Ampliação do uso de incentivos fiscais pelos doadores

Flavia Regina de Souza | sócia do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados
Priscila Pasqualin | sócia do PLKC Advogados
Paula Fabiani | CEO do IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social

Os Fundos Patrimoniais passaram a ser regulamentados no Brasil com a aprovação da Lei 13.800/2019. Eles permitem que instituições sem fins lucrativos estabeleçam uma base financeira sólida, capaz de sustentar ou complementar suas atividades de interesse público com os recursos gerados a partir do rendimento do patrimônio. Com isso, se tornam menos dependentes de recursos públicos, de novas doações e patrocínios, alcançam maior estabilidade financeira, asseguram sua viabilidade operacional e, em especial, a destinação perene de recursos privados para a promoção de causas de interesse público. Eles permitem, também, que a sociedade civil apoie instituições públicas, como universidades, hospitais, museus com a destinação de doações privadas voltadas investimentos voltados para o fomento, pesquisa, inovação, reformas, acervos, capacitação dos servidores públicos, sem substituição de verbas do orçamento público. Assim, em cenários de limitação de gastos públicos, os Fundos Patrimoniais são uma fonte alternativa e viável de recursos.

Apesar de muito positiva e inovadora, a Lei 13.800/2019 foi aprovada com vetos aos artigos referentes aos incentivos fiscais. Além do incentivo fiscal à doação, para que o potencial dos Fundos Patrimoniais seja desenvolvido ao máximo, é essencial que sua regulamentação tributária reconheça às Organizações Gestoras de Fundo Patrimonial o direito a não incidência dos impostos e contribuições sociais federais sobre os rendimentos de aplicação financeira, ganhos de capital e demais receitas.

Nesse sentido, tem-se o substitutivo apresentado ao PLC 158/2017 pelo senador Rodrigo Cunha (União/AL), antigo relator na Comissão de Educação, que recebeu subsídios da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos que demostram como os endowments são fomentados em outros países.

A proposta de substitutivo visa contemplar as doações realizadas por pessoas físicas e jurídicas à Organizações Gestoras de Fundos Patrimoniais com os incentivos fiscais de imposto de renda, sem aumento dos limites já existentes no ordenamento jurídico, em esfera federal.

O texto merece destaque em alguns pontos no tocante aos incentivos fiscais: a proposta prevê a ampliação do acesso dos fundos patrimoniais vinculados a outras causas que já contam com incentivos fiscais no ordenamento jurídico, mas ainda são subutilizados pelos contribuintes. É importante dizer que tais incentivos não representam aumento da renúncia de receita que demanda a elaboração de estimativa de impacto orçamentário-financeiro ou a criação de novas fontes de recursos; a experiência internacional nos mostra que a existência de um sistema de criação de Fundos Patrimoniais aliado à concessão de incentivos fiscais aos doadores cria um ambiente fértil para o desenvolvimento patrimonial dos Fundos, e estimula a cultura de doação como mecanismo de fortalecimento da sociedade civil e do desenvolvimento social.

O Substitutivo proposto traz dispositivos que visam aproximar a legislação brasileira da internacional, garantindo segurança jurídica à tributação das Organizações Gestoras, com normas interpretativas, e desonerando o Fundo Patrimonial do Imposto de Renda sobre aplicação financeira, com a aplicação de norma isentiva já existente para os fundos de pensão.

Merecem destaque as propostas do Substitutivo como a que propõe que as OGFPs tenham a tributação de sua própria atividade definida com base na causa de interesse público a que se destinam – se causas imunes, devem ser imunes a impostos; se causas isentas, devem ser isentas a impostos; outro ponto é o direito à isenção da COFINS, já prevista na legislação atual, sobre todas as receitas previstas no art. 13 da Lei nº 13.800/2019.

Além disso, as Organizações Gestoras devem poder investir o principal do fundo patrimonial tanto no exterior quanto em participações societárias, se isso se mostrar a estratégia mais conveniente para perenizar e rentabilizar o patrimônio do fundo e se os rendimentos forem usados para custear sua atividade fim, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção de impostos e também remunerar a valor de mercado os membros de todos os seus órgãos de governança, se isso se mostrar necessário à boa gestão da instituição, sem que isso afaste seu direito à imunidade ou à isenção. Sem falar na isenção de Imposto de Renda incidente sobre aplicações financeiras para as OGFPs que se dediquem a causas de interesse público, mesmo aquelas que não sejam abrangidas pela imunidade constitucional, tendo em vista a relevância desses fundos para a sustentabilidade de longo prazo dessas causas. O bem social a ser promovido pelas OGFPs é maior do que o potencial impacto econômico e orçamentário que seria possivelmente gerado, tendo em vista que tais instituições destinam recursos a programa, projetos e causas de interesse público, realizados por instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos.

A proposta de substitutivo busca complementar a Lei 13.800/2019, utilizando-se das ideias do projeto original, e incluindo medidas que consideramos imprescindíveis à uma adequada regulamentação dos incentivos fiscais e da tributação dos Fundos Patrimoniais. Após 4 anos de tramitação é urgente a aprovação do PLC 158/2017, com a finalidade de se atingir maior adesão à lei e de se fomentar a cultura de doação do país.

O texto foi originalmente publicado pelo Estadão no dia 27/08/2022 

Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos completa 1 ano

Ao longo deste primeiro ano, houve intensa mobilização em torno do tema, com regulamentações específicas que permitem colocar o mecanismo em prática. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), por exemplo, lançou a Portaria de Fundos Patrimoniais e Endowments para CT&I e assinou os primeiros termos de apoio institucional do MCTIC a fundos patrimoniais. A Secretaria Especial de Cultura também acenou para a discussão do tema dentro do grupo oficial destacado para escrever as novas instruções normativas da Cultura. No período, foram criadas duas organizações gestoras – a Gestora de Fundo Patrimonial Rogerio Jonas Zylbersztajn e a da PUC-Rio, que lançou o primeiro Fundo Patrimonial Endowment de uma universidade brasileira. Ainda que com adesão tímida, a tendência é de crescimento – há pelo menos 6 outras iniciavas a ponto de serem finalizadas nos termos da Lei. Entre elas, Unicamp; MAR – Museu de Arte do Rio; Museu Judaico; e Instituto CORE de Música, todas apoiadas pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social.

A legislação brasileira para os Fundos Patrimoniais Filantrópicos é bastante robusta, exigindo regras claras de gestão e governança para o uso dos recursos em projetos e organizações. “A Lei criou um arcabouço legal capaz de atrair doações de longo prazo, trouxe segurança jurídica aos doadores e, de modo geral, isso tudo vem sendo analisado atentamente pelas organizações”, explica a diretora-presidente do IDIS, Paula Fabiani.

Desde 2012 o IDIS lidera um importante debate sobre a regulamentação dos endowments no Brasil, mecanismo que tem se mostrado, há décadas, exitoso para mobilizar recursos filantrópicos em países como Estados Unidos, França Inglaterra e Índia. Em 2018 lançou a Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, um grupo multissetorial que exerceu papel fundamental na articulação entre sociedade civil e governo, que levou à aprovação da Lei.

Esse grupo, hoje composto por mais de 70 organizações, ainda cobra a regulamentação dos Fundos Patrimoniais em causas específicas e é bastante atuante em Brasília, em uma ação coordenada de advocacy. Apresentou o conceito de Filantropização via Privatização ao Ministro da Justiça Sérgio Moro e terá representantes, por exemplo, no grupo citado da Secretaria Especial da Cultura.

Com o objetivo de levar conhecimento e pautar a opinião pública sobre o tema, o IDIS realizou e participou de eventos e seminários sobre os Fundos Patrimoniais e, em dezembro de 2019, lançou o livro Fundos Patrimoniais Filantrópicos: sustentabilidade para causas e organizações, no qual são abordados aspectos jurídicos, gestão dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, captação de recursos e os legados que podem ser preservados, com o objetivo de orientar todos os interessados no tema, desde filantropos a organizações do terceiro setor e organizações gestoras.

Em vigor desde 4 de janeiro de 2019, a Lei 13.800/19 estabeleceu os Fundos Patrimoniais Filantrópicos no Brasil, ou endowments, fundos criados para receber doações destinadas a sustentar causas ou organizações específicas. São importantes porque preservam o patrimônio doado para garantir que sempre gere recursos para causas de interesse público e contribuem para custear a operação de organizações no longo prazo.

 

O impacto da Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos

No início deste ano tivemos uma notícia muito boa para o desenvolvimento do setor sem fins lucrativos no Brasil. Foi aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro uma legislação importante para a sustentabilidade das causas, organizações sem fins lucrativos e instituições públicas que trabalham nas mais diversas áreas. A Lei dos Fundos Patrimoniais Filantrópicos, que foi publicada sob o nº 13.800 no dia 7 de janeiro.

Os Fundos Patrimoniais Filantrópicos são estruturas criadas para apoiar uma organização ou uma causa. São chamados de endowments nos países anglo-saxões, que são os campeões na estruturação deste mecanismo. São instituídos, em sua maioria, com o compromisso de perpetuar o valor recebido como doação, repassando apenas seus rendimentos para a manutenção de uma organização sem fins lucrativos ou para o financiamento de projetos. Universidades de destaque como Harvard e Yale possuem seus fundos, e organizações bilionárias como as fundações Bill & Melinda Gates, Rockefeller e Ford.

Os Fundos Patrimoniais Filantrópicos são instrumentos que contribuem para a sustentabilidade financeira de organizações sem fins lucrativos que trabalham pela educação, saúde, assistência, cultura, direitos humanos, meio ambiente, esportes, deficiência, entre outras causas de interesse público. Organizações podem contar com uma fonte perene de recursos e se tornam menos dependentes de novas doações e patrocínios. Com isso, alcançam maior estabilidade financeira e asseguram sua viabilidade operacional, permitindo que se estruturem com profissionalismo e desenvolvam suas atividades de forma sustentável e contínua.

O potencial desta lei é relevante. Segundo estimativas do Hauser Institute for Civil Society e do Banco Mundial, no mundo já encontramos US$ 1,5 trilhão alocados em endowments. Além dos volumosos fundos de universidades e fundações, organizações independentes da sociedade civil já possuem seus fundos patrimoniais. E eles estão sendo estruturados em vários países, como a Índia e os Emirados árabes, onde já encontramos fundos gigantescos.

Importante mencionar que a Lei brasileira determina a instituição de uma organização gestora de fundos patrimoniais, cujo objeto será a captação e gestão de recursos filantrópicos, ou seja, ela não poderá operar programas e projetos. Esta organização pode ser uma fundação ou associação, alternativas legais para uma organização sem fins lucrativos no Brasil. Com isso, dentre os benefícios da Lei, temos a desejada proteção patrimonial dos recursos. Desta forma, o fundo não sofrerá com eventuais passivos das organizações e projetos financiados. Além disso, a legislação estabeleceu regras de governança e incentivos fiscais para as doações para a cultura.

Vale mencionar que o processo de estabelecimento de um fundo patrimonial filantrópico não é simples. São diversas as possibilidades de estrutura e devem ser criteriosos o planejamento societário, tributário, contratual, e de governança. São necessárias regras para os investimentos no mercado financeiro e para o uso dos recursos em programas, projetos e organizações.

A aprovação desta importante legislação para o setor sem fins lucrativos é resultado da ação conjunta de diversos atores da sociedade civil e do governo. O IDIS vem liderando este trabalho desde 2012 e criou, em 2018, a Coalizão pelos Fundos Filantrópicos (www.idis.org.br/coalizao)

Esta legislação pode produzir um grande efeito positivo para o país. A Coalizão e seus membros continuam os esforços para dar clareza ao processo de adoção da lei. Na França, logo após a aprovação de regulamentação similar, mais de 200 fundos foram criados. Com normativas claras e precisas o Brasil certamente pode repetir esse número!

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Por Paula Fabiani, CEO do IDIS, em artigo originalmente publicado no blog Giro Sustentável, da Gazeta do Povo, em 17 de junho de 2019. O IDIS é parceiro do Instituto GRPCOM no blog Giro Sustentável e contribui mensalmente com histórias relacionadas ao Investimento Social Privado.

Fundos Patrimoniais: Novas Possibilidades

Esse foi o nome escolhido para o encontro que aconteceu no dia 9 de maio, em Brasília, e reuniu cerca de 60 convidados interessados em conhecer mais sobre a legislação que regula os Fundos Patrimoniais Filantrópicos e ouvir a palestra do estudioso Lester Salamon, professor da Johns Hopkins University.

O professor Salamon é o criador da expressão ‘Philanthropication thru Privatization’ ou seja, Filantropização via Privatização, que propõe uma nova fonte de recursos para o estabelecimento de Fundos Patrimoniais. Ele analisou mais de 500 casos, em todo o mundo, de organizações que foram criadas a partir de Fundos alimentados por recursos de privatizações, concessões, multas, loterias e dinheiro recuperado de corrupção.

A proposta é que, em vez de destinar a totalidade desses recursos para os cofres públicos, onde acabarão por se fundir com outras verbas, sem gerar um impacto identificável, os governos destinem parte da arrecadação com transações como as citadas, para a criação de Fundos Patrimoniais Filantrópicos. Isso fará com que a sociedade perceba claramente o impacto positivo desses recursos e se sinta também contemplada por esse tipo de operação.

O professor Salamon destacou que o Brasil se encontra em um momento muito propícia para a adoção dessa prática, devido à recente regulamentação dos Fundos Filantrópicos, pelos processos de privatização que estão previstos e pelos vultuosos valores arrecadados com multas.

O evento ‘Fundos Patrimoniais: Novas Possibilidades’ foi realizado pelo IDIS, com correalização do BNDES, e apoio do PLKC Advogados, APF, Cebraf, Gife, Humanitas360 e Levisky Legados.

Veja aqui o álbum de fotos do evento.

Se interessa pelo tema? O livro Filatropização via Privatização, do Prof. Salamon, está disponível para download gratuito aqui em nosso site.

Guia sobre Fundos Patrimoniais criado pelo IDIS e necessidade de Lei sobre o tema são destaque na imprensa

A criação de uma Lei para os Fundos Patrimoniais já está na nossa pauta de debate de 2018 e volta a repercutir na mídia com matéria na Folha de São Paulo, que também destaca os guias sobre Endowments criados pelo IDIS. http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2018/01/1951694-fundos-patrimoniais-sao-saida-para-sustentabilidade-financeira-de-ongs.shtml

O ano de 2017 foi um avanço na agenda que defende a criação de uma Lei para dar maior independência e sustentabilidade para as organizações sociais. Com a aprovação do Senado, o Projeto de Lei 16/2015, que originalmente estabelecia que apenas universidades públicas poderiam ter fundos patrimoniais, foi aprovado com a aplicação da lei também para instituições públicas culturais e associações e fundações.  Outros pontos estabelecidos foram um incentivo fiscal para pessoas físicas e jurídicas sem ampliar a renúncia fiscal; e a determinação de que os fundos patrimoniais sejam criados em fundações privadas.

A decisão no Senado foi uma vitória.  Em 2018, o Projeto de Lei 16/2015 precisa passar na Câmara dos Deputados.  E o longo caminho a ser trilhado mantém a necessidade de expandir o debate junto à sociedade.