Robson Sávio Reis Souza

Professor da PUC Minas, pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca e presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais


No dia 20 de junho, na “Vetusta Casa de Afonso Pena”, a Faculdade de Direito da UFMG, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais agraciou 30 mineiras e mineiros com o Diploma Diva Moreira, que tem por finalidade “homenagear pessoas que foram vítimas da violência do Estado, no período de 1964 a 1985”. A honraria foi conferida em memória dos 60 anos do golpe militar de 1964.


Diva Moreira, cientista política, militante e intelectual negra é uma dessas mulheres que mudam, para melhor, a história. Sua trajetória é marcada pela difusão de ideias e ações voltadas à luta antirracista, à participação na reforma sanitária e à luta antimanicomial, desde a década de 1970. Mineira de Bocaiúva, no Norte do Estado, enveredou no movimento de mulheres pela Anistia Política e pela redemocratização. No final dos anos de 1980 fundou a Casa Dandara, um centro de educação e cultura para a população negra em Belo Horizonte. A defesa dos direitos das mulheres segue sendo uma de suas bandeiras.


O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas, consciente e comprometido com os valores da democracia, da liberdade, da justiça e da paz, pilares das sociedades democráticas e de direito, planejou, neste ano que fazemos memória dos 60 anos do golpe civil-militar, trazer para o debate público a relevância das temáticas da memória, da verdade e da justiça – colunas indispensáveis à construção de uma Nnção verdadeiramente independente, soberana e democrática.


Nesses cabulosos tempos, quando presenciamos o recrudescimento de grupos, partidos e segmentos sociais que flertam com o fascismo, articulados na chamada extrema direita; agremiações saudosas de um passado idílico e cruel, caracterizado pela violação sistemática dos direitos humanos, é preciso, mais do que nunca, reafirmar os valores democráticos e articular ações políticas com a finalidade de promover o enfrentamento, a reparação e a luta por transformações sociais, políticas e culturais efetivas para a superação de legados autoritários e violentos.


Neste contexto, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos tem promovido atividades de educação à cidadania, reflexão e mobilização sobre a memória histórica do malfadado golpe militar que lançou nosso país no arbítrio durante longos 21 anos. Em parceria com a Faculdade de Comunicação e Artes e o Programa de Pós-graduação em Comunicação da PUC Minas realizou um ciclo de debates intitulado “1964: 60 anos depois”, no mês de maio.


Mas, a principal atividade do Conselho para fazer memória dos 60 anos do golpe foi a criação de um diploma para homenagear personalidades que foram e continuam sendo um exemplo inspirador na defesa da democracia, da justiça, da liberdade e da paz. De cidadãs e cidadãos que, no passado e no presente, exigem e lutam por uma sociedade onde caibam todas as pessoas, independentemente de quaisquer condicionalidades.


O Diploma Diva Moreira é uma atividade memorialística referenciada em exemplos concretos que nos indicam um caminho necessário a ser percorrido nestes tempos de manipulações grosseiras de mentes e de corações. Tempos nebulosos, que fazem reaparecer e recrudescer os discursos de ódio, a criminalização da pobreza, das mulheres e das crianças; das comunidades cuja diversidade sexual questionam os padrões heteronormativos; dos indígenas, quilombolas, moradores de rua e da juventude negra periférica, entre outros segmentos sociais espezinhados por múltiplas exclusões que marcam nossa sociedade, afastando-nos de uma democracia real.


Ainda temos imensos desafios à concretização da cidadania plena para todos os brasileiros. As marcas da escravidão e da violência insistem e persistem como chaga que macula nossa nação. Por isso, passado e presente se conectam tanto na memória do arbítrio quanto no desejo de transformações efetivas, no presente e para o futuro. Como diz o poeta, “se muito foi feito ainda há muito para se fazer”.
Os eventos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 mostram que a democracia conquistada em 1985 ainda é um projeto em construção, com disputas reais e simbólicas. E que há um longo caminho para a efetivação de uma democracia verdadeiramente soberana, inclusiva e justa no Brasil.