qual o valor postergado?
Caso a ideia vá adiante, a estimativa é que R$ 41,5 bi serão alvo do parcelamento (o equivalente a 46% do total previsto).
Receba notícias da Folha
Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber
Ativar newsletters