Canal de Silvio Santos, em namoro com Bolsonaro, tem maior audiência em dez anos
Presidente encontrou no SBT uma vitrine para suas ideias e para popularizar imagem do governo
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Bolsonaro e Silvio Santos estão sentindo aquele frio na barriga que dá no início de todo bromance. Desde a posse, o relacionamento vem tomando forma. Mas antes das eleições eles já trocavam piscadelas.
A cerimônia para oficializar uma união estável foi em maio. Bolsonaro ocupou o centro do palco do “Programa Silvio Santos”, diante de uma plateia festiva só de mulheres.
“Ele é o Jair?”, jogava Silvio para a plateia. Vozes femininas respondiam: “Siiiiim”. “É Jair, o cantor?” “Nããããão.” “É Jair, o jogador de futebol?” “Nããããão.” “Então que Jair é ele?”, cobrava o apresentador do SBT.
“Bol-so-na-ro”, responderam pausadamente as fãs que lotavam o auditório do “Programa Silvio Santos”.
Em ritmo de festa, o apresentador pediu aplausos e, como crianças numa festa de aniversário, as mulheres começaram a bater palma. “Presidente, presidente, presidente”, elas cantavam em coro.
Silvio estava no fundo da plateia e veio vindo pelo corredor central, até encontrar Bolsonaro, que o esperava de pé. Pegou no seu braço e disse “vem mais para cá, fotografa melhor aqui nessa marca”.
O romance com a emissora que ocupa o segundo lugar no ranking de audiência ganhou volume com o passar dos meses, e o canal de Silvio apresentou familiares e apoiadores de Bolsonaro aos seus telespectadores, o que rendeu à sua empresa o apelido Sistema Bolsonaro de Televisão.
Coincide com o ânimo político da emissora um crescimento robusto de audiência. Bolsonaro não havia encontrado clima favorável na líder de público, a Globo, à qual prometera, após eleito, se vingar de uma cobertura crítica. Boicotaria a emissora tirando publicidade.
Um levantamento do UOL mostrou que A Secretaria de Comunicação do governo deu preferência à Globo em 2017 e 2018, com Temer no comando.
A emissora recebeu a maior fatia do bolo publicitário no primeiro trimestre desses dois anos —R$ 6,9 milhões (contra R$ 1,34 milhão para o SBT e R$ 1,21 milhão para a Record) no ano retrasado.
No ano passado, a Globo faturou R$ 5,93 milhões nos três primeiros meses do ano, a Record ficou com R$ 1,3 milhão, e o SBT com R$ 1,1 milhão.
Em 2019, o ranking para o primeiro trimestre mudou. Em primeiro lugar ficou a Record, com R$ 10,3 milhões. Em segundo, o SBT teve R$ 7,3 milhões. Em terceiro veio a Globo, com R$ 7,1 milhões.
A Secretaria de Comunicação contestou os valores, dizendo que parte deles foi aprovada ainda sob Temer. Segundo o órgão, a gestão atual, mesmo com as ameaças do presidente, deu mais dinheiro à Globo (R$ 1,9 milhão), seguida pelo SBT (R$ 1,4 milhão) e pela Record (R$ 1,2 milhão).
O canal de Silvio tem tido crescimento na receita líquida, de cerca de R$ 1 bilhão no ano passado, aumento de 6,4% em relação ao ano anterior.
Também fechou o ano com melhor audiência num primeiro semestre em relação a índices dos últimos 13 anos. Segundo dados da Kantar Ibope, em território nacional, acumulou 5,6 pontos de média no período, o maior incremento desde 2006. Cada ponto equivale a 694 mil pessoas.
Na Grande São Paulo, ainda considerando o primeiro semestre, o SBT marcou 6,4 pontos de média, conquistando melhor desempenho desde 2006. O ponto na região representa 201 mil indivíduos.
Não dá para dizer que Bolsonaro, sozinho, tenha puxado a audiência para cima. Sua entrevista chegou a 15,4 pontos, com 12,8 pontos de média.
Foi uma das melhores audiências do ano, mas ela não superou os 13 pontos do dia 9 de setembro conquistados no ano passado. Entre os programas da emissora que têm eventualmente chegado à
liderança de público, estão o “The Noite”, “A Praça é Nossa” e “Roda a Roda Jequiti”.
Essa expansão do público, que já vinha ocorrendo, ajuda a entender como Bolsonaro encontrou no SBT —e não na Record, também simpática a ele— sua melhor vitrine.
Foi para esse público em alta que o presidente, aos 64 anos, disse permanecer sexualmente ativo “sem aditivos”. Silvio zombou dele: “Agora o nome daquilo [Viagra] é aditivo?”.
Foi uma conversa entre compadres. Silvio explorou o cotidiano do presidente, se ele levantava cedo, se fazia exercícios, se a bolsa de colostomia usada depois da facada era “malcheirosa”.
Mas o assunto principal foi a reforma da Previdência. Silvio Santos construiu um discurso para mostrar que a pauta do governo era fundamental.
Bolsonaro concordava com a cabeça. Era o discurso que ele precisava para que o telespectador aceitasse a elevação da idade mínima e do tempo mínimo de contribuição, ainda debatidos no Congresso.
Durante a entrevista, Silvio sacou folhas com temas importantes apontados por sua produção. E ali pareceu que o presidente tinha conhecimento prévio das perguntas. Ao ler a palavra “turismo”, Silvio disse que não tinha entendido o que aquele item fazia ali. Quem ajudou o entrevistador sobre a questão foi Bolsonaro. Ele disse que a pergunta era para que ele esclarecesse que o país tem potencial para atrair estrangeiros. O SBT nega que as perguntas foram vistas pelo presidente.
A vitrine de Bolsonaro no SBT foi se desdobrando numa coleção de entrevistas com ele, além de repetidos encontros com seus filhos e apoiadores. Ainda em maio, o presidente foi entrevistado no talk show “The Noite”, de Danilo Gentili.
Em junho, a emissora recebeu Sergio Moro, o ministro da Justiça, no “Programa do Ratinho”, onde seria chamado de “herói sem capa”. Moro usou o espaço para explicar sua atuação na Lava Jato. Havia uma semana que o vazamento de mensagens pelo site The Intercept levantava dúvidas sobre a lisura do ex-juiz.
Em julho, foram os filhos de Bolsonaro, Eduardo e Flávio, que participaram do “Jogo das Três Pistas”, um quiz com perguntas definitivamente marotas naquela edição.
No centro do picadeiro, o filho 01 e o 03 tiveram de responder um sugestivo enigma, em que três pistas são lançadas e os participantes têm de adivinhar a charada.
“É branco”, disse Silvio. “É um pó”, completou.
Fazia cerca de uma semana que um militar havia sido preso por traficar 39 quilos de cocaína num avião da comitiva presidencial, na Espanha, a caminho do Japão. Para alívio dos participantes, a brincadeira termina com um terceiro dado: “Bebê usa”. A resposta era mais singela do que se pensava —talco.
As alianças entre SBT e o governo renderam, também, bastante espaço para Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan e um dos maiores apoiadores do presidente.
Além das diversas entrevistas que concedeu (a Ratinho, Gentili e Silvio), Hang foi perfilado por uma edição completa do Conexão Repórter, em que disse abertamente ser a favor da tortura como método para descobrir “algo maior”.
Hang disse que não houve ditadura no Brasil no período dos militares. As declarações não foram contestadas por Roberto Cabrini, o apresentador do programa. A Havan é uma das maiores anunciantes do SBT.
A emissora sempre priorizou, em todos os governos, uma cobertura política mais branda, mas o clima de hoje remete à bajulação dos anos 1980 e 1990. Foi no governo de João Baptista de Oliveira Figueiredo, entre 1979 e 1985, que Silvio obteve dos militares a concessão para operar o canal e inaugurou a “Semana do Presidente”, programa de um minuto custeado pelo governo que enaltecia atos do mais alto executivo da República.
A “Semana do Presidente” ficou no ar por duas décadas, passou pelos governos de José Sarney, de Fernando Collor e foi interrompido com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1995.
Um dos episódios mais memoráveis do programa exibiu o aniversário de 43 anos de Collor ao lado dos cantores sertanejos Chitãozinho e Leonardo.
Há alguns contrapontos ao bromance de Silvio e Bolsonaro, dentro do próprio SBT. Danilo Gentili, no mês passado, ironizou que seria demitido depois de investir contra Eduardo Bolsonaro e a indicação do filho do presidente à embaixada dos Estados Unidos. “Estou passando agora no RH.”
O humorista permanece nos quadros da emissora.
No Twitter, o dono das lojas Havan ainda sugeriu a Silvio que demitisse a jornalista Rachel Sheherazade, que tem adotado tom crítico ao governo nas redes sociais.
Procurado, o SBT diz que tem tradição de convidar políticos para participar de seus programas desde 1981. “O conteúdo jornalístico cabe ao jornalismo e suas respectivas editorias. Os programas em que eles [os políticos] participaram são atrações da linha de entretenimento, portanto mais informais e descontraídas”, afirma a nota da empresa.
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