Longevidade

Senior Living: diferença cultural ou baixa oferta?

Norton Mello
Norton Mello
03/03/2023 20:13
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The Villages, comunidade de Senior Living situada a cerca de uma hora a noroeste de Orlando, na Flórida. | Arquivo Pessoal

Por conta da pandemia fiquei dois anos sem visitar os empreendimentos de Senior Living nos Estados Unidos e acabo de voltar com mais percepções sobre esse tema.
Um dos pontos mais interessantes é ver que a comunidade que mais cresce no país é o The Villages, situado a cerca de uma hora a noroeste de Orlando, na Flórida (ver foto). É também, segundo o Pedro Andrade em uma matéria para a CNN, um dos maiores índices de doenças sexualmente transmissíveis nos Estados Unidos (vale a pena ver a reportagem).
Vários potenciais investidores nesse mercado quando se aprofundam no tema me perguntam sobre a diferença cultural entre o Brasil e os Estados Unidos, defendendo que por aqui ainda não temos o amadurecimento cultural de lá para aceitar trocar a residência habitual por uma moradia preparada para o envelhecimento. A retórica é sempre a mesma: “Ah, mas quando você projeta lá o mercado absorve por conta da cultura, eles já se preparam para isso!”.
Sim e não. Sim, por conta do americano médio ter um planejamento financeiro melhor que o brasileiro. Não, pelo fato de que ninguém, seja no Japão, Europa, América do Norte ou Brasil, quer sair de sua própria casa, por mais que esta se configure insegura. E as desculpas, os receios e medos são os mesmos: “Ainda estou bem! Não sei se serei bem tratado! Minha família irá se esquecer de mim!”, e por aí vai. Quem já passou por isso com pais ou avós sabe bem do que estou falando.
Ora, temos 40 anos de atraso na oferta de modelos de negócios mais atraentes que asilos e casas de repouso em relação à Europa e Estados Unidos. E nossa memória afetiva ainda nos remete a ambientes “prisionais”, monocromáticos e com aromas desagradáveis, onde idosos são largados à espera da morte. Não desejamos isso para nossos Seniors.
Quando observamos lá fora a grande quantidade de modelos de negócios (Aging in Place, Co-housing, Co-living, Assisted Living Facilities, Skilled Nursing Facilities, Rehab, Memory Care e suas variáveis, apenas para citar os principais), percebemos que há na verdade um certo desejo em morar em um local que ofereça mais independência e autonomia, com pares de mesmo interesse e com histórias de vida semelhantes. Ou seja, parte a ser mais aspiracional e até certo ponto desafiador: “Será que terei recursos para bancar um Senior Living?” Em geral sim, se a pessoa possui casa própria é bem possível que possua recursos suficientes para migrar para algum modelo de moradia assistida.
No Brasil ainda faltam modelos de negócios e quantidade de oferta para que se estabeleça uma quebra de padrão. Atualmente ainda há um pensamento que cerceia a liberdade da pessoa idosa levando-a para morar na casa de algum filho. Sequestra-se dessa forma toda a possibilidade de manutenção das habilidades sociais, físicas e cognitivas, ou ainda a possibilidade de desenvolvimento de novas habilidades, uma vez que a família possui seus afazeres e rotinas, deixando na maioria das vezes a pessoa idosa na companhia do sofá e televisão, acelerando os processos de depressão e o sentimento de inutilidade.
Moradias que acolham melhor as pessoas idosas, como se diz no mercado, é um “oceano azul”, ou melhor, “prateado”, repleto de oportunidades em nosso país. Casas ou apartamentos que ofereçam o pertencimento a uma comunidade, conseguem melhorar a autonomia e oferecer uma longevidade mais ativa, alegradora e digna.