Leslie Gordon: “A nossa missão é encontrar medicamentos e a cura para crianças com progéria”

A norte-americana Leslie Gordon tem sido incansável a lutar por avanços científicos e médicos na progéria, doença rara de envelhecimento acelerado. Um dos avanços: a progéria tem um fármaco, por fim.

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Leslie Gordon, com o marido, Scott Berns, e o filho de ambos, Sam, que nasceu com progéria, uma doença rara Sean Fine
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Leslie Gordon é uma cientista e médica norte-americana empenhada numa causa muito pessoal. O filho, Sam Berns (1996-2014), nasceu com a progéria. Doença extremamente rara, as crianças que a têm chegam à velhice antes de serem adultas. Poucas chegam à idade adulta, na realidade. Leslie Gordon arregaçou as mangas e ela e o marido, Scott Berns, também médico, criaram uma fundação nos Estados Unidos ainda no final da década de 1990.

Através da Fundação para Investigação da Progéria (PRF, na sigla em inglês), a persistência de Leslie Gordon e da sua equipa, ao longo dos últimos 25 anos, deu frutos de grande relevância. Como a identificação do gene responsável pela progéria em 2003. Ou os ensaios clínicos a um fármaco que resultaram na aprovação, nos últimos anos, do primeiro tratamento com efeitos benéficos na progéria, ou síndrome de Hutchinson-Gilford (HGPS, na sigla em inglês). “Neste momento, estamos a explorar uma variedade de opções de tratamento para a progéria, incluindo terapia genética, terapias de ARN e terapias com pequenas moléculas”, diz-nos por email Leslie Gordon, que é directora médica da fundação, bem como professora de pediatria na Universidade de Brown e investigadora no Hospital Pediátrico de Boston.

Esta fundação norte-americana tem todas as actividades financiadas por doações, o que lhe tem permitido apoiar investigação científica e reunir informação de todas as crianças e jovens pelo mundo com progéria. É a “família” da progéria. Em Portugal, a fundação identificou duas crianças com esta doença rara, nenhuma já viva.

Quantas pessoas vivem neste momento com progéria em todo o mundo?
Neste momento, os programas da PRF ajudam 145 crianças e jovens adultos com a síndrome de Hutchinson-Gilford (ou progéria) e 77 pessoas com laminopatias progeróides – não são síndrome de HGPS, mas doenças relacionadas com ela –, que vivem em 51 países e falam 34 línguas. Desde que começámos, o Programa Internacional de Registo de Doentes da PRF registou 390 pessoas de 72 países e um território.

Até hoje, quantos casos de progéria se conhecem em Portugal?
Historicamente, a PRF identificou duas crianças em Portugal com síndrome de Hutchinson-Gilford.

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Cláudia Amaral (1998-2021), de Viseu, nasceu com progéria Cortesia da família de Cláudia Amaral

Como é administrado o medicamento lonafarnib [o único aprovado até agora, nos Estados Unidos e na Europa, como tratamento da progéria]?
O lonafarnib é um medicamento oral tomado duas vezes por dia – uma vez de manhã e outra à noite. É tomado oralmente como uma cápsula. Se a criança tem dificuldade em engolir as cápsulas, elas podem ser abertas e o conteúdo misturado com um líquido. É actualmente prescrito como um medicamento para tomar durante toda a vida e é o único fármaco aprovado para a HGPS.

Os ensaios clínicos da PRF e o Registo Internacional de Doentes demonstraram que a administração do lonafarnib tem benefícios para o sistema cardiovascular e a longevidade, segundo artigos científicos publicados nas revistas PNAS em 2012 e JAMA em 2018 [que têm Leslie Gordon como autora principal].

A PRF financiou e teve a coordenação, juntamente com o Hospital Pediátrico de Boston, da investigação pré-clínica e dos ensaios clínicos que conduziram à descoberta dos efeitos benéficos do lonafarnib em quem tem progéria. A Eiger BioPharmaceuticals [empresa nos Estados Unidos] é a promotora do fármaco e responsável pelo fabrico e pela comercialização. A PRF não fabrica nem vende o lonafarnib.

Neste momento, estamos a explorar uma variedade de opções de tratamento para a progéria, incluindo terapia genética, terapias de ARN e terapias com pequenas moléculas. A nossa missão é encontrar novos medicamentos e a cura para crianças e jovens adultos com progéria, e as perturbações que provoca relacionadas com a idade, incluindo doenças cardíacas. Esperamos que o financiamento de investigação e ensaios clínicos pela PRF conduzam a tratamentos adicionais e à cura da progéria.

A PRF e o Hospital Pediátrico de Boston estavam a testar a junção de dois medicamentos, o lonafarnib e o everolímus, em 62 crianças. Quais são os resultados?
O ensaio com os dois fármacos terminou no final de 2022, altura em que a equipa começou a analisar os resultados. Esperamos publicar os resultados da análise, ainda em curso, numa revista científica com revisão prévia pelos pares.

Como comenta os resultados de que a hormona grelina consegue atrasar a progressão da progéria, obtidos por uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra?
A publicação de [Marisa] Ferreira Marques e colegas, do laboratório de Cláudia Cavadas e Célia Aveleira, é extremamente entusiasmante. A PRF ficou satisfeita por ter atribuído a este estudo duas bolsas [no total de 150 mil euros] e fornecido células do seu Banco de Células e Tecidos. Este estudo é uma prova de princípio que demonstrou que a grelina melhorou os marcadores celulares da doença e levou a melhorias no aumento de peso, nos défices vasculares e na longevidade no ratinho-modelo da progéria.

A fundação costuma organizar vários encontros – que acontece aí?
A PRF organiza vários tipos de encontros, centrados quer nos pacientes quer na investigação. Anualmente, reunimos as famílias de doentes de progéria por Zoom para falar de avanços nas descobertas da progéria e possíveis ensaios clínicos, responder a questões e manter um contacto próximo com a nossa “família” da progéria. Também temos um recurso online chamado “Progeria Connect” para que as famílias possam ligar-se virtualmente, independentemente do país ou da língua.

A PRF promove a investigação da progéria através de reuniões científicas que têm como protagonistas os pacientes e os cientistas de investigação básica e clínica. O enfoque é sempre na cura. Para curar a progéria, precisamos de todas estas pessoas. Até à data, a PRF organizou e co-financiou cinco reuniões mais específicas e 11 workshops internacionais gerais sobre a progéria, que têm lugar a cada dois anos em Boston, no Massachusetts.

Trazemos médicos de topo especializados em progéria, cientistas e investigadores pré-clínicos financiados pela PRF, a que se juntam famílias de crianças com progéria. As melhores mentes em investigação em progéria apresentam e discutem as suas últimas descobertas, depois de ouvirem as histórias daqueles que tentam ajudar: as crianças com progéria e as suas famílias. O nosso último encontro juntou cientistas de 14 países. Forjaram-se muitas parcerias novas, de que resultaram colaborações entre continentes entre as comunidades de investigação e médica.