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O presidente Lula, durante entrevista em que chamou de “monstros” as crianças concebidas em um estupro.
O presidente Lula, durante entrevista em que chamou de “monstros” as crianças concebidas em um estupro.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Lula, utilizando todas as palavras erradas possíveis – o que tem sido corriqueiro –, chocou o país ao equiparar o fruto de uma gravidez decorrente de estupro a um monstro (“que monstro que vai sair do ventre dessa menina?”). Vociferava contra o projeto de lei que buscava restringir o aborto legal em uma gestação tardia. É um tema polêmico de fato, mas o presidente foi campeão na argumentação infeliz, demonizando um inocente. Monstro é apenas o estuprador.

Recordo-me quando Paulo Guedes utilizou a expressão “criaturas do pântano” para qualificar os agentes da corrupção descobertos pela Operação Lava Jato. Aqui, a equiparação a uma espécie de monstros foi, sim, adequada. Monstros dessa espécie, aliás, voltaram a aparecer com mais frequência por essas bandas. Sejamos sinceros, pois eles nunca desapareceram de todo, mas, entre 2014 e 2018, auge da Lava Jato, mantiveram-se acuados e envergonhados.

O governo Lula tem promovido um progressivo desmonte nos sistemas de prevenção e combate à corrupção. A primeira vítima foi a Lei das Estatais. Partidos satélites ao PT conseguiram liminar do então ministro do STF Ricardo Lewandowski para suspender as regras que impediam nomeações político-partidárias. O Supremo, no julgamento, confirmou a constitucionalidade da lei, revogou a liminar, mas contraditoriamente manteve a validade das nomeações feitas ao arrepio da lei durante a vigência da liminar.

Não é verdade que a prisão preventiva foi usada para obter delações premiadas na Lava Jato: a maioria dos colaboradores fez acordo em liberdade

O negacionismo do passado da corrupção e o revanchismo estimulados pelo governo Lula têm levado a anulações de condenações e de provas de corrupção. Magistrados e procuradores que atuaram na Lava Jato ou em outras operações anticorrupção têm sido relegados ao ostracismo ou até mesmo sendo perseguidos, com acusações ou procedimentos disciplinares  insubsistentes. Quem ousará combater a corrupção se expondo a retaliações?

Empreiteiras que comprovadamente corromperam centenas de agentes públicos e que confessaram seus crimes aproveitaram a hostilidade do governo Lula contra a Lava Jato para pleitear a revisão das multas previstas em seus acordos de leniência. Querem descontos superiores a 50% das multas!

Há sinais de volta do capitalismo de compadrio e de novos casos de corrupção. A edição de medida provisória beneficiando recente aquisição pelos irmãos Batista (da J&F) no setor elétrico precisa ser investigada. A aparente fraude havida no leilão para aquisição de toneladas de arroz importado não pode ser negada nem pelo governo, já que foi ele anulado pelo próprio, seguido da demissão de um secretário do Ministério da Agricultura.

Neste contexto de oportunismo, foi ressuscitado na Câmara dos Deputados o projeto de lei que visa proibir a delação premiada de réus presos. A colaboração premiada foi um importante instrumento na Lava Jato e é reconhecida internacionalmente como meio de investigação importante contra o crime organizado. Não é verdade que a prisão preventiva foi usada para obter delações premiadas na Lava Jato: a maioria dos colaboradores fez acordo em liberdade, incluindo o famoso Pedro Barusco, gerente da Petrobras que devolveu cerca de US$ 100 milhões de suborno.

A proposta ainda contraria a boa experiência internacional. O mais famoso colaborador, Tomaso Buscetta, foi preso no Brasil, extraditado para a Itália, e revelou os segredos da Cosa Nostra ao juiz Giovanni Falcone, viabilizando a condenação de centenas de mafiosos, inclusive chefes, no famoso “Maxiprocesso”. O projeto, que esperamos não prospere, beneficia apenas corruptos e membros de organizações criminosas como o PCC.

O verdadeiro monstro que tem sido gestado pelo governo Lula consiste na destruição dos mecanismos de prevenção e combate à corrupção

Não é por acaso que a percepção quanto ao nível de corrupção no Brasil cresce, afastando investidores e prejudicando a imagem do país. No ranking da Transparência Internacional, o Brasil, entre 180 países, figura na 104.ª posição e perdeu duas posições em relação a 2022. A notícia ruim gerou, como reação extravagante, a abertura de investigação contra a filial da Transparência Internacional no Brasil.

O velho ditado “a ocasião faz o ladrão” é real. O crime de corrupção decorre de uma escolha racional do agente baseada em ponderação entre riscos e ganhos. Os riscos, no Brasil, têm sido levados para baixo pelo atual governo. O verdadeiro monstro que tem sido gestado pelo governo Lula consiste na destruição dos mecanismos de prevenção e combate à corrupção, acompanhado de negacionismo histórico e da demonização dos agentes da lei que ousaram desafiar o sistema. Seus dez tentáculos se espalham por toda a administração pública. Combatê-lo, com estratégia e sabedoria, é nossa prioridade.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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