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Elogio à irresponsabilidade

Proposta de Pacheco para renegociar dívidas dos Estados com a União privilegia devedores contumazes e desmoraliza o esforço dos governos regionais que mantêm suas contas em dia

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Por Notas & Informações
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou nesta semana o projeto de lei que visa a renegociar as dívidas dos Estados. Os termos da proposta inicial já haviam sido criticados por este jornal, mas o senador conseguiu piorar o que já estava ruim. E nem poderia ser diferente. Como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.

Pacheco já havia revelado que sua intenção era elaborar algo que pudesse ser equiparado ao Refis, programa que permite aos contribuintes renegociar suas dívidas com a União em condições mais favoráveis, como descontos sobre multa e juros. É uma excelente comparação. Ao longo dos anos, o Refis se tornou um acrônimo justamente por suas sucessivas reedições, que beneficiaram, sobretudo, a figura do devedor contumaz, ou seja, aquele que sempre adere ao Refis e sempre descumpre seus termos à espera da próxima renegociação.

Essa mesma lógica está por trás das recorrentes renegociações das dívidas dos Estados com a União. Diante da recorrência com que o tema volta a dominar a pauta nacional, incautos podem imaginar que a situação da maioria dos Estados brasileiros beira a insolvência e que o País não pode deixar os entes federativos mais vulneráveis à míngua.

Nada mais distante da realidade. Os quatro maiores devedores, ironicamente, são os quatro Estados mais ricos do País. São Paulo deve cerca de R$ 293 bilhões; Rio de Janeiro, R$ 166 bilhões; Minas Gerais, R$ 154 bilhões; e Rio Grande do Sul, R$ 104 bilhões. Isso, por si só, seria suficiente para suscitar alguma dúvida sobre a pertinência da proposta.

Mas há muitos outros pontos igualmente duvidosos nesse texto. Devastado pelas enchentes e ainda longe de se recuperar plenamente, o Rio Grande do Sul conseguiu suspender o pagamento de suas dívidas com a União por três anos, período ao longo do qual terá os juros perdoados.

São Paulo, por sua vez, está em dia com suas obrigações financeiras e gera receitas suficientes para arcar com o serviço da dívida, como atestou o próprio secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, ao jornal Valor Econômico.

O Rio de Janeiro é um caso à parte. Na penúltima renegociação, a privatização da Cedae se tornou uma das contrapartidas assumidas pelo Estado, e as ações da empresa foram colocadas como contragarantia a um empréstimo tomado de uma instituição financeira. A Cedae foi vendida, o Estado deu calote no banco e a União teve de honrá-lo – um absurdo respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O dinheiro, claro, já foi gasto.

Chega-se então ao caso de Minas Gerais, que tenta obter, no STF, pela terceira vez, o prazo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. O governador Romeu Zema nunca conseguiu apoio político suficiente da Assembleia Legislativa para privatizar estatais como Cemig, Copasa e Codemig.

Eis que surge então o senador Rodrigo Pacheco, com seu projeto no qual a federalização de estatais poderá reduzir a correção da dívida de Estados com a União. Há ainda a indecorosa proposta de amortizar os débitos com créditos inscritos na dívida ativa, cuja recuperação é improvável, se não impossível.

Toda a proposta do senador, potencial candidato ao governo do Estado em 2026, parece ter sido feita sob medida para atender aos interesses de Minas Gerais, a começar pela escolha do relator, Davi Alcolumbre (União-AP), eminência parda do Senado.

Mas Pacheco parece ter se esquecido de que precisaria do apoio da maioria dos senadores para dar andamento ao projeto, bem como do aval do principal interessado – a União. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esquivou-se ao comentar a proposta, limitando-se a dizer que seu objetivo era evitar que houvesse impacto primário nas contas do governo, o que é o mínimo.

Não se pode perder de vista que a União, atualmente, financia sua dívida com juros reais de mais de 6% ao ano – mais que os 4% a que os Estados estão sujeitos atualmente. Um projeto tão danoso ao contribuinte, que não exige contrapartidas, ridiculariza o esforço dos Estados que mantêm suas contas em dia e que concentram a renda entre os mais ricos, merece ter como destino o arquivo do Senado.