Professora de sociologia da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
Assunto de mulher
Descriminalização do aborto na Colômbia lançou boia aos passageiros da avariada canoa bolsonarista
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O mês da mulher é o próximo, mas a conversa se adiantou, com a aprovação do aborto na Suprema Corte colombiana. Reação imediata, em terras locais e estrangeiras. O presidente de lá abriu a fila, rotulando o ato como "hediondo".
O daqui o secundou, agarrando uma de suas armas favoritas, a moral cristã. Pediu a Deus, via twitter, que "olhe pelas vidas inocentes das crianças", "sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães".
A Colômbia, ao reacender o aborto no debate público, lançou uma boia para os passageiros da avariada canoa bolsonarista. Com a moralidade pública escorrendo ralo abaixo, agarraram-se à moral privada como tábua de salvação.
O assessor para assuntos internacionais da presidência surfou nessa onda, impingindo imoralidades ao adversário: "a esquerda promove o aborto, a ideologia de gênero, a erotização das crianças, etc. Quem se cala sobre esses assuntos é cúmplice da destruição de nossos valores e tradições." Assim exortados, outros se perfilaram em guerra santa ao aborto.
O empenho é remontar a polarização moral que nutriu a eleição passada: os guardiões da família versus os moralmente corrompidos. O bolsonarismo, que nega vacina às crianças, chama a vida para si e desafia o contendor, que, em seus dois governos, tentou legalizar o aborto. Anseia por uma declaração adversária sobre o tema que mantenha o mar moralizador agitado, onde nada de braçada.
Nesta praia dos costumes, as sociedades racham em esquadras apaixonadas. Mesmo onde o aborto é legal, a contenda perdura. A maioria dos países democráticos reconhece a prerrogativa das mulheres sobre seus corpos, e em muitos casos, o estado assegura os meios para a interrupção segura da gravidez indesejada. Mas, em todas estas partes, há também movimentos "pela vida", demandantes da reversão das leis.
Para um lado, o aborto é um direito e um problema de saúde pública. No Brasil, clandestino e precário, mata sobretudo as negras e as mais pobres. Mas afeta mais gente. Estudo de Debora Diniz, Marcelo Medeiros e Alberto Madeiros, de 2016, mostrou que uma em cada cinco mulheres tinha feito ao menos um aborto antes de completar 40 anos. Quase metade delas precisou ser internada em seguida.
O polo moral oposto quer manter o processo de reprodução biológica sob controle da religião e da família. Neste oceano, Bolsonaro desfila de jet-ski. Sua atuação na pandemia atesta o investimento preferencial não na saúde, mas na batalha moral.
Não surpreende, pois, sua colossal reprovação entre as votantes: 61%, segundo enquete do Poder360 deste mês. De outro lado, todos os que prometem voto ao presidente que celebra a subordinação feminina, tácita ou explicitamente, concordam com ele.
É posição persistente na história nacional. O direito ao voto para brasileiras é de 1932, o divórcio passou em 1977 e o STF apenas declarou inconstitucional a tese da "legítima defesa da honra", usada nos tribunais para livrar feminicidas, no ano passado.
O assunto é areia movediça para a terceira via, que vive do meio-termo. Aí se situa a única presidenciável, que lidera a bancada feminina no Senado. Tem poucas chances de eleição, mas muitas de vocalizar agendas. Simone Tebet falaria por todas as mulheres se encaminhasse o debate sobre o aborto para longe dos moralismos, em linha com o que disse tempos atrás: "Na política, mulher tem que chegar empurrando a porta".
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