O Lugar da Mulher e o Conselho de Estado
Mariana Esteves Economista
24 de junho

O Lugar da Mulher e o Conselho de Estado

Parece ridículo estarmos em 2024 e ainda termos de explicar a importância da igualdade de género. Se não for pela igualdade como valor fundamental ou pelo cumprimento da Constituição, que seja pelo exemplo que passamos às gerações futuras.

Neste país, há 50 anos, as mulheres não podiam ser juízas nem diplomatas, e estavam dependentes da autorização do marido para abrir um negócio próprio, ter conta bancária ou viajar. Hoje, somos a maioria dos diplomados (60%) e a taxa de emprego das mulheres ronda os 75,5%, cinco pontos percentuais acima da média da União Europeia. Ainda assim, em média, recebemos 12% menos que os homens, poucas chegam a cargos de liderança e continuamos a fazer mais trabalho doméstico não remunerado que os homens.

Com a tendência de maior escolarização das mulheres em relação aos homens, as diferenças de capital humano deixaram de ser suficientes para explicar a desigualdade de género no mercado de trabalho, como mostra Claudia Goldin, prémio Nobel da Economia em 2023. Segundo Goldin, atualmente, o fosso salarial entre mulheres e homens é fundamentalmente explicado pelo papel que as mulheres ocupam na economia do cuidado. Por outras palavras, quando a obrigação de cuidar de crianças ou de idosos recai predominantemente sobre as mulheres, a progressão na carreira e o acesso aos cargos mais bem remunerados ficam dificultados.

Em Portugal, 43% das pessoas acreditam que "está certo que a mulher trabalhe, mas o que a maior parte das mulheres realmente quer é um lar e filhos". Em 2020, 24% das mulheres que abdicam do seu trabalho fazem-no para cuidar de alguém dependente, em comparação com 7% dos homens. Mesmo quando não deixam de trabalhar, continuam a ter de chegar a casa e começar a segunda (ou terceira) jornada de trabalho, realizando tarefas domésticas e de cuidado. Segundo o estudo "Os Usos do Tempo de Homens e de Mulheres em Portugal", as mulheres dedicam mais 1 hora e 45 minutos que os homens nestas atividades. Quando não as fazem, contratam outras mulheres, mais pobres e racializadas, para trabalhar nas suas casas. De uma forma ou de outra, a economia de cuidado é predominantemente atribuída às mulheres.

Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas é o quinto objetivo de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. Para atingir este objetivo até 2030, é central garantir a participação plena e efetiva das mulheres em todas as esferas da vida e combater a sua relegação para a esfera privada. Um dos indicadores utilizados para medir o cumprimento deste objetivo é a proporção de assentos parlamentares detidos por mulheres e a proporção de mulheres em cargos de chefia. Em Portugal, apesar da evolução nos últimos anos, graças à Lei da Paridade, as mulheres representam pouco mais de um terço dos deputados na Assembleia da República. Nos cargos de liderança nas empresas, são apenas 27%. No comentário político, em rádio, televisão e online, ocupam 28% dos espaços de opinião.

Esta semana perdeu-se mais uma oportunidade para mudar esta realidade. Com a nova Assembleia da República (AR) eleita, eram necessários cinco nomes para integrar o Conselho de Estado (CE). A lista única apresentada pelos partidos com maior representação na AR incluía nada mais nada menos do que zero mulheres. O PSD apresentou Francisco Pinto Balsemão e Carlos Moedas, o PS indicou Pedro Nuno Santos e Carlos César, e o Chega, André Ventura. Estes cinco juntam-se aos restantes 13 conselheiros de Estado, onde apenas 4 são mulheres: uma nomeada por inerência, a Provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral, e as restantes três, Leonor Beleza, Lídia Jorge e Joana Carneiro, nomeadas pelo Presidente da República (PR). Assim, o PR reúne-se e aconselha-se para tomar decisões que afetam a vida de toda a população, com um grupo muito pouco representativo da população geral. E esta sub-representação não se limita ao género, já que a idade média está muito acima dos 60 anos e, como se sabe, temos um total de zero pessoas não brancas.

Parece ridículo estarmos em 2024 e ainda termos de explicar a importância da igualdade de género. Se não for pela igualdade como valor fundamental ou pelo cumprimento da Constituição, que seja pelo exemplo que passamos às gerações futuras. Se só sonhamos com o que conseguimos ver, temos de nos ver em todo o lado.

Ouça o episódio desta semana do Mão Vísivel:

Ouvir:
A carregar o podcast ...

Mais crónicas do autor
29 de julho

Armas de destruição matemática ou como a Inteligência Artificial pode matar

Se queremos deixar de ter armas de destruição matemática e passar a ter instrumentos de salvação da humanidade, está na hora de perceber o poder da ciência de dados e da inteligência artificial e não deixar o feitiço virar-se contra o feiticeiro.

22 de julho

O movimento popular contra o Alojamento Local

Em Portugal, a habitação é a terceira maior preocupação, depois do aumento do custo de vida e da saúde, segundo o Eurobarómetro.

15 de julho

A economia, estúpido!

Ao longo do tempo que vou estudando economia e acompanhando a vida pública, cada vez mais concluo que o bem-estar económico e material da população determina vivamente os resultados eleitorais.

08 de julho

Como taxar os ricos

Segundo o Relatório sobre a Evasão Fiscal Global 2024, os países da União Europeia são os que mais perdem com o desvio de dinheiro para paraísos fiscais. Aproveitando a concorrência fiscal entre países, esta é uma forma relativamente simples e rápida de atrair capital estrangeiro e aumentar a receita fiscal de um país.

01 de julho

O PCJC (Processo de Corrosão da Justiça em Curso)

A violação do segredo de justiça alimenta uma constante mediatização, que leva a julgamentos populares e ao sentimento que "na política são todos uns gatunos". Pior que este sentimento é a sua normal e perigosa conclusão "de que o era preciso era alguém que limpasse isto tudo".

Mostrar mais crónicas