Famílias numerosas: diferenças no preço da água entre municípios podem chegar aos 1500 euros anuais

Uma família de 10 pessoas em Lajes das Flores paga 54 euros de água por ano, mas quase 1600 em concelhos como Tábua. Associação fala de discriminação cada vez mais acentuada das famílias numerosas.

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De acordo com o estudo, entre municípios do mesmo distrito também se verificam "enormes discrepâncias" nos preços pagos pelas famílias numerosas para o mesmo consumo Rui Gaudêncio
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As diferenças de preço nos serviços de água, saneamento e resíduos entre os 308 municípios portugueses, no caso de uma família de 10 pessoas, ascendem a 1500 euros por ano para o mesmo consumo, segundo um estudo divulgado esta quinta-feira, 4 de Julho.

Promovido pela Associação Portuguesa das Famílias Numerosas (APFN), o Estudo dos Serviços Básicos resulta da análise dos tarifários de abastecimento de água, saneamento e resíduos, praticados à data de 31 de Outubro de 2023 em todos os municípios portugueses, concluindo que "existe uma grande falta de igualdade no preço destes serviços".

Em declarações à agência Lusa, a responsável pelo estudo, Filipa Baker, sublinhou que há "uma grande injustiça em termos de preços" cobrados por estes três serviços básicos em Portugal, explicando que a análise é feita "em dois prismas": a dimensão familiar e os tarifários dos 308 municípios portugueses.

"Famílias maiores, no geral, acabam por pagar por metro cúbico de consumo um valor mais elevado do que se vivessem numa família mais pequena", afirmou Filipa Baker, referindo que a maioria dos tarifários de abastecimento de água é escalonada de forma a penalizar o desperdício, mas sem ter em conta o número de pessoas do agregado familiar, "penalizando fortemente as famílias numerosas".

No abastecimento de água, que é o serviço "mais oneroso para as famílias", as diferenças nacionais no total da factura anual podem ascender a 1500 euros para o mesmo consumo, "por exemplo, se uma família de 10 pessoas viver em Lajes das Flores, nos Açores, paga 53,52 euros por ano, mas se residir em Tábua, Santa Comba Dão ou Mortágua o valor fixa-se em 1596,67 euros por ano".

Relativamente ao saneamento, a discrepância de preço está "próxima dos 1000 euros", comparando o caso de uma família de 10 pessoas a viver em Mortágua (40,22 euros anuais) com o de uma que viva na Covilhã (1027,31 euros por ano). Quanto ao serviço de resíduos sólidos, o estudo da APFN identificou uma diferença de 400 euros anuais para o mesmo consumo, no caso de uma família de 10 pessoas: em Sever do Vouga paga 17,20 euros por ano, enquanto em Tavira paga 423,75 euros.

De acordo com o estudo, entre municípios do mesmo distrito também se verificam "enormes discrepâncias", nomeadamente no Porto, no caso de uma família de 10 elementos, na factura anual referente à componente variável. No abastecimento de água, se viver em Lousada, paga 128 euros, mas em Valongo paga 1185 euros. No saneamento pode variar entre 97 euros em Matosinhos e 703 euros em Gondomar. E nos resíduos pode beneficiar de tarifa variável nula em Paredes ou no Marco de Canaveses, enquanto na Maia paga 296 euros.

Em relação à composição familiar, o estudo revela que "Gondomar é um dos municípios portugueses mais discriminatórios nos serviços de abastecimento de água e saneamento", porque uma pessoa que viva numa família de sete pessoas paga mensalmente pela componente variável do abastecimento de água 3,2 vezes mais e pelo saneamento 2,9 vezes mais do que se viver sozinho.

Também no distrito do Porto, a Póvoa de Varzim é dos municípios portugueses "mais justos relativamente à dimensão familiar", uma vez que um casal com seis filhos paga, por cada membro, o mesmo pelo abastecimento de água, saneamento e resíduos (tarifa variável) do que uma pessoa a viver sozinha.

"Muitas vezes, na maioria dos casos, o tamanho da família que habita na casa não é considerado" nos tarifários, sobretudo no abastecimento de água e saneamento, o que prejudica as famílias numerosas, afirmou a responsável pelo Estudo dos Serviços Básicos, defendendo que a penalização do desperdício pode ser feita "considerando um consumo fixo por pessoa e não por família", com a aplicação do padrão mensal de consumo internacional de água de 3,6 metros cúbicos por pessoa a todos os agregados.

Filipa Baker referiu ainda que os actuais tarifários estão construídos para penalizar o desperdício em famílias de tamanho médio, com três pessoas, mas o país, "infelizmente, cada vez tem famílias mais pequenas e mais pessoas a viverem isoladas", sendo que o conceito de família numerosa tem sido aplicado a partir de cinco elementos.

Neste âmbito, a APFN defende a implementação de tarifários familiares — 234 municípios já têm no abastecimento de água, 212 no saneamento e 54 nos resíduos —, para corrigir a "injustiça" em termos de valores cobrados, e a redução das disparidades acentuadas no preço base destes serviços básicos, no sentido de "igualar a situação ao nível do país", apesar de existirem "muitos condicionalismos geográficos".