![É o amor que faz correr Sara Matos, que não esconde brilho no olhos com a fase que está a viver](https://cdn.statically.io/img/cdn.flash.pt/images/2023-12/img_177x111$2023_12_27_18_27_54_352395.jpg)
Anna Wintour parece ter o poder de encantar multimilionários e levá-los a fazer tudo o que ela bem entender: pagar 350 mil dólares por uma mesa de 10 lugares no jantar anual da Met Gala (como fizeram Jeff Bezos, Mike Bloomberg e Steve Schwarzman), obrigar os financiadores do evento a sentar onde ela quiser e com quem ela acha que devem passar a noite. A gala mais famosa de Nova Iorque teve este ano mais uma novidade exigida pela coordenadora: tornou-se uma zona livre de telemóveis.
E não é que Anna Wintour seja contra smartphones ou contra a divulgação da Met Gala. A diretora artística da Condé Nast tem, aliás, milhões de benefícios e está à frente de um forte modelo de negócios para revistas que beneficiam de parcerias nas redes sociais. Mas talvez Wintour esteja a sentir a exaustão do público para o qual ela fala, cada vez mais saturado do excesso de informações na Internet.
Três meses antes da Met Gala, as atrizes e estilistas Mary-Kate e Ashley Olsen marcaram a diferença na semana da moda de Paris ao obrigar o público do desfile da The Row a ver tudo de forma ‘offline’. Ninguém pôde usar os telemóveis, não houve câmaras na plateia, e nada foi partilhado nas redes sociais no momento da apresentação da coleção outono-inverno. As criadoras ainda disponibilizaram cadernos para que os espectadores tirassem notas em vez de fazerem publicações. "Chic. É o nível seguinte", lê-se numa página de moda. "Aposto que foi revigorante ver o público a olhar diretamente para as roupas em vez de estarem a olhar para as lentes das câmaras", lê-se num comentário de um seguidor da marca.
PHONE-FREE ZONES
Antes de a tendência offline chegar ao mundo da moda, músicos e humoristas já tinham tentado acabar com o fenómeno dos smartphones em punho nos espetáculos.
Madonna tentou banir os telemóveis nos seus concertos entre 2019 e 2020, na digressão ‘Madame X’, com pouco sucesso. Houve sempre imagens do espetáculo que chegaram às redes sociais. Talvez por isso a 'Celebration', deste ano, já não teve as mesmas regras.
Nos três concertos que deu em Portugal no ano passado, Bob Dylan impôs a regra de ‘Phone-Free Show’, espetáculo sem telemóvel. O ABBA Voyage também proíbe o uso de telemóveis.
Alguns festivais de música fazem a mesma proposta ao público, como é o caso do evento australiano Never Happened. "A música ao vivo já era incrível muito antes de nós começarmos a gravá-la para partilhar online", disse a promotora do evento, Pia Del Mastro, à ‘ABC’. As primeiras experiências foram um sucesso para o festival. O público "entende e adora", acrescentou a promotora.
Em Londres, a discoteca Fabric recuperou uma regra com quase 25 anos, da altura da sua abertura, a de banir o uso de telemóveis. Em 1999, a preocupação não eram as fotografias e os vídeos dos smartphones, que ainda não existiam, mas sim o barulho que os clientes faziam ao atender chamadas telefónicas. Agora, a discoteca apela por outro tipo de interação. "É na verdade muito saudável tentar levar as pessoas a aproveitarem o momento em vez de tentarem captá-lo através das lentes", declarou o fundador da Fabric, Cameron Leslie, à 'Time Out'.
GRUPOS DE DETOX DIGITAL
Em Amsterdão, grupos como o Offline Club, Power House e Off the Radar estão à frente de eventos de desintoxicação digital, onde as pessoas reúnem-se em festas, aulas de ioga ou cafés para fazer qualquer coisa que não esteja relacionada com a Internet. Alguns estabelecimentos até cobram para os clientes terem a experiência offline, como descreveu o ‘Guardian’ numa reportagem sobre um encontro para desintoxicação digital no Café Brecht, que custava pouco mais de sete euros, sem direito a bebidas.
Portugal também tem um clube offline, criado em 2016 pela arquiteta Bárbara Miranda, mas que não anuncia novos eventos desde a pandemia.
GUARDAR UMA MEMÓRIA? NEM POR ISSO
"Tentar 'captar' a memória pode, na verdade, impedir que as pessoas lembrem-se dos mesmos eventos que estão a tentar conservar", defendeu o vice-presidente do grupo de pesquisa em Ciberpsicologia da Universidade de Sydney, Brad Ridout, à ‘ABC’, explicando que as suas últimas investigações mostraram que tentar gravar os momentos "pode resultar numa pior recordação em comparação com aqueles que simplesmente viveram a experiência em vez de tentar captá-la".
A mesma ideia é defendida pela psicóloga Charlotte Armitage, em declarações à ‘Time Out’. "Essencialmente, não estás presente no momento", afirmou. "Então, em vez de cheirar, ouvir, sentir o que está a acontecer ao redor, sentir as vibrações sonoras, estás a olhar para um telefone bem iluminado".
A "pressão dos pares" também é um problema nos espetáculos em que dezenas de pessoas estão com os telemóveis a apontar para o palco. Se "eles estão a fazer isso, eu devia fazer também", será o pensamento imediato. Mas, "como os telefones fazem tanto por nós, quase não confiamos mais na nossa memória", argumentou a psicóloga.
O uso excessivo do smartphone não só está associado à perda de memória como também ao vício, devido à sensação de alívio que algumas pessoas sentem. Por isso, a psicóloga Vassia Sarantopoulou defende que o tempo offline pode reverter alguns dos danos. "Pode ter efeitos e benefícios psicológicos, sociais e emocionais quando aprendemos a desligar. E pode ser uma experiência realmente libertadora", comentou em declarações ao ‘The Guardian’.
Anna Wintour parece então ter sentido o cheiro de uma nova tendência no mundo digital, em que os registos podem estar prestes a sair das nossas mãos para passarem aos profissionais... O jantar da Met Gala não foi totalmente offline, as imagens estão à guarda de fotógrafos.