Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".
A efeméride de Finados nos caiu feito uma bigorna na cabeça neste ano
Os mortos tomaram conta das conversas, dos jornais, dos lugares, dos silêncios; vai ser difícil fingir que o dia não é deles
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Até este 2 de novembro de 2020, o Dia de Finados era muito mais uma oportunidade de aproveitar a vida do que de reverenciar a morte.
Para quem estuda ou trabalha, o 2 de novembro foi sempre a chance de um feriadão.
Dormir mais, um pulo na praia, sol no parque, uma visita, cinema, o dia com os filhos. Não se tratava de desrespeito às perdas, mas de gastar o dia dedicado aos mortos com a justa homenagem: vivendo.
Então veio o 2 de novembro de 2020, e a efeméride de Finados nos caiu feito uma bigorna na cabeça. Os mortos já não se acomodam em um cantinho da casa ou disputam espaço no pensamento, entre a lista de compras do mercado e a vaga resolução de começar uma dieta na segunda.
Eles tomaram conta das conversas, dos jornais, dos lugares, dos silêncios. Só no Brasil, mais de 160 mil mortos nos espiam neste 2 de novembro. Vai ser difícil fazer de conta que o dia não é deles.
Onde pareceu que a vida tinha vencido, uma segunda onda de mortandade acabou por fechar novamente as fronteiras e as pessoas. O toque de recolher virou rotina.
Mas e o meu Ano-Novo em Paris? Sempre teremos Cachoeiro de Itapemirim, minha filha. Lembra o conselho visionário do ministro liberal de ombreiras?
Claro que nem tudo é pessimismo. A cena dos gatos pingados de camisa da seleção queimando máscaras em uma esquina traz a esperança de que logo os ignorantes se juntarão às estatísticas. Não é desejar a morte dos outros, mas torcer para que encontrem o destino que procuram.
Neste 2 de novembro, também vale lembrar a cruzada da Presidência contra a vacina chinesa. Não se passa um dia sem que palavras soltas —que desafiam o conceito de frase, já que carecem de conexão, ordem, clareza e tudo o mais que transmite uma ideia organizada— incite a Associação dos Amigos e Moradores da Cloroquina a resistir ao inimigo vermelho.
Isso mais o projeto de desmontar o SUS. Mais o Brasil queimando. Mais o avanço da pobreza. Este é, realmente, um 2 de novembro de luxo.
Não que a gente já não conheça tudo isso dos filmes de apocalipse, mas a praxe era a coisa toda voltar ao normal em duas horas. A diferença é que os filmes apocalípticos tinham no elenco Will Smith, Bruce Willis, Alice Braga. E a realidade tem Bolsonaro.
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