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Fifó vive no Bairro Padre Cruz e não esconde orgulho nas raízes: «Este meio dá-nos muita bagagem»

Craque do Benfica e da Seleção de futsal usou, à semelhança de Emídio Rafael e Joaquim Gomes, os ensinamentos das ruas para singrar no desporto

• Foto: Instagram/Fifó

Os bairros sociais não são apenas grafitis nas paredes, carros ‘artilhados’ e olhares desconfiados. Há também muito talento que resiste a maus chamamentos para caminhar à margem das encruzilhadas do crime, mostrando assim que não é o código postal que, por si só, define o destino de cada um. O desígnio de unidade territorial e espírito de vida coletivo também brota em exemplos de perseverança, inconformismo e sucesso. Olhemos para o Padre Cruz, maior bairro social da Europa que recebe o arranque desta jornada especial que é o Bora Mexer. De lá já saíram nomes que chegaram ao mais alto patamar mediático do desporto português e que agora vestem a pele de embaixadores deste ‘cantinho’ de Carnide, como são os casos de Emídio Rafael, Joaquim Gomes e Ana Sofia Gonçalves, conhecida no mundo do futsal por Fifó.

Na primeira pessoa, a Record, contam de que forma as raízes influenciaram positivamente as respetivas carreiras.

Fifó, futsalista do Benfica e da Seleção Nacional

"O facto de ter crescido no Bairro influenciou-me em muita coisa. O facto de termos que lidar com este meio faz-nos crescer mais rapidamente e desenvolver em muitos aspetos. Fez-me uma pessoa mais madura. Os bairros são sempre vistos da pior maneira, mas a verdade é que existem bons e maus exemplos, como em todo o lado. O bairro fez de mim uma criança muito feliz e sinto-me privilegiada por isso.

Ainda vivo no bairro com os meus pais. Tenho muitos amigos e família no bairro. Gosto muito de viver lá e de sentir todo este ambiente à minha volta. É um ambiente muito familiar. Quando não estamos tão bem, há sempre alguém que nos estende a mão. Perceber que o bairro está cada vez mais desenvolvido é muito gratificante.

O conselho que posso dar às crianças e aos jovens que crescem no Bairro Padre Cruz é que sejam felizes, que aproveitem muito bem a juventude e o desenvolvimento. O bairro tem muito para dar, dá uma bagagem diferente. Que acreditem os seus sonhos, que lutem e tentem sempre pensar positivo para seguirem os bons exemplos. É isso que fará a diferença no percurso."

Emídio Rafael, ex-futebolista

"Nestes bairros sociais, a criminalidade está ao virar da esquina. A implementação destes projectos permite aos jovens olharem para o desporto como uma alternativa viável. O facto de existirem casos de sucessos, em várias modalidades, também funciona como uma forte motivação. Passa a mensagem que, mesmo vindo de baixo, é possível chegar ao topo.

Humildade, é fundamental. Aquele espírito de guerreiro. Aconteceu muito ao longo da carreira e da minha formação, havia jogadores com muita qualidade, mas que não tinham aquela vontade, raça, aquele dobrar de língua. Esse tipo de jogadores são fundamentais nas equipas. Um balneário não é feito só de maestros. Quem vem de baixo encara as coisas de outra forma porque tem que trepar até cima. Não há uma mão por baixo para empurrar. A própria família e amigos também incutem isso. Nota-se nitidamente quem vem de baixo. O bairro está diferente. Antes existiam muitas barracas. Com o tempo foram demolindo as barracas. As casas onde eu nasci já não existem.

Havia treinadores que diziam ‘este gajo tem grande qualidade, excelente pé esquerdo, mas falta-lhe nervo. Aquele ali não tem tanta qualidade, mas mete a cabeça em todo o lado. Vai com tudo’. Às vezes jogava o que tinha menos qualidade por causa disso. O Renato Sanches, por exemplo, o que é que vemos dele? É sempre a andar. Joga com um ritmo muito alto. Quando chegou ao Benfica era uma máquina. Uma pessoa que vem do bairro tem que correr mais, tem que mostrar mais.

Senti um olhar de desconfiança na formação. É natural. Eu fiz a formação no Sporting. Na altura, era pessoal de fato e gravata, havia os meninos dos papás. Aí notava-se, mas depois o que interessa é dentro de campo. Não há hipótese. Eu vi muitos Ronaldos e Quaresmas na formação, muitos mesmo, mas não chegaram lá porque faltava aquele bocadinho. Os suplentes de alguns até chegaram mais longe porque, a certa altura, perceberam que era preciso dar tudo."

Joaquim Gomes, ex-ciclista

"Este tipo de iniciativas é fundamental. Ainda por cima nestes bairros, em que somos confrontados com notícias más. Entendendo o desporto como uma das mais ágeis ferramentas em promover bons hábitos de cidadania junto da nossa juventude, só posso achar esta ação fantástica.

Vir de um contexto de alguma dificuldade pode ser uma boa base para ter melhores ferramentas para lidar com modalidades com grande grau de exigência. No ciclismo, olhando para o século passado, os grandes corredores eram oriundos do interior, tiveram infâncias difíceis. Muitos trabalhavam no campo e tinham a paixão pela bicicleta. Criavam condições e adquiriam a primeira bicicleta."


Por Daniel Lopes Monteiro
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