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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Descrição de chapéu mudança climática

Novo livro conta como humanidade remodelou e empobreceu biodiversidade do planeta

Mesmo ilhas paradisíacas hoje têm predomínio de espécies invasoras, e frutos ficaram órfãos de animais semeadores

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Longe de mim querer estragar as férias dos leitores, mas o fato é que há algo de insidiosamente sinistro por trás da exuberância de muitas ilhas tropicais mundo afora. Das Bahamas a Fernando de Noronha, do Havaí às Galápagos, é muito comum que destinos turísticos globalizados sejam terra arrasada do ponto de vista ecológico.

Apesar da multidão de cores e dos coqueiros a balouçar, a flora e a fauna desses lugares costumam não passar de uma sombra de sua riqueza original ou de um simples catadão de espécies invasoras, com um ou outro sobrevivente nativo no meio.

Algumas dessas histórias surpreendentes e não muito animadoras são contadas com precisão e vividez em "Um Naturalista no Antropoceno", novo livro de Mauro Galetti, pesquisador do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas da Unesp de Rio Claro.

Baia dos porcos, em Fernando de Noronha - Bruno Lima - 13.mar.2018/MTUR

Ao longo dos anos, já escrevi diversas vezes sobre estudos assinados por Galetti e publicados nas principais revistas científicas do mundo; agora, com o livro, ele mostra que é possível montar o quebra-cabeças de suas descobertas pontuais para explicar como a nossa espécie se transformou numa força geológica tão potente, em certo sentido, quanto a soma de todos os vulcões da Terra ou a queda de um asteroide.

Essa é a ideia por trás do Antropoceno, a chamada "Era da Humanidade", a qual, embora tenha tido sua classificação oficial rejeitada por um comitê internacional de geólogos algum tempo atrás, ainda é uma maneira tremendamente iluminadora de entender o que tem acontecido com o mundo do século 20 para cá.

Como especialista na teia de relações que amarra as espécies de animais e plantas umas às outras, Galetti narra essa história do ponto de vista da biodiversidade. É difícil imaginar, por exemplo, que a "mata" de uma das ilhas Galápagos —à distância, com toda a cara de uma floresta tropical "natural"— na verdade é formada principalmente por goiabeiras (oriundas das Américas tropicais) e amoreiras-europeias. E isso num arquipélago do Pacífico, a quase 1.000 km de distância do continente.

O mesmo vale para Fernando de Noronha, cujas áreas de floresta hoje são dominadas por árvores da Austrália e da África. Ilhas, é verdade, por sua biodiversidade restrita e com pouca competição natural, são notoriamente vulneráveis a invasores, mas elas são apenas o caso mais extremo de uma remodelação cada vez mais onipresente dos ecossistemas da Terra, causada pela agricultura, pela pecuária e pelo comércio internacional tão caros ao Homo sapiens.

Outra história pungente é a dos frutos órfãos. Forjados pela evolução para serem deglutidos por mamíferos e aves de grande porte, os quais, mais tarde, defecariam as sementes, plantando a próxima geração de uma árvore, muitos deles hoje não têm mais semeadores. O motivo, claro, é que o primeiro impacto humano em dado ecossistema costuma ser a remoção dos bichos grandes, particularmente saborosos e que necessitam de matas pouco alteradas.

Frutos como o pequi e o cacau provavelmente são órfãos dos mamíferos gigantes da Era do Gelo sul-americana, mas até as árvores que poderiam ser semeadas por antas e porcos-do-mato agora estão ficando sem eira nem beira.

Apesar de documentar tantos escombros ecológicos, a narrativa de Galetti não tem nada de derrotista. Há inúmeros exemplos de que é possível evitar a perda da gigantesca riqueza de vida que herdamos, destaca ele. Cada espécie conta. E é preciso agir.

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