Milly Lacombe

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OpiniãoEsporte

O que fazer com uma seleção que não para de encolher?

A seleção brasileira masculina Brasil joga agora, oficialmente, como um time pequeno. Não temos muito o que debater diante de fatos. Os homens que vestem a camisa amarela atuam de forma minúscula. E, todas as vezes que esse recado é dado a eles, via torcida, via imprensa, via colegas de outros times, eles decidem mostrar como são machos e saem batendo no adversário ou dando declarações ridiculamente infantis que visam provar que são homem-macho e não levam desaforo para casa.

Essa fase da seleção brasileira, que podemos dizer que vem desde 2014, é a fase Neymar. E tudo a respeito dela espelha o craque. O teatro, a dramatização, as reclamações exageradas, o ego exacerbado, a vaidade desmedida, a falta de conjunto e de coletivo. Todos os jogadores dessa seleção têm Neymar como ídolo e imitam as coisas que ele diz e o modo como ele age passando pelos trejeitos dele ao bater penaltis. O problema é que não são tão talentosos como ele, o que talvez pudesse, quem sabe de vez em quando, fazer com que jogassem bola e ganhassem.

Mas tiremos um pouco o foco de Neymar porque, convenhamos, antes de 2014 as coisas eram igualmente ruins. As Copas de dois mil e seis e 2010 foram vergonhosas. E em 2002, se quisermos ser absolutamente honestos, temos que falar que a arbitragem foi bastante simpática àquela campanha.

Voltemos a 1994. Romário e Bebeto. Uma seleção que foi cascuda e também inteligente. Mas, quem se lembrar bem daquela Copa vai perceber que havia sinais. Sinais de um jogo mais truncado, menos brasileiro, menos criativo, menos alegre. Naquele momento o futebol acelerava rumo a ser mais negócio do que esporte - no mundo inteiro. Como sabemos, nos negócios as coisas se dividem entre vencer e fracassar. Quem não vence, é o loser. E então a CBF decidia que, para ganhar, seria preciso abdicar de nossa cultura futebolística que, a bem da verdade, havia fracassado em 1982 e 1986.

Cá estamos. A camisa amarela derrete em campo e fora dele. Recentemente, foi símbolo máximo de um golpe de estado e, depois, de uma tentativa de golpe de estado. Esteve associada aos valores da extrema-direita e é ainda bandeira do fascismo nacional.

A eliminação para o Uruguai foi um vexame completo. Uma seleção cheia de marra e de empáfia, que mais bate do que dribla, sem meio de campo, sem qualquer sinal de vida criativa. Ao final, saíram dizendo que sobrou raça. Confundir raça com brutalidade é bastante comum, e essa seleção faz isso com sobras.

Dorival é competente e vencedor, mas não vai ser ele que nos salvará desse estado miserável de coisas. Seria preciso parar tudo, recomeçar, repensar o futebol brasileiro, olhar para a formação dos atletas, pensar em políticas que evitasse a saída precoce, voltar a ser em campo o que somos culturalmente. Essa seleção representa o Brasil institucional: careta, conservador, violento, egoísta, vaidoso, infantil.

A CBF está perdida. Na busca de renovação a melhor ideia que teve foi contratar um comunicador para fazer a ligação entre o vestiário e a torcida. Fico pensando em como chegaram a essa ideia revolucionária. Para sair dessa situação a solução seria essa? Colocar mais um homem branco cis heterossexual para lidar com a relação entre elenco e torcida? Sério? É preciso uma figura midiática para levar e trazer recados entre um e outro? Para quê? Por quê?

A primeira coisa que a CBF deveria entender é quem é a torcida brasileira. A leitura do último Censo poderia ajudar. Olhem para o Brasil. Vejam que cara temos. A torcida não é o tal do Movimento Verde e Amarelo que fica seguindo esse time mundo afora. Muito pelo contrário. O Brasil é muito mais: é negro, é periférico, é dos terreiros, é das benzedeiras, é dos LGBTQs que mesmo correndo riscos amam o futebol, torcem, consomem, sofrem. É das mulheres que mesmo ridicularizadas seguem acompanhando seus times e amando um esporte que nos detesta. As coisas tendem a piorar porque sair dessa miséria levaria tempo - e tempo é tudo o que não temos nessa fase do Capitalismo. Então, provavelmente seguiremos encolhendo até, um dia, sumir.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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