20º Congresso do Partido Comunista Chinês deve consolidar poder de Xi Jinping: o que mais esperar?

Se aceito como o novo líder do Partido Comunista Chinês, e provavelmente será, Xi Jinping se tornará o líder mais longevo da China desde Mao Tsé-Tung.

Roberto Dumas Damas

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(Crédito: Shutterstock)
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Olhos atentos para o 20º Congresso do Povo que ocorrerá na China na semana que vem, dia 16 de outubro. Ninguém espera algo diferente, a não ser um terceiro mandato para Xi Jinping como líder do Partido Comunista Chinês (PCChinês) ou Secretário Geral do Partido, comandante do Exército de Libertação do Povo (ELP) e presidente do país, a ser conferido no ano que vem.

No entanto, antes de expor o que esperar desse histórico Congresso do Povo, dado que Xi mudou a constituição permitindo a ele um terceiro mandato. talvez valha a pena entender um pouco sobre a linha de pensamento do atual líder chinês. Se aceito como o novo líder do PCChinês, e provavelmente será, se tornará o líder mais longevo da China desde Mao Tsé-Tung.

Apenas uma breve digressão: quando Deng Xiaoping subiu ao poder em 1978, ele pôs de lado a ortodoxia Leninista-Marxista de Mao em favor de uma agenda mais pragmática. Seus sucessores (Jiang Zhemin–Zhu Rongi; Hu Jintao–Wen Jiabao) seguiram seus exemplos e rapidamente expandiram uma economia de mercado, com menor presença estatal, abraçaram uma política externa, que maximizava a participação na ordem econômica global liderada pelos EUA.

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Xi Jinping, no entanto, mudou essa agenda pragmática, não ideológica, e nunca foi considerado um reformista pró-mercado, como seus antecessores e alguns membros do Politburo achavam que seria. Na realidade, Xi tem desempenhado um papel muito mais restaurador do PCChinês em todas as esferas econômica, política e social e seu papel no mundo, com uma política externa mais assertiva. Em seu governo desenvolveu uma abordagem mais Leninista – Marxista – Nacionalista, que formatam o desempenho do país na política, economia e sociedade.

A política doméstica implantada por Xi Jinping volta-se mais para o lado esquerdo Leninista (cultura da personalidade e líder supremo). Uma parte da estratégia de Xi para se consolidar no poder era resolver o que ele caracterizava como um problema de crise ideológica. A internet, segundo ele, é uma ameaça ao PCChinês, levando o Partido a perder o controle sobre a mente das pessoas. Dessa forma, Xi promoveu pesadas intervenções em bloggers, ativistas online, censurou dissidentes e fortaleceu o ambiente de vigilância para restringir o acesso da população a websites estrangeiros.

A economia chinesa, embora considerada um capitalismo de estado, se tornou mais Marxista, com maior presença de empresas estatais na economia e participação de comitês do PCChinês em vários domínios da esfera econômica, além de testemunhar novas restrições em empresas privadas. Xi perdeu a confiança na economia de mercado depois da crise de 2008 e da crise da bolsa da China em 2015, com a queda de quase 50%. Já no 19º Congresso do Povo, Xi defendeu a retificação de uma China menos desbalanceada e desenvolvida inadequadamente, como resultado das reformas pró mercado iniciadas por Deng.

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O setor privado passou a ser reconhecido por Xi como uma ameaça ao PCChinês e agora busca reviver uma economia mais centralizada. Empresas como a Anbang Insurance Group e o conglomerado HNA Group foram forçados a entregar seu controle ao estado. Outras como a Tencent e a gigante de e-commerce Alibaba se ajoelharam a uma combinação de regulações mais restritas, investigações e multas. Muitos empreendedores passaram então a enfrentar a incerteza de que algum dia seus negócios seriam reduzidos ou, eles mesmos detidos por algum motivo escuso, o que certamente tem cerceado os ímpetos de inovação por parte do setor privado.

Ou seja, ao invés de seguir firmemente com seu propósito de abrir mais a economia, dando mais espaço para empresas privadas e lucrativas, como postulado durante o Terceiro Plenário do 18.º Congresso do Partido, Xi Jinping, além de consolidar sua marca anticorrupção, consolidou seu poder pessoal político durante o 19.º Congresso do Partido Comunista Chinês em 2017, alterando também a constituição do país ao eliminar o limite da presidência em dois turnos seguidos. Durante o 13.º Congresso Nacional do Povo, na primavera de 2018, aumentou ainda mais o papel do PCChinês, que endureceu o controle sobre a internet e o acesso às informações, além de enfatizar o papel das empresas estatais como importante fonte de crescimento econômico.

Essas políticas têm sido perseguidas desde então, apesar de enormes evidências mostrando um declínio sistemático no desempenho financeiro e econômico das empresas estatais e no menor nível de investimentos conduzidos pelas empresas privadas.

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O argumento central dessa política preconizada por Xi nos oferece evidências de que o menor crescimento econômico chinês, observado desde 2012, deve-se na realidade a uma guinada na política do governo central, privilegiando as empresas estatais ineficientes ao alocar recursos nessas mesmas empresas que acabam por prejudicar o crescimento do país. Se assim deseja o governo chinês voltar a um crescimento econômico não apenas sustentável, mas maior, há de se voltar à trajetória de reformas iniciais, permitindo que as forças de mercado ditem o rumo da alocação dos recursos. Caso contrário, essa crescente alocação subótima de capital em empresas deficitárias apenas retardará ainda mais o crescimento econômico do país.

Em grande parte suportado pela população chinesa, em alguns assuntos, quanto a projeção da China na esfera internacional, principalmente em relação aos EUA, Xi vem ampliando o sentimento nacionalista caracterizado por intervenções e limitações das liberdades individuais e crackdowns em Hong Kong, imposição de “campos de reeducação” na província de Xinjiang, posição mais contundente em relação à Taiwan e construção de bases artificiais no Sul da China, bem como a formação de uma aliança de fato com a Rússia, colocando para trás todo o cuidado tradicional de Deng e a aversão ao risco postulado por ele e seus sucessores.

Mas o que esperar do 20º Congresso do Povo?

a. Mais poderes a Xi Jinping

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Muito provavelmente Xi ganhará mais poder dentro do próprio comitê permanente. Sua política de diminuir dissidentes de facções dentro do próprio PCChinês e do Comitê Central, muitas vezes via acusações de corrupção, ajudarão a construir uma coalisão mais centrada em Xi, com improváveis dissidentes e mais seguidores de sua política. Quer por semelhança ideológica, quer por receio de sofrerem perseguições políticas, expurgações do próprio Partido e até prisões.

b. Os três “Ds” da economia chinesa

Xi Jinping deverá começar seu terceiro mandato em uma situação econômica do país bastante desafiadora. Sua política de Covid Zero (“Disease”), que contempla inúmeros lockdowns de cidades inteiras e pouco contestadas pelos seus aliados e dissabores, tem cobrado um preço elevado no crescimento econômico, dada a queda das vendas no varejo e o impacto na confiança dos consumidores, receosos de saírem de casa ou viajarem e se verem no meio de um plano de lockdown. Difícil dizer que essa intempérie não seja culpa do próprio Xi Jinping, que com sua personalidade autoritária parece nutrir um enorme desapreço a críticas, mesmo de seus seguidores.

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Outra questão é a enorme dívida (“Debt”) que o setor imobiliário constituiu ao longo dos últimos 20 anos. É fato que todas as vezes que a China enfrentava uma possibilidade de desaceleração acentuada de seu crescimento econômico, Beijing pisava fundo nos investimentos em ativos imobiliários, liderados principalmente pelos governos locais. Com a imposição dos “three red lines” de alavancagem imposto pelo PCChinês em agosto de 2020 junto as incorporadoras, essas mesmas empresas, Evergrande principalmente, se viram obrigadas a venderem ativos rapidamente de modo a adequarem a alavancagem de seus balanços, culminando com queda de preço e postergação de novas vendas. Ultimamente, uma onda de defaults de hipotecas de imóveis semiacabados tem colocado mais lenha na fogueira desse setor, que representa a maior reserva de valor das famílias chinesas.

Não bastasse a guinada observada em favor das ineficientes empresas estatais, o que certamente prejudica o crescimento econômico do país, obviamente que Xi Jinping não pode ser culpado pela seca (“Drought”), que afeta a produção de grãos e alimentos na China. Contudo, em um cenário desafiador para a economia, a maior seca dos últimos 40 anos, que assola o país, contribuirá ainda mais para que o novo líder tome conta da situação ou experimente crescimentos ainda menores nos próximos 5 anos.

c. Maior embate com os EUA, Taiwan e maior nacionalismo

Desde que ascendeu ao poder em 2012, Xi Jinping tem atuado ativamente no fortalecimento da segurança nacional e militar. Talvez como influência da dinastia Qing, quando a China sofreu os diversos tratados desiguais e foi invadida por vários países, tanto Xi quanto a população sentem que o país parece não receber a necessária projeção e respeito merecidos no cenário internacional, dada a sua relevância econômica e geopolítica. A questão de Taiwan muito provavelmente merecerá uma atenção mais conservadora por parte de Xi, dados os últimos acontecimentos em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia.

Percebendo a dificuldade que a Rússia tem encontrado em anexar e conquista o território ucraniano, certamente Xi e o próprio ELP já perceberam que ainda não estão prontos para uma postura mais agressiva em relação à Taiwan, à fronteira Sino-Indiana e aos conflitos potenciais referentes às ilhas Senkaku-Diaoyu. Durante seu terceiro mandato, muito provavelmente veremos pesados investimentos direcionados ao segmento bélico, impulsionados pelo anseio de Xi poder ter um moderno complexo militar e tecnológico, que possa enfrentar ameaças externas e choques provocados pela própria China.

O sentimento revanchista e nacionalista parece ter crescido junto à população chinesa durante a era Xi. No 19º Congresso do Povo em 2017, Xi apresentou uma agenda para a modernização da defesa militar do país. O ELP lograria completar sua modernização até o ano de 2035. Essa agenda continua em pé, mas o target para melhorar a habilidade estratégica de defesa e soberania nacional foi antecipado para o ano de 2027, quando o ELP completa 100 anos.

Enfim, difícil precisar o que acontecerá após o 20º Congresso do Povo, mas a ascensão de um líder mais autoritário, assertivo em relação aos seus anseios externos (Taiwan, EUA, Sul do Pacífico, etc.), maiores investimentos e uma corrida à frente dos EUA em relação a uma tecnologia de ponta e de inteligência artificial, certamente estarão na agenda. Veremos.

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Roberto Dumas Damas

Roberto Dumas Damas é estrategista-chefe do Voiter e representou o Itaú BBA em Xangai de 2007 a 2011. Em 2017, atuou no banco dos BRICs em Xangai. Dumas é mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), além de professor de MBA e pós graduação do Insper e da FIA e professor convidado da China Europe International Business School (CEIBS) e Fudan University (China)