Adélia Prado com Camões reforça cânone feminino e a rés do chão
Maior poeta brasileira em atividade, escritora mineira se equilibra entre a devoção cristã e os prazeres mundanos
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A poeta, professora e ficcionista Adélia Prado é a terceira escritora brasileira a receber o prêmio Camões, a maior premiação para autores de língua portuguesa, após Rachel de Queiroz, em 1993, e Lygia Fagundes Telles, em 2004.
O anúncio aconteceu uma semana depois de ela ter vencido outro prêmio, o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, sendo a 11ª mulher a conquistar a distinção.
O duplo reconhecimento de Prado, apesar de a história das premiações ter favorecido a literatura produzida por homens, se reflete numa reconfiguração do cenário literário e aponta para o futuro.
A consagração põe a autora, irrevogavelmente, ao lado dos maiores nomes da tradição literária, abrindo espaço para que outras autorias, tradicionalmente menos ligadas ao cânone, venham no esteio de sua influência.
Sua produção é conhecida pelo convívio entre religião e sexualidade, cotidiano e misticismo, vida conjugal e prazeres profanos. Nela, os temas mais prosaicos se conjugam a reflexões espirituais, numa linguagem que dispensa a grandiloquência da erudição e se quer rasteira, em tom de conversa, reivindicando seu lugar próprio entre as coisas, não acima delas.
A mineira nasceu em Divinópolis em 1935, cidade onde ainda mora. Escreveu poesia, ficção, dramaturgia e livros infantis. Seu primeiro livro, "Bagagem", foi publicado tardiamente, aos 40 anos de idade.
Já nesta publicação, o poema de abertura dá indícios de uma busca singular na paisagem literária, que insere o corpo feminino, a vida comum e uma outra relação com o cânone.
O poema em questão, "Com Licença Poética", é um diálogo com o "Poema de Sete Faces" de Carlos Drummond de Andrade, aquele em que um anjo torto manda o poeta "ser gauche na vida". Nessa espécie de resposta, Prado escreve: "Quando nasci um anjo esbelto,/ desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira./ Cargo muito pesado pra mulher,/ esta espécie ainda envergonhada".
Drummond foi, inclusive, um dos leitores iniciais e entusiastas de Prado, tendo escrito: "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: está à lei, não dos homens, mas de Deus".
Quem enviou a Drummond os manuscritos da poeta foi o crítico Affonso Romano de Sant’Anna. Para ele, Prado se diferenciava das correntes literárias da época, nem vanguardista nem alienada, "a danada tinha uma força estranha", como escreveu no prefácio da primeira edição de "O Coração Disparado", de 1978.
O livro venceu o Jabuti, com versos famosos como: "De vez em quando Deus me tira a poesia./ Olho pedra e vejo pedra mesmo". Ou de afiada contradição como: "A mim que desde a infância venho vindo/ como se o meu destino/ fosse o exato destino de uma estrela/ apelam incríveis coisas:/ pintar as unhas, descobrir a nuca,/ piscar os olhos, beber".
Se Prado chegou a ser lida pela crítica como um último fôlego da linhagem modernista por retomar o cotidiano, a oralidade e a comunicação com o leitor, é evidente que a poeta não parou por aí.
A vida e a obra da autora, impulsionadas por uma honestidade radical com o presente, seguem renovando sua produção e seu público leitor até os dias de hoje. Pensante, devota, crítica, amante, ambígua: Adélia Prado escreve a partir do comum para deixar um rastro de Deus.
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