CR7 e o problema de ser maior que Portugal

A Nokia nasceu num pequeno país periférico, alcançou o mundo e tornou-se maior que a Finlândia. Tal como Cristiano Ronaldo, em relação a Portugal.

Ouça este artigo
00:00
04:13

Na ressaca da derrota de Portugal no Euro 2024, e observando a prestação de Cristiano Ronaldo na seleção, não consigo deixar de o associar ao fenómeno Nokia na Finlândia.

No início da década de 1990, a Nokia, uma empresa então conhecida pelo fabrico de pneus, estava prestes a transformar-se numa gigante global do setor de telecomunicações. Esta mudança estratégica, suportada pelo pioneirismo do sistema Nordic Mobile Telephone, posicionou a Nokia na vanguarda da revolução das comunicações móveis. Nos anos 2000, a Nokia estava no auge, um caso de estudo de liderança visionária, inovação, e excelência estratégica. Dominava o mercado global de telemóveis com uma quota superior a 40%. Um monstro comercial e logístico. O sucesso da Nokia era fonte de orgulho nacional. A empresa que antes se deixava timidamente confundir com uma marca japonesa era agora ostensivamente reivindicada como uma marca Finlandesa. A empresa que nasceu num pequeno país periférico alcançou o mundo e tornou-se maior que a Finlândia. Tal como Cristiano Ronaldo em relação a Portugal.

Cristiano Ronaldo é o melhor jogador da história do futebol mundial. Um atleta de excelência e um exemplo de disciplina profissional. Os seus números são impressionantes, quer no campo desportivo quer no âmbito social. Quase mil golos marcados e um sem número de recordes batidos fazem dele um monstro do futebol. Cerca de 800 milhões de seguidores nas redes sociais transformam-no num ícone global. Julgo não haver nenhum de nós que, quando diz ser português, no estrangeiro, não ouça "Cristiano Ronaldo" nas primeiras palavras do interlocutor. O jovem nascido numa ilha de um país periférico, com um nome timidamente a lembrar outro gigante brasileiro do futebol, coloca bem alto o nome de Portugal nos cantos mais recônditos do mundo. Cristiano Ronaldo tornou-se maior que o seu país. E isto é um problema.

A Nokia já não é mais a empresa-bandeira da Finlândia. O país que outrora prosperou atrelado ao sucesso global da Nokia acabou por se ressentir do declínio da empresa. O tempo em que a Nokia se confundia com o Estado finlandês, ora influenciando políticas públicas ora acatando propostas de criação de emprego qualificado em áreas remotas do país, deu lugar a um período de crise conjunta. As boas decisões estratégicas logo se tornaram nas piores decisões possíveis. A mais conhecida é a recusa da Nokia em migrar o seu sistema operativo para Android em 2010. Em 2015, passados 20 anos do seu primeiro sucesso comercial, a Nokia deixou de ser finlandesa.

O Euro 2024 marcou 20 anos de carreira do Cristiano Ronaldo em campeonatos europeus. Nas duas legiões de pró e anti-CR7 encontram-se argumentos de toda a espécie quando a discussão é o seu desempenho na seleção nacional. Não é aqui intenção colocarmo-nos em qualquer destes dois lados, mas a realidade é uma só: Portugal já não está no Europeu. Também não é aqui intenção assacar responsabilidades e consequências das boas ou más decisões do jogador e do treinador, mas não se deve confundir o jogador com a seleção. No final do jogo, o que conta para o resultado é o desempenho dos jogadores, e não o que eles representam.

Hoje, a Finlândia é um dos maiores e melhores ecossistemas de tecnologia da Europa e do mundo. Esse sucesso em muito se deve à rede empresarial global criada pela Nokia. Muitos dos seus funcionários fundaram empresas de tecnologia que hoje são referências mundiais de qualidade tecnológica. Nenhuma destas empresas alcança a dimensão que a Nokia alcançou. Nenhuma destas empresas é maior que a Finlândia.

Hoje, a notoriedade mundial do CR7 mantém-se avassaladora. E todos desejamos que a qualidade do futebol português sobreviva a Cristiano Ronaldo. Há muitos jogadores talentosos na nossa seleção, no nosso país, e por esse mundo afora. Nenhum deles tem a notoriedade nem os recordes do CR7. Nenhum deles é maior que Portugal. No entanto, o seu conjunto pode fazer de Portugal o melhor ecossistema de sempre do futebol mundial. E o Cristiano Ronaldo não pode ficar fora desta ambição. Talvez não o jogador, decididamente sim o português enorme que ele é.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico