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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Pangolim e meteoro

Novo vírus pandêmico virá de dispenser de álcool em gel vazio

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Desde que acabou a pandemia de Covid-19, médicos e cientistas vêm avisando: outro vírus letal virá em breve, só não sabemos de onde. Pois eu sei. A doença não surgirá de ratos ou morcegos, dos porcos, das aves ou do misteriosíssimo tatuzão chinês, o pangolim. Brotará, em breve, dos milhares de "dispensers" de álcool sem álcool que jazem espalhados pelo mundo.

Eu tenho ódio. (Medo e nojo também, mas sobretudo ódio) desses "sanitazers" do pau oco. Ou do "álcool-oco". Você chega num prédio, num restaurante, numa repartição pública, mete a mão na alavanca e pimba, tá vazio. Veja bem: se ninguém se deu ao trabalho de encher a caixinha, por que haveria de limpar a alavanca? Quer dizer: aqueles seis centímetros quadrados de plástico branco ou bege estão há dias, semanas ou meses recebendo palmas infectas de incontáveis cidadãos. Digo infectas não por desconfiar do asseio de nossos patrícios, mas porque, convenhamos, ninguém procura álcool gel depois de lavar as mãos. Você quer o álcool gel quando tá sentindo que a coisa tá feia. Daí que o dispositivo que pouco mais de um ano atrás servia à assepsia agora é um disseminador de vírus e bactérias. Uma espécie de estação Sé onde todos os microrganismos descem pra pegar a próxima linha –da mão.

Quase tanto ódio quanto a caixa de álcool sem álcool me dá a torneira automática que dá água por cinco segundos. Quando você tá com a mão toda ensaboada e vai enxaguar, a água para. O que você tem que fazer? Meter a mão de novo naquele nauseabundo círculo metálico. Mas, ao meter a mão de novo naquele nauseabundo círculo metálico, você não pode enxaguá-la, você tem que lavar a mão de novo. Afinal, é certeza que quem pressionou a torneira não veio do banho ou de um day-spa, mas do mictório ou, pior, das cabines. "Ah, é uma medida ecológica", dirá o leitor mais otimista. "É pra não gastar água à toa." Amigo, se a água limpa do mundo acabar, vai ser daqui algumas décadas. Se pegarmos cólera, meningite ou salmonela, nosso apocalipse individual será bem antes do climático.

A verdade é que quem regula a torneira pra nos oferecer cinco segundos de água não está nada preocupado com o futuro do planeta, tá de olho é na futura conta da Sabesp. Às vezes me imagino num looping sem fim nessas torneiras, ensaboando, apertando a torneira, ensaboando, apertando a torneira, ensaboando –talvez aí, sim, acabe a água do mundo.

Dos mesmos criadores da torneira de cinco segundos (por favor, leia com voz de narrador de trailer) vem aí (já veio, na verdade) a luz automática de um minuto. Você entra no banheiro e a luz acende. Aí, no meio da, digamos, função, a luz apaga. Se estou de pé diante de um mictório, começo a girar o braço esquerdo no ar, como se estivesse num porto chacoalhando um lenço, me despedindo de um ente querido indo pra guerra. Geralmente a luz acende de novo.

Já sentado na cabine é mais complicado. Muitas vezes o sensor não chega ali. Cheguei a criar com colegas roteiristas uma história de sitcom em que a pessoa na privada, desesperada no breu, conseguia enxergar um rolo de papel higiênico ao lado e o lançava em direção ao sensor. A luz acendia, revelando ao pobre coitado que aquele era o único rolo disponível na cabine. Agora vocês imaginem como ele se viraria? Pior: imaginem as consequências se, saindo dali, a torneira fosse de cinco segundos e o "dispenser" de álcool não tivesse álcool?

Eu achava mais romântica a aniquilação total através da saliva do morcego ou das fezes do pangolim ou do meteoro, mas aí vai do gosto de cada um.

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