Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
O show da realidade
Enquanto terceira via gira em falso, bolsonarismo se arma com Bíblias e revólveres
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O país anda vidrado em dois enredos. Um é de show, o outro é da realidade. No BBB, por dinheiro e fama, faz-se de tudo, sobretudo muita bobagem. Na política, também. Quem acabou no paredão da semana foi o ministro da Educação, que delegou suas funções a pastores. Do papo, que valia ouro, vazou esgoto.
O episódio exala mau cheiro e realismo político. Mostra que o governo não está morto. É operativo e está organizado para se preservar. Os três anos de bolsonarismo gestaram meios para sua continuidade.
De um lado, a sociedade conservadora se infiltrou no governo. Os grupos que apoiam o presidente assumiram a gestão de políticas, órgãos e recursos estatais. Até aí, nenhuma novidade, cada partido arrasta sua turma. A inovação é exercerem atribuições públicas a partir de critérios familistas e religiosos, na contramão da lógica universalista do estado.
A colonização do Ministério da Educação pelas igrejas é um dos ápices deste processo. Este antissecularismo substitui os cidadãos pelos grupos religiosos como a unidade de direitos. A racionalidade particularista do mundo privado, que orienta famílias, igrejas e empresas, comanda a administração bolsonarista. Trata-se da estatização de grupos de interesse tradicionalistas, que carregaram seus princípios e métodos para dentro do estado.
Na direção inversa, corre a terceirização do controle da força. Cabe ao Estado, nas democracias, desarmar seus cidadãos e exercer por eles a defesa da vida e da propriedade. O Estatuto do Desarmamento salvaguarda tais prerrogativas, bem como a capacidade do estado de manter a ordem social, desestimulando a posse de armamentos. Se todos se armarem, a convivência volta ao estilo velho oeste e a política vira bangue-bangue.
Ao longo dos anos Bolsonaro, a concessão de registros de armas para CACs (colecionares, atiradores e caçadores) tem sido volumosa. E há fila. Agora, movimentos armamentistas, como o ProArmas, movem mundos e fundos por projeto de lei que praticamente revoga o estatuto. A proposta, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça, vai além dos clubes de tiro, é passaporte para uso livre de armas.
Para legitimar a medida, aposta-se no discurso liberal. "Liberdade" é um termo chave, "direito" ao autoarmamento, outro. As redes coalham de vídeos com homens, mas também mulheres, paramentados à maneira das séries policiais, ostentando um perfil, digamos, sexy bélico. A propaganda glamouriza, mas também comove. Outra estratégia vai ao coração, com figuras de mãe e pai acuados pelo crime invocando a autodefesa da família.
Proteger família e igreja, um princípio conservador, e garantir liberdades e direitos individuais, um princípio liberal, convivem neste governo, que não liga para contradições. O foco é garantir que os "cidadãos de bem" estejam armados e a postos para defender seu presidente.
Liberar as armas significaria colocá-las nas mãos de muita gente, que, como Bolsonaro, gosta do brinquedo, mas não sabe manejá-lo. Caso de gente como Sara Winter e sua brigada. Como os trumpistas mostraram, mesmo se malsucedidos, os armados causam enorme estrago.
No período pré-eleitoral muito se investe em coligações. Mas é também quando se bolam as táticas para reagir a resultados adversos. Antipetistas estão nessa polvorosa. Mas enquanto a terceira via gira em falso, o bolsonarismo se arma com Bíblias e revólveres.
O drama de outubro está anunciado. A realidade promete dar um show.
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