Nigeriana cria várias personalidades em livro de autor não binário
'Água Doce', de Akwaeke Emezi, sai pela editora Kapulana em agosto
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[SOBRE O TEXTO] O trecho nesta página faz parte de “Água Doce”, livro que a editora Kapulana lança em agosto. Na trama, a protagonista Ada se muda da Nigéria para os EUA, onde passa a desenvolver diferentes personalidades, algumas delas perigosas.
Aquela noite estava preta como tamarindo aveludado, espessa de um jeito que fazia as pessoas andarem juntas umas das outras, amontoadas em um grupo que se movia até a praça da aldeia. A Ada ouviu a música antes de chegarem à multidão pulsante. Uma por uma, as pessoas ao redor começaram a amarrar bandanas e lenços sobre o nariz e a boca antes de mergulhar na nuvem de poeira onde estavam todos dançando e se jogando na música, nos sons do ekwe e do ogene. Lisa entregou-lhe um lenço branco, o algodão caindo sobre seus dedos como a asa de uma garça. A Ada pausou na beirada, os chinelos afundando brevemente na areia pálida e pesada, e observou. A batida rápida do ekwe era alta e baixa, baixa baixa baixa, alta alta, o som forte e ensurdecedor. Lisa entrou na multidão, os olhos enrugados de riso acima da bandana vermelha enrolada no rosto. A Ada sentiu o coração cambalear com o ogene. Amarrou o lenço ao redor do rosto e os pés levantaram, arremessando-a para dentro da massa dançante. A poeira flutuava no ar, leve contra o rosto, gentilmente arranhando os olhos. Respirava na pele. Areia voejou por seus pés e a pele em suas costas comichou. Os tambores balançavam tudo, e a multidão se separou em uma pressa frenética quando os mascarados se lançaram sobre as pessoas, brandindo chicotes e rompendo o ar. A ráfia voava selvagem ao redor deles, o couro de vaca brotando como uma fonte de suas mãos. As coleiras estavam amarradas ao redor de suas cinturas e os domadoras gritavam e puxavam enquanto os mascarados açoitavam as pessoas com nítido deleite.
A música cantava comandos em uma antiga linguagem herdada. Ela adentrou nosso sono, nosso repouso inquieto; nos chamava tão claramente quanto sangue. Você já nos esqueceu? Arrepiamos. A voz era familiar, em camadas e muito, muito metal rasgando o ar. O chão tremeu. Não esquecemos nenhuma de suas promessas, nwanne anyi. O ar rachou quando nos lembramos. Era o som de nossos irmãosirmãs, os outros filhos de nossa mãe, os que não atravessaram conosco. Ndi otu. Ogbanje. Suas máscaras terrenas atravessavam os humanos e tinham o cheiro dos portões, calcário azedo. Cerimônias mascaradas convidam espíritos, dando-lhes corpos e rostos, e por isso eles estavam aqui, nos reconhecendo em meio a suas brincadeiras. O que vocês estão fazendo dentro desta menina tão pequena? A Ada levantou os braços e girou. As pessoas ao redor espalharam-se repentinamente e ela correu junto, gritando quando um mascarado se jogou em sua direção. Ele parou e levantou-se, balançando suavemente. Tinha uma cara grande da cor de ossos velhos, uma boca crua e vermelha. Estava envolto em panos roxos e equilibrava um ornamento esculpido na cabeça, pintado em cores vivas. A luz da lua se derramava sobre sua forma. Estremecemos em nosso sono, o gosto de calcário limpo passando através de nós. Irmãoirmã inclinou a cabeça e o ornamento angulou-se agudamente contra o céu escuro. Estava com raiva. Acorde!
Akwaeke Emezi é escritor de gênero não binário da Nigéria.
Tradução de Carolina Kuhn Facchin, tradutora e assistente editorial.
Ilustração de Veridiana Scarpelli, escritora e ilustradora.
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