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Jon Bon Jovi: “Uma das cordas vocais estava a atrofiar-se e desafinava a cantar”

Com 62 anos, o músico norte-americano conta como quase perdeu a voz e que não tem medo de envelhecer. A dedicação ao projeto comunitário que criou é uma das suas prioridades.

A famosa banda poderia ter-se chamado Johnny Electric, mas optaram por usar o sobrenome do vocalista e adaptar a grafia. Bongiovi tornou-se Bon Jovi que conhecemos hoje – a banda que vendeu mais de 130 milhões de discos e que marcou os anos 80. De origem italiana, John Francis Bongiovi Jr. formou a sua primeira banda aos 16 anos, e foi ao lado do guitarrista Richie Sambora que criou a mítica banda de Livin’ on a Prayer. Com novo álbum e um documentário Thank You, Goodnight: A História de Bon Jovi, o cantor parece longe da reforma.

Jon Bon Jovi criou a JBJ Soul Kitchen, restaurante para pessoas na 
pobreza, que já serviu mais de 190 mil refeições d.r.

Este álbum é um marco na sua carreira?
É o melhor que fiz nos últimos 20 anos. É um retorno à alegria. Muita coisa aconteceu na última década. This House Is Not For Sale, de 2016, foi um disco fantástico de rock e uma tomada de posição, mas não necessariamente um disco feliz. Por isso, este Forever, tendo em conta tudo por que passei, a minha operação à garganta e a forma como superei isso, é um retorno à alegria. Compor, gravar, foi tudo um prazer.

O poema de Kiss The Bride [pode beijar a noiva] tem a ver com o casamento da sua filha e de dois filhos este ano?
É verdade. Nesta altura, tenho fraques no armário lá de casa para venda com desconto [risos]. Há mais de 20 anos, para o álbum Crush, lançado em 2000, tinha escrito uma canção intitulada I Got The Girl que tinha estes versos: “A Rainha de Copas será sempre uma princesa de cinco anos para mim.” Agora ela tem 30 e casou-se. Portanto, lá estou eu a compor para a minha menina.

Além disso essas canções parecem ser uma orientação com conselhos práticos em termos de empatia, amor e otimismo. É um apelo para gozar o que o mundo nos oferece e que tanta gente ignora?
Penso que sim. Tive uma vida intensa nos últimos 10 anos e conhecemo-nos um ao outro há tempo suficiente para que perceba como em cada momento desta jornada, em diferentes capítulos da vida, se presta mais atenção a diferentes coisas. Se, em certa altura, estamos concentrados em romper com o meio de negócios da música, aos 60 anos já teremos outras prioridades. As prioridades vão-se alterando. Este disco é, assim, acerca dessas avaliações e observações e, como gosto de dizer, um simples retorno à alegria.

Precisamos de algum otimismo depois de Trump e da Covid-19, não é verdade?
Talvez. Descobri com os anos que, em muitos casos, quando se compõem canções sinceras as pessoas agarram-se a elas e adotam as suas letras. Sabe, na letra de It’s My Life (2000) escrevi: “Frankie disse: ‘fiz as coisas à minha maneira’”, numa referência a Frank Sinatra. Assim que o disco saiu os fãs disseram: “Não, Frankie é meu amigo. Frankie é a minha vida.” É por isso que os anos passam, lançam-se discos, e para as pessoas It’s My Life é uma canção muito pessoal muito sua.

My First Guitar [a minha primeira guitarra], de 2024, é, no entanto, sem tirar nem pôr, uma canção muito sua. Quando é que vendeu a guitarra e porquê?
Foi por volta de 1979. Tinha uma imitação japonesa de uma Stratocaster fabricada pela Univox. Era uma guitarra elétrica de 100 dólares e foi a minha primeira. Queria juntar dinheiro para comprar uma Fender e vendia-a por 100 dólares a um rapaz do meu bairro. Lembrava-me dele, mas nunca mais o vi. Teria agora uns 50 e picos anos e tinha ficado na nossa cidade natal de Perth Amboy. Foi polícia, tinha-se reformado há pouco tempo e ia mudar-se, quando um voluntário da Soul Kitchen [o restaurante comunitário da Jon Bon Jovi Soul Foundation] veio ter comigo a dizer que o conhecia. Disse-me: “Até me lembro como se chama e tem a sua guitarra.” “Será que ele aceita vender-ma de volta?”, pensei. Ele foi muito simpático quando me encontrei com ele e com os filhos, dei-lhe outra guitarra em troca e mais uns dólares. Foi assim que reavi a minha primeira guitarra.

Só soube recentemente do problema de saúde que teve e da operação a que se submeteu às cordas vocais em 2022. Em que medida isso afetou a gravação deste disco?
Estou em recuperação. Quando comecei a ter problemas, há cerca de nove anos, não me apercebi do que se tratava e há dois anos tentei dar uns espetáculos… Pensei que se desse uns espetáculos a coisa passava. Tentei montes de coisas, mas a voz não me soava bem e não conseguia perceber porquê. Para abreviar foi assim: fiz 15 concertos para o lançamento do álbum 2020 e não fiquei satisfeito. Por fim, acabei por encontrar o médico certo que me explicou o se passava. Afinal, uma das minhas cordas vocais estava literalmente a atrofiar-se. Uma das cordas mantinha-se espessa, resistente, e esmagava a outra que encolhia como se estivesse a morrer. Por isso desafinava a cantar e a voz soava-me mal sem conseguir perceber porquê. A operação consistiu em inserir um enxerto para levar a prega atrofiada a acompanhar os movimentos das cordas normais de modo a recuperar plenamente as funções. Há dois anos que faço exercícios de reabilitação.

Foi uma operação arriscada?
Bem, não foi uma questão de vida ou de morte, mas tratava-se antes de saber se iria ou não ficar melhor. Outra coisa de que gostei no cirurgião foi não me ter prometido nada. Disse-me: “Se o operar e se esforçar vai ficar melhor. Não lhe prometo nada.” Ao que lhe respondi: “Não tenho nada a perder.” Caso contrário só me restava abandonar os palcos.

Como é que sabe se já é capaz de voltar a dar concertos?
Ainda não estou preparado para uma digressão e faço exercícios de reabilitação pelo menos quatro vezes por semana. Ensaiamos todos os meses, avalio os progressos e, como se pode ouvir neste disco, consigo cantar. Falta agora saber se consigo cantar duas horas e meia, quatro noites por semana.

Como é que se vê a si próprio na atual cena musical global? É um dinossauro, um sobrevivente ou um senador?
Um pouco de cada. Gravo discos há 40 anos. É muito tempo e para não andar a falar de listas nostálgicas, de Os Maiores Êxitos Vol. 6, lancei um álbum novinho em folha que acredito ser o melhor que fiz nos últimos 20 anos. Portanto, sou ainda um contemporâneo. A canção Legendary é um êxito, vai seguir-se Living Proof, e há algumas outras no disco que vão ter igualmente sucesso. Em conclusão, somos velhos, é verdade, mas temos canções de sucesso.

Isso não leva a pensar na maneira como iniciou a carreira?
Vinha de uma loja de discos, onde tinha ido autografar uns pósteres para oferta antes do lançamento do disco e vi lá três bandas que iam atuar nessa noite para uma centena de pessoas. Estavam a afinar as guitarras, a tocar a bateria, e fiquei entusiasmado ao ver essas bandas rock. São tempos bem diferentes. Agora, podem contar com o estímulo da Internet de que não dispúnhamos. Foram os anos de prospeção, em busca de ouro, da indústria discográfica.

Nestes últimos 30 anos ainda não descobrimos o próximo ou o novo Kurt Cobain?
Bem, talvez não, mas está em curso o movimento Americana e tenho ouvido uma banda nova como Inhaler e estou em crer que a banda do filho do Bono tem futuro. Quando oiço Noah Kahan ou Zach Bryan e uma miúda como Olivia Rodrigo no rock e na pop também os acho muito bons. A música vai bem e recomenda-se e a Internet vai abrir caminho ao próximo Kurt Cobain porque não terá de se preocupar com formatos ou com a rádio. Bob Dylan com aquela voz rouca pode ouvir-se pela Internet e não tem de ir à BBC 1 para conseguir um êxito de vendas. Pode tornar-se viral, se quisermos.

Parece que os seus cabelos brancos são agora uma medalha de honra?
Nem mais, nem menos! [Risos] É o meu cabelo, todinho! Mas sabe uma coisa? Digo a brincar que ganhei estes cabelos bancos.

Há muita gente que tenta escondê-los e pinta o cabelo.
Pois, e ficam a parecer diferentes. Mas o meu cabelo grisalho é uma medalha de honra.

Os restaurantes comunitários que gere são uma retribuição?
Sim. A Fundação funciona muito bem e estamos a celebrar o nosso 20º aniversário. Temos quatro Soul Kitchens e construímos, igualmente, mil residências de baixo custo.

Qual é a importância de fundações desse género na atualidade e até que ponto o auxílio contribui para ultrapassar divisões e ódios?
Comida é comida e une as pessoas. Não importa se és jovem ou velho, branco ou negro, republicano ou democrata, porque partilhar o pão é uma oportunidade para conversar e o diálogo pode levar à colaboração que contribui para uma melhor compreensão do próximo. Não é nenhuma novidade. Quando começamos a construir as residências de baixo custo todos reagiram bem, mas quando a Dorothea [mulher de Bon Jovi desde 1989] sugeriu o conceito de restaurantes comunitários houve uma reação de surpresa porque era novidade. As pessoas ficaram mais perplexas ainda quando lhes explicámos que nas universidades ainda era pior. Era como se lhe estivéssemos a dizer que tínhamos acabado de inventar a eletricidade. “Então, mando o rapaz para a universidade e não tem lá onde comer?” E respondíamos: “Pense bem. Não é lá muito convidativo ter de comer um copo de massa instantânea e outro e mais outro. Pense nos jovens com falta de dinheiro, sem trabalhos ocasionais. Não têm que chegue para as despesas extras e os pais não têm como lhes mandar dinheiro.” Por isso, quando abrimos os restaurantes em instalações universitárias fomos à universidade do estado de Nova Jérsia, a Rutgers, e lançámos um apelo: “Acolham este projeto. Ponham a vossa despensa ao serviço de uma boa causa.” A chanceler deu luz verde à iniciativa, travou conhecimento com alunos que passavam fome na sua universidade e nem queria acreditar que isso acontecesse. Agora, temos quatro restaurantes comunitários universitários.

Quem vai apoiar nas próximas eleições presidenciais?
Vou votar no presidente Biden, mas estamos a passar por tempos difíceis nos EUA e é uma eleição de vulto, uma eleição muito importante.

Admite entrar na política?
Não. Não tenho os conhecimentos necessários para sequer considerar essa possibilidade e creio que sirvo melhor a comunidade com a minha atividade filantrópica.

A famosa banda poderia ter-se chamado Johnny Electric, mas optaram por usar o sobrenome do vocalista e adaptar a grafia. Bongiovi tornou-se Bon Jovi que conhecemos hoje – a banda que vendeu mais de 130 milhões de discos e que marcou os anos 80. De origem italiana, John Francis Bongiovi Jr. formou a sua primeira banda aos 16 anos, e foi ao lado do guitarrista Richie Sambora que criou a mítica banda de Livin’ on a Prayer. Com novo álbum e um documentário Thank You, Goodnight: A História de Bon Jovi, o cantor parece longe da reforma.

Este álbum é um marco na sua carreira?
É o melhor que fiz nos últimos 20 anos. É um retorno à alegria. Muita coisa aconteceu na última década. This House Is Not For Sale, de 2016, foi um disco fantástico de rock e uma tomada de posição, mas não necessariamente um disco feliz. Por isso, este Forever, tendo em conta tudo por que passei, a minha operação à garganta e a forma como superei isso, é um retorno à alegria. Compor, gravar, foi tudo um prazer.

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