Existe diferença entre ler, mediar e contar uma história?

Ler e contar são ações distintas e envolvem também diferentes aprendizagens, que certamente não se restringem ao entendimento ou não da história.

Ao ler uma história existe o contato com a linguagem escrita, que se estrutura de modo muito diverso da linguagem falada, utilizando diferentes expressões e construções. Além disso, ao ouvir uma história lida, aprendemos a reconhecer o estilo de um autor ou autora, o modo como ele ou ela combinou as palavras para que gerem efeitos estéticos no leitor, ou seja: entramos em contato com a beleza da linguagem escrita, podendo frui-la esteticamente.

A leitura faz com que tenhamos o entendimento que a língua escrita é fixa: não importa quem lê, quando lê – o texto é sempre o mesmo, é estável. E ainda, no caso dos livros ilustrados, é possível construir sentidos a partir da inter-relação entre diferentes narrativas, a textual e a visual.

A narração oral de histórias é diferente. A língua oral é maleável às circunstâncias, ou seja, eu não conto uma história sempre do mesmo jeito, sou afetado pelo público, pelo momento (por mais que tenha ensaiado e me preparado). Os ouvintes também entram em contato com um patrimônio oral e imaterial: as histórias passadas de boca em boca, e compreendem que o conhecimento não está apenas nos livros, mas naquilo que as pessoas sabem de memória, naquilo que conhecem. Além disso, vão aprendendo que há muitos jeitos diferentes de contar uma história, há expressões mais comuns a certos contadores, e ainda que guardem muitas semelhanças, cada um tem o seu jeito de contar, de se relacionar com o público e com a história.

E quanto ao entendimento das histórias? Essa é uma questão… Será que todos precisamos mesmo compreender do mesmo jeito, sendo a história lida ou contada? Nós não compreendemos um mesmo enredo de modos diferentes ao longo da vida? Pois então, uma boa história bem lida e bem contada vai percorrer diferentes caminhos entre aqueles que entram em contato com ela. E essa é a beleza da experiência com a literatura, seja escrita ou oral.

Quantas aprendizagens que essas situações de contato com as histórias podem nos dar! Ainda assim, não podemos deixar que o foco nessas aprendizagens se sobreponha às experiências que estão em jogo no contato com uma história lida ou contada. Aliás, as aprendizagens dependem de tudo isso ser vivido com sentido e muito significado.

Conheça a proposta pedagógica para o temaConheça o projeto de leitura em parceria com a Árvore

 

 

Um passeio sobre a arte de narrar histórias

Olhares para o percurso de quem conta histórias

Não precisa ser performático, não precisa fantasiar-se e nem montar um cenário. Narrar uma história deveria fazer parte do cotidiano da escola, deveria ser espaço permanente de encontro entre estudantes, educadores e toda a comunidade escolar. Já pensou se pudéssemos parar todo dia para ouvir ou contar uma história? Ou pelo menos, alguns dias por semana? Certamente isso estreitaria os laços entre todos, exercitaríamos mais a arte da escuta e, portanto, a empatia. O mundo anda muito precisado dessas coisas.

É tão simples e tão importante, que deveríamos nos perguntar: por que não pensamos nisso antes? Pois é. Mas, se não pensamos, está na hora de começar a pensar e colocar em prática. E para que a narração de histórias passe a habitar com mais frequência o espaço escolar – ou qualquer outro espaço educativo, pode pensar numa sequência de ações:

  • Conhecer narradores e suas formas de narrar – ouvir muitas histórias e ir se aproximando das muitas maneiras de contar uma história;
  • Relembrar de histórias ouvidas na infância ou em outras ocasiões da vida – o que encantava naquela narrativa e no jeito que me foi contada;
  • Ler muitas histórias de origem oral e exercitar-se na narração – como posso contar oralmente uma história lida.

Conheça alguns vídeos:

Regina Machado conta sobre sua relação com a arte de narrar histórias

Mafuane Oliveira reflete sobre a arte de narrar histórias

Série Histórias de Contador – realização Itaú Cultural e Boca do Céu

 

Estante de livros

Títulos que têm tudo a ver com a literatura oral e a narração de histórias

Antigamente era assim, organizado por Regina Machado

Um livro para quem quer refletir sobre a arte de narrar histórias, conhecer o percurso e o jeito de narrar de sete contadores e uma de suas histórias preferidas. Antigamente era assim: alguém parava para contar, outros paravam para ouvir.

E não é que nem tão antigamente assim um grupo se uniu para escutar e compartilhar histórias? Não apenas as histórias preferidas de cada narrador. Também tinha isso, claro, afinal eram narradores que se encontravam para trocar histórias. Mas o grupo também aconteceu para compartilhar as histórias dos narradores de histórias. Quem são aqueles que contam? Como chegaram a ser contadores? Como registro das histórias desse grupo, este livro se propõe a contar sobre quem conta e nos dá a conhecer quem são esses que param para contar (e que contando, sempre param para ouvir), quais caminhos percorreram, como foram fazendo as suas escolhas: os enredos, os jeitos de narrar, como foram tocados pela arte da palavra e como fazem para tocar aqueles que ouvem suas histórias?

Não é livro para ensinar como se faz. “Ninguém ensina ninguém a contar histórias”, escreve Regina Machado, organizadora do livro. Mas certamente pode ser bastante inspirador conhecer como cada narrador encontrou seu caminho. Não há uma receita pronta, uma fórmula mágica, itens a serem “ticados” em lição instantânea. Nada disso. Contar histórias envolve um profundo processo de encontro consigo mesmo, com as raízes, os porquês, as vontades, as possibilidades de cada um. É caminho e, sendo assim, cada qual trilha o seu. Mas conhecer o andar do outro pode nos ajudar a encontrar o nosso passo. Este livro é sobre isso: mostrando caminhos, nos ajuda a pensar sobre o que é necessário para se contar histórias.

Por alguns anos, Regina Machado acompanhou sete narradores de histórias em seu Paço do Baobá. Não era curso, nem aula, eram apenas “pessoas que chegaram “atraídas por não sei que vento da alma” e formaram o grupo que ganhou o nome de Antigamente era assim, numa referência ao final de uma história indígena. Pessoas que queriam investigar juntas a arte de narrar, o processo que faz cada um virar contador de histórias, os encontros, os equívocos e os achados. Cada relato abre para o leitor uma possibilidade de olhar para a narração de histórias de um jeito diferente e convida a refletir: que jeito será o meu? O que faz mais sentido para mim?

Depois dos relatos, há sempre o encontro com a história narrada por aquele que acabou de falar de si, como que iluminando tudo aquilo que foi dito, combinando o percurso pessoal com a forma de contar. Tudo está no livro, fixado pela palavra. Mas terminamos a leitura com uma certeza: tudo pode mudar, tudo é movimento. Contar pode ser sempre de outro jeito. O caminho não termina, e cada narrador será sempre transformado pela palavra, pela história, pelo momento e pela escuta.

 

À sombra da mangueira, de Angelo Abu e alunos do Hakumana

Neste livro conhecemos jovens contadores de histórias moçambicanos, as histórias narradas por eles e os jeitos que cada um tem de contar. Um livro que aproxima os jovens dessa arte milenar: a narração oral de histórias.

“Meu nome é Abu, tenho quarenta e seis anos e vou contar uma história.” Assim começa o livro À sombra de uma mangueira de Angelo Abu e mais 16 jovens contadores de histórias de Moçambique. A história que Abu nos conta versa sobre como este autor e ilustrador brasileiro conheceu esses jovens contadores de histórias no Centro Hakumana em Maputo, Moçambique.

Além de nos revelar como se deu esse encontro e as impressões de Abu sobre Maputo e sua cultura, o livro abre espaço para as histórias e vozes desses jovens contadores de histórias, adolescentes que têm em torno de 11 a 17 anos. As histórias mesclam o formato tradicional, com presença forte do fantástico, com elementos atuais, relativos às vidas e realidades dos jovens contadores.

Desse modo, nos mostram como podem atuar os contadores de histórias, que bebem na fonte tradicional, mas também podem trazer elementos da atualidade às narrativas. Além das histórias, o livro apresenta belíssimas ilustrações de Angelo Abu, com muitas referências à realidade e cultura local: as cores, as vestimentas, o movimento das ruas, manifestações culturais, os animais que fazem das histórias e os próprios jovens contadores de histórias são retratados no livro, criando uma atmosfera interessante para o leitor, aproximando-o ainda mais do contexto das histórias: tanto o enredo, como a forma como foram contadas.

 

Ah… Nisso eu não tinha pensado!, de Loudovic Souliman, tradução de Regina Machado

Loudovic Souliman é um contador de histórias francês. Ele já veio Brasil e participou do Boca do Céu – Encontro internacional de contadores de histórias, organizado por Regina Machado, que também assina a tradução da história para o português. Trata-se de um conto autoral, mas com fortes referências de histórias tradicionais, a começar pelo formato de conto acumulativo. A partir de uma narrativa oral, depois fixada na linguagem escrita, Loudovic Souliman nos promove uma reflexão sobre nosso mundo, a transformação que costuma ocorrer nas cidades grandes, privilegiando o lucro ao invés das pessoas que moram nesses espaços, trazendo uma possível saída, calcada na solidariedade.

Com essa narrativa, o autor também nos revela algo importante sobre o lugar que as histórias ocuparam na história: uma via para se pensar sobre a vida. Para além da narrativa textual, o livro foi elaborado como álbum ilustrado, explorando a relação entre texto e ilustração. A técnica utilizada pela ilustradora, Bruna Assis Brasil, também dialoga fortemente com o conteúdo, ao misturar imagens de fotografia de uma cidade grande com os desenhos.

 

Mesma nova história, de Everson Bertucci, Mafuane Oliveira e João Paulo Vaz

A história nasceu a partir da colaboração de três autores que se se experimentaram em diferentes linguagens. O texto escrito por Everson ganhou voz na narração de Mafuane e depois uma narrativa visual composta por João Vaz. Assim, como é parte do caminho das histórias orais, a narração foi se modificando, perdendo uma parte aqui, ganhando outra ali, até fixar-se nessa edição escrita.

Com muitas arestas de aproximação com o livro Ah… Nisso eu não tinha pensado!, Mesma Nova história aposta na estrutura de um conto de repetição, que vai também agregando novos elementos à narrativa e à relação entre uma avó e seu neto. Há aqui também muitas reflexões sobre questões que envolvem diferentes gerações, a memória dos mais velhos, a perspectiva da morte e as diferentes fases da vida, com suas perdas e ganhos.

A presença dos personagens negros também abre espaço para que pensemos e possamos valorizar, cada vez mais, a presença da diversidade na literatura que se apresenta para as crianças, contribuindo para que essa representação se evidencie cada vez mais, contribuindo para uma educação antirracista na escola.

 

Outros livros que dialogam com a narração de histórias

O lenhador, Catulo da Paixão Cearense

O poema “O lenhador”, publicado em 1918 no primeiro livro de poesia de Catullo da Paixão Cearense, Meu sertão, recebe da Editora Peirópolis uma edição cercada de todo o cuidado que merece.

Organizada pelo poeta Francisco Marques e prefaciada por Manoel de Barrros, esta edição em capa dura e ilustrada de “O lenhador” traz o poema em duas versões – no português formal e em linguagem sertaneja, como era declamado por Catullo, autor da célebre canção “Luar do sertão”, convidando assim o leitor a experimentá-lo em voz alta.

O segundo capítulo do livro, assinado por Francisco Marques –”Mestre Catullo: vida, paixão e lua”, leva o leitor a aprofundar o seu olhar sobre o poeta, incluindo outros poemas, anotações biográficas, citações sobre sua obra e bibliografia consultada. O leitor tem acesso a um apanhado com diversos trechos de obras de autores que comentaram a produção de Catullo, testemunharam sua performance em cantorias e recitais ou que fizeram dele personagem.

 

Literatura oral para crianças e jovens, Henriqueta Lisboa

Os contos populares, lendas, fábulas e mitos recolhidos pela poeta mineira Henriqueta Lisboa neste valioso volume representam uma rara oportunidade de o leitor mergulhar no universo do folclore brasileiro, com sua riqueza de matizes culturais e a diversidade de temas que inspiram a imaginação e a criação de novas histórias. Ou de novas versões para uma mesma história.

São histórias de ouvir contar. De emocionar e de divertir.

Histórias de todos nós, da nossa cultura, para compartilhar em rodas de contação e vivenciar no coração.

 

A origem do beija-flor / Guanãby muru-gãwa, Yaguarê Yamã

Os mitos de origem do mundo e dos seres que nele vivem são uma grande riqueza dos povos indígenas. Neste livro, Yaguarê Yamã registra uma dessas histórias: o mito da origem do beija-flor, que vive na memória dos antigos pajés do povo Maraguá, habitante do vale do rio Abacaxis, no Estado do Amazonas. Esse povo valoriza muito o contador de histórias, personagem sempre requisitado no cotidiano e nos festejos da tribo, e é conhecido como “os índios das histórias de fantasmas”.

Neste livro, a delicada história é apresentada em português e em maraguá, dialeto misto de Aruak com Nhengatu, e integra a coleção Peirópolis Mundo, que busca valorizar línguas minoritárias de todas as partes do planeta. Escute a história narrada pelo autor em Maraguá.

 

Grande assim / Utshepo mde, Mhlobo Jadezweni

Esta breve e lírica narrativa sobre o desejo de crescer e ser grande em todos os sentidos foi escrita em isiXhosa e publicada primeiramente em versão bilíngue na África do Sul, berço da história e de seu autor.

IsiXhosa é uma das inúmeras línguas africanas ameaçadas de extinção, e Mhlobo, professor universitário e estudioso de línguas africanas, é um dos seus mais ferrenhos guardiões. Escute a história narrada pelo autor em isiXhosa.

 

Folclore de chuteiras, Alexandre de Castro Gomes

As mais fantásticas feras do futebol brasileiro entram em campo em uma partida nada convencional. De um lado, a seleção brasileira com Mapinguari no gol, Mula sem Cabeça na lateral direita, Curupira na lateral esquerda, Cabra-Cabriola e Capelobo na zaga, Lobisomem (naturalizado brasileiro), Negrinho do Pastoreio, Boitatá e Saci-Pererê no meio de campo e Cabeça de Cuia e Romãozinho na frente.

Do outro lado, um combinado do resto do mundo com craques sobrenaturais – Múmia, Gárgula, Frankenstein, Ieti, Ciclope, Vampiro, Zumbi, Pé Grande e outros. Tudo o que essas criaturas fantásticas realizam em campo – os dribles, as jogadas perigosas e, claro, os gols – é transmitido com muita graça pelo locutor Carlos Cosme, que conta com o apoio do comentarista e dos repórteres de campo.

 

 

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