Coluna ESG

por Felipe Mello

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Por Cintia Dias

Eu sou eu e minha circunstância

… e se não a salvo a ela, não me salvo a mim”, escreveu o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, no livro Meditações de Quixote, obra de 1914. Essa belíssima frase traduz, de forma contundente, a concepção do homem indissociável ao seu meio e seu necessário compromisso com a realidade à sua volta.

Ortega traz, com essa frase, a necessidade urgente de conhecer o cenário em que as pessoas estão inseridas para que possam agir para aperfeiçoá-lo. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, o desafio é furar a bolha em que populações com melhores condições vivem para entender a situação de quem se encontra em situação de vulnerabilidade social.

Brasil: país de extremos

O Brasil é um país de extremos. Convivem, lado a lado, pessoas com um alto padrão de vida e aquelas que sequer possuem saneamento básico e acesso a serviços públicos que garantam sua cidadania, revelando o quão desigual é este país. Aqui, as 200 mil pessoas mais ricas ficam com a mesma renda que os 100 milhões mais pobres. Em uma amostra de quase 120 países, essa situação só seria pior no Maláui, na República Centro-Africana, em Moçambique e no Catar, segundo o livro “Extremos: um mapa para entender as desigualdades no Brasil”, de Pedro Fernando Nery.

Àquelas pessoas que pensam, equivocadamente, que essa pauta é pertinente à turma da sustentabilidade e do ESG, vale lembrar que essa situação é algo com que todos têm que se preocupar, para efetivamente mudar a situação do Brasil, o que causa impacto em todas as atividades econômicas, motivo pelo qual os indicadores ESG estão sendo integrados aos modelos de negócios. Veja por quê.

Quaisquer que sejam os ramos de atuação de uma empresa, ela precisará de profissionais para executar sua estratégia. Como garantir o ativo mais importante das organizações, as pessoas, diante dos seguintes indicadores: apenas 35% das crianças de zero a três anos estão em creches, distante dos 50% previstos no Plano Nacional de Educação, o que compromete a inserção de mulheres no mercado de trabalho; 40% das crianças brasileiras estão em situação de pobreza, o que vai resultar em adultos com baixa produtividade, oriunda de problemas no desenvolvimento de habilidades cognitivas. Isso só para ficar em dois exemplos.

O desafio do capital humano

No mundo frenético em que a sociedade vive, esse capital humano é a base da inovação, que bebe na fonte da diversidade para alimentar novas ideias e conceitos. Como garantir que o Brasil saia do 49º lugar entre os 132 países do Índice Global de Inovação (IGI) se mulheres e negros possuem mais dificuldade de acesso a trabalhos qualificados? A taxa de desemprego no país é 50% maior para pretos que para brancos, mesmo percentual que divide homens e mulheres. O Brasil possui 16 unicórnios, enquanto a Estônia (com 1,34 milhão de habitantes), que se encontra na 16ª posição no IGI, possui dez, e Israel (com 9,55 milhões de habitantes), na 14ª posição, possui 26. Imagine se nossa população tivesse acesso à educação e a um ambiente institucional amigável, onde poderíamos estar.

Como garantir que o Brasil tenha um mercado consumidor robusto, em que mais habitantes estejam aptos a consumir, quando esta atividade é altamente tributada e pesa mais sobre quem ganha menos? Até quando será necessário conviver com 1.500 pessoas na fila do Porsche Taycan e cinco quarteirões de fila para comprar ossos? A desigualdade, no Brasil, não é só de renda, mas também de acesso aos bens de consumo. Ou seja, para expandir mercados, urge que se amplie, primeiro, o conjunto de pessoas apto a adquirir seus bens e serviços.

Desenvolvimento em cheque

O mais assertivo argumento para a redução das disparidades fica no campo econômico: estudos apontam que o crescimento da economia é limitado quando se registra alta desigualdade. Desenvolvimento econômico contínuo e acelerado é alcançado com uma sociedade mais igual, o que depende do motor chamado capital humano.

Portanto, seja motivado por propósito, crenças e valores, ou convencido por números e indicadores econômicos, o brasileiro tem que agir diuturnamente para reduzir a desigualdade social. É o único caminho para se alcançar uma realidade melhor para todos.

Cintia Dias

Jornalista, publicitária, mestre em administração, especialista em comunicação, sustentabilidade e marketing e membro do Comitê Qualificado de Conteúdo de ESG do IBEF-ES.