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Opinião|Para lidar com o metano, não podemos confundir aliados e inimigos

É um erro culpar os aterros sanitários como um dos principais responsáveis pelo lançamento do gás na atmosfera

Por Pedro Maranhão

Os fenômenos climáticos extremos estão cada vez mais próximos de todos nós. Não há um habitante deste planeta que não testemunhe pessoalmente ou receba notícias diárias sobre secas, enchentes, ondas de calor ou frio intenso. As mudanças climáticas são uma realidade, mas as formas de enfrentar esse desafio ainda dividem opiniões e geram debates acalorados.

Em 18 de junho, neste espaço, o engenheiro químico Fabio Rubens Soares, especialista no setor de energia e bioenergia, contribuiu para essa discussão com o artigo Reduzir emissões de metano é fator-chave para mitigar catástrofes climáticas. O título traz uma mensagem-chave que poucos ousam discordar: sem combater os gases de efeito estufa, não será possível vencer as mudanças climáticas.

No entanto, essa conclusão básica estava alicerçada em algumas premissas equivocadas que merecem questionamentos. É um erro culpar os aterros sanitários como um dos principais responsáveis pelo lançamento de metano na atmosfera. Ao contrário, essas instalações são uma das melhores ferramentas para combater a dispersão desse perigoso gás oriundo da decomposição natural da matéria orgânica.

O metano pode ser até 28 vezes mais poluente que o gás carbônico. Fabio Soares está correto ao defender a geração de energia a partir do gás emitido dos resíduos como crucial para que o Brasil consiga minimizar o surgimento de novas catástrofes climáticas. O Brasil já é um celeiro de soluções ambientalmente adequadas e tem potencial para liderar nosso planeta nessa jornada.

Nesse sentido, o Projeto de Lei (PL) 528/2020, de relatoria do deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), conhecido como PL dos combustíveis do futuro, já aprovado na Câmara e agora em apreciação pelo Senado Federal, prevê uma série de iniciativas para estimular o consumo de combustíveis de baixo carbono no País e cria o Programa Nacional do Biometano. Esse programa tende a desfossilizar o mercado de gás brasileiro por meio da mistura do metano oriundo de fontes renováveis, como o proveniente de aterros sanitários, ao gás de petróleo – chamado equivocadamente de gás “natural”.

No País existem, hoje, seis usinas de produção de biometano, cinco do setor de resíduos e uma do setor sucroalcooleiro, que já produzem 390 mil metros cúbicos por dia (m³/dia) de biometano. Outras 18 plantas estão em processo de autorização na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Segundo a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), o potencial de produção de biometano pelo setor de resíduos pode chegar a 4,5 milhões m³/dia nos aterros sanitários.

Anualmente, mais de 43 milhões de toneladas de resíduos são enviadas para os aterros sanitários em todo o Brasil. Outras 33 milhões de toneladas têm destinação irregular e formam os mais de 3 mil lixões ainda existentes no País. Estes, sim, geradores de metano que não é capturado nem tratado.

O encerramento dos lixões e a ampliação do acesso a aterros sanitários regionais em todo o País abre uma oportunidade imensa ao viabilizar investimentos em energia limpa e combustíveis renováveis, transformando passivos ambientais em ativos energéticos. O que é importante, nesse caso, é ganhar escala, diluindo os investimentos para a transição energética em blocos de municípios, conforme já aponta o novo Marco Legal do Saneamento Básico.

Superada essa questão, é importante ressaltar a segurança dos aterros sanitários devidamente licenciados em relação ao vazamento de metano. Os aterros sanitários são complexas obras de engenharia especialmente planejadas para capturar esse gás e canalizá-lo, de forma segura, para mitigação por queima ou reaproveitamento para geração de energia ou biocombustível.

Em seu posicionamento, Soares cita o estudo da Agência Ambiental Americana (EPA), cujos resultados já são questionados por entidades internacionais respeitadas como a Waste Management, Republic e National Waste & Recycling Association (NWRA), que apontam problemas técnicos e metodológicos nas medições aéreas. O problema é que as medições têm como referência as emissões no setor de óleo e gás, que têm dinâmicas distintas das emissões de um aterro sanitário. Por esse motivo, o setor de resíduos norte-americano está trabalhando em conjunto com a própria Nasa para aperfeiçoar o modelo.

Os aterros brasileiros são constantemente fiscalizados e monitorados por diferentes órgãos ambientais e passam por rigoroso processo de licenciamento para instalação e operação. Não há motivos para se desconfiar da integridade e da qualidade técnica dos órgãos responsáveis por essa fiscalização, especialmente em relação aos aspectos ambientais, que há anos atestam a segurança dos empreendimentos brasileiros.

Para ilustrar o sucesso das práticas brasileiras, podemos destacar o exemplo do Aterro Oeste de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, cuja produção diária de biometano equivale a 20% do consumo de gás natural do Estado do Ceará. A iniciativa evita anualmente o lançamento de 500 mil toneladas de gás carbônico na atmosfera.

Todos os esforços são bem-vindos na luta contra as mudanças climáticas, menos aqueles que visam a atacar soluções comprovadamente eficientes. Os lixões, essas terríveis chagas ambientais e sociais, já não serão encerrados em 2024 como manda a lei. Que essa meta não seja indefinidamente adiada por cortinas de fumaça que nos fazem desviar dos caminhos viáveis para universalizar a boa gestão de resíduos sólidos e para acelerar a transição energética no País.

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PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RESÍDUOS E MEIO AMBIENTE

Opinião por Pedro Maranhão

Presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente