Esta coluna é uma parceria da Folha com o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp).
Quando um não quer, dois não polarizam
A existência de apenas um grupo extremista não configuraria polarização pela falta de correspondência do outro lado
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Evidências somente têm sentido quando estão atreladas a alguma definição de conceito. Muitas vezes, definições amplas demais acabam prejudicando o uso das evidências para entender o sistema político. Nestas eleições, o debate sobre polarização tem sido caso exemplar dessa falta de precisão.
A preocupação se justifica; afinal, a sobrevivência das democracias supõe tolerância e entendimento comum que fundamentam a negociação pacífica de divergências esperadas entre os vários grupos sociais. No entanto, é importante especificar o que se entende por polarização, para evitar o risco de classificar como evidência da mesma qualquer tipo de divergência.
Polarização política pode ser definida como apoio crescente a posições extremistas em detrimento das posições centristas ou moderadas. Essa definição embute alguns pressupostos. O primeiro, e mais óbvio, é haver ao menos dois grupos polarizados; a existência de apenas um grupo extremista não configuraria polarização pela falta de correspondência do outro lado.
O segundo pressuposto é que as preferências dos candidatos e eleitores se distribuam em lados opostos ao longo de uma dimensão ideológica esquerda-direita. O terceiro está relacionado à medida da polarização a partir da distância do centro político.
Finalmente, os grupos polarizados devem ser grandes e representativos do eleitorado. Em suma, uma sociedade verdadeiramente polarizada teria poucos e grandes partidos, com posições extremas e em lados opostos.
A figura abaixo apresenta dois tipos clássicos de distribuição de preferências. Na linha contígua, as preferências da maioria dos eleitores se concentram em torno do centro, deixando as preferências extremistas como residuais. Essa distribuição é característica de democracias estáveis, onde as divergências postas por grupos à esquerda ou à direita do centro são negociadas pacificamente.
A linha tracejada ilustra uma sociedade polarizada, na qual o centro político se reduz e os extremos crescem. Nesse caso, o afastamento rumo aos extremos distancia os interesses dos principais grupos e dificulta a negociação das divergências.
Os cânones da ciência política mostram que eleições com apenas uma vaga em disputa tendem a se restringir aos dois candidatos mais competitivos, como tem ocorrido nas eleições presidenciais brasileiras. Ademais, as eleições deste ano apresentam dois candidatos —o atual e um ex-presidente— já bem conhecidos do eleitorado, reduzindo mais as chances dos outros participantes. Portanto, a concentração em dois candidatos não deve ser considerada como evidência de polarização.
Mas, os eleitores estão polarizados? Pesquisas nacionais feitas pela Quaest mostram que os eleitores de Lula e Bolsonaro são majoritariamente contra a legalização do aborto ou da maconha, e a favor de que o governo forneça educação e saúde, intervenha no preço dos combustíveis e combata à corrupção. Esses dados não evidenciam diferenças significativas nas posições políticas de bolsonaristas e lulistas que justifiquem a existência de polarização política.
O abismo de opiniões sobre as candidaturas parece ser de outra natureza e melhor observado a partir de quesitos associados às figuras de Lula (relação com Cuba) e Bolsonaro (facilidade para a compra de armas de fogo). Em suma, a polarização brasileira, caso exista, se limitaria aos grupos mais mobilizados em torno de seus candidatos nesta eleição.
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