Parece quase consensual por estes dias que a inteligência artificial vai catapultar a economia para um novo patamar de produtividade e ganhos. Muita da discussão tem sido feita com base nesse pressuposto e em torno da questão de como os ganhos vão acabar distribuídos.

Mas o conceituado economista Daron Acemoglu publicou agora um artigo em que argumenta que os ganhos podem não ser assim tão significativos. 

É uma útil postura de dissenso vinda de alguém cuja reputação lhe permite ir contra a corrente. Acemoglu é professor no MIT e co-autor do influente Porque Falham as Nações. Há pouco tempo, foi entrevistado pelo meu colega Pedro Rios a propósito de um livro mais recente, Poder e Progresso – A Nossa Luta Milenar pela Tecnologia e Prosperidade, que se debruça sobre as consequências da automação. A escrita de Poder e Progresso terminou no Verão de 2022, meses antes do lançamento público do ChatGPT e de o entusiasmo pela inteligência artificial ter ganhado forma.

O artigo tem como título The Simple Macroeconomics of AI (A macroeconomia simples da IA), o que talvez seja uma tentativa de humor face às 58 intrincadas páginas do trabalho. Não se vai fingir nesta newsletter perceber as fórmulas que sustentam as ideias de Acemoglu; mas o autor discorre o suficiente em inglês corrente para que o trabalho seja perceptível para leigos.

Começa por detalhar que os ganhos de produtividade fomentados por tecnologias de inteligência artificial podem vir de quatro "canais":

  • Automação de tarefas, sendo estas as tarefas que os modelos de linguagem são capazes de executar: análise de dados, escrita de relatórios, etc. 
  • Complementaridade de tarefas; ou seja, o uso de IA para a realização de partes de tarefas e para encurtar o tempo e o esforço necessário.
  • Aprofundamento da automação, pelo qual haverá um aumento de produtividade em tarefas já automatizadas, um fenómeno que aumenta a produtividade do capital por oposição à produtividade do trabalho.
  • Novas tarefas que venham a ser criadas por via da IA.

(Acemouglu foca-se sobretudo nos dois primeiros canais, e tece algumas considerações interessantes sobre os impactos do quarto.)

Feitas as contas – o que é um sumário jornalístico do que terá sido um aturado trabalho de economista –, o artigo conclui que os ganhos de produtividade podem ser de 0,064% por ano ao longo da próxima década. Ou 0,09% com variáveis mais optimistas, incluindo uma maior redução no custo dos processadores.

Já os ganhos no PIB mundial oscilarão entre 0,93% e 1,56% em dez anos. O limite superior, argumenta, só será atingido com um "boom" de investimento no sector. Como o próprio autor nota, a Goldman Sachs antecipou que o contributo da IA para o PIB global seria de 7% num período de dez anos.

Passemos por cima das questões da distribuição da riqueza e dos trabalhadores afectados, que têm sido amplamente abordadas, e que foram tema de uma newsletter recente. As considerações de Acemouglu sobre as "novas tarefas" são dignas de nota, porque é aqui que o autor estima alguns dos efeitos negativos:

"As novas tarefas criadas com IA podem aumentar significativamente a produtividade. Contudo, algumas das novas tarefas geradas por IA são manipulativas e podem ter um efeito social negativo, como os deepfakes, publicidade digital enganadora, redes sociais viciantes ou ataques informáticos maliciosos assentes em IA. Embora seja difícil pôr números nas tarefas novas boas e más, com base em investigação recente, sugiro que os efeitos negativos podem ser de monta."

Aqui entramos, como o próprio escreve, no domínio do "muito especulativo". Mas é uma especulação interessante.

Para calcular os efeitos de uma potencial nova tarefa – redes sociais particularmente eficazes graças a IA – o economista recorreu a um estudo que procurou medir o valor atribuído a estas plataformas. 

Naquela investigação, estudantes universitários nos EUA disseram que, em média, pagariam 53 dólares por mês para continuar a usar o Instagram ou o TikTok (um valor que parece extraordinariamente elevado para quem quer que esteja no negócio das subscrições online…). Mais relevante: os mesmos inquiridos disseram que pagariam 19 dólares para fazer com que toda a gente deixasse de usar redes sociais. 

Os 19 dólares são, portanto, o preço do "estou tão farto das redes sociais que preferia que desaparecessem". O que, claro, é uma frase desta newsletter e não do reputado académico, que opta antes por chamar-lhes "efeito negativo líquido". 

O raciocínio de Acemoglu é que se as redes sociais conseguissem usar inteligência artificial para captar todos os 53 dólares de predisposição para pagar, haveria nessa receita 19 dólares de efeitos negativos. 

Fazendo muitas outras contas – incluindo com valores dos gastos em cibersegurança –​ Acemoglu conclui que as "novas tarefas más" podem significar efeitos negativos na ordem dos 0,072% do PIB. 

Convém neste ponto notar que o autor chama a este exercício "uma tentativa extremamente preliminar" e aos números "meramente sugestivos". Mas são bem-vindos: num tema que se quer bem debatido, partir de um consenso não é boa ideia.