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    Tensão fora de campo entre holandeses e turcos inflama partida deste sábado (6)

    Apesar de inicialmente Holanda x Turquia não chamar tanta atenção como outros jogos, ele pode ser o mais tenso das quartas de final da Eurocopa

    Jogadores Weghorst, da Holanda, e Demiral, da Turquia, que comemorou seu gol no último jogo com gesto polêmico
    Jogadores Weghorst, da Holanda, e Demiral, da Turquia, que comemorou seu gol no último jogo com gesto polêmico Alex Livesey e Oguz Yeter/Anadolu, Getty Images

    Salma Freuada CNN

    Holanda e Turquia se enfrentam pelas quartas de final da Eurocopa neste sábado (6), às 16h. Apesar de a partida não chamar atenção de imediato como jogos entre Espanha e Alemanha, ela pode ser a mais acirrada desta fase devido a uma disputa que se estende para além do campo.

    Os turcos são o maior grupo de imigrantes na Holanda. Cerca de 205 mil vivem no país, enquanto outros 225.800 têm um ou dois pais que nasceram na Turquia. O total de mais de 430 mil pessoas representa cerca de 2% da população da Holanda, que tem quase 18 milhões de habitantes, segundo dados de 2023 da Eurostat.

    No mesmo dia em que a Turquia venceu a Áustria pelas oitavas de final, a Holanda derrotou a Romênia por 3 a 0 e se classificou para as quartas. Mas o destaque nas ruas foi para os turcos, que comemoram a sua vitória nas principais cidades da Holanda.

    Em imagens publicadas nas redes sociais, é possível ver até mesmo a participação de policiais nas comemorações.

    Para além dos números

    Possivelmente, uma quantidade considerável dos jovens que comemoravam a vitória nunca morou na Turquia. Esse fato demonstra um fenômeno presente na Holanda: mesmo aqueles que nasceram no país da Laranja Mecânica podem se considerar mais “turcos” do que holandeses.

    É o caso de Sefa Saribas, de 26 anos, que tem apenas a nacionalidade holandesa, mas disse à CNN que se identifica mais como “turco”. “É uma pergunta difícil. Porque eu sei que há muitas tendências holandesas no jeito que eu sou”, completou.

    O estudante, cujo pai nasceu na Turquia, disse que se fosse jogador de futebol profissional, optaria por jogar pela seleção turca.

    Essa foi a escolha feita por Orkun Kökçü, que nasceu em Haarlem, na Holanda, mas hoje enfrenta o país em que nasceu no meio de campo da Turquia.

    Na mesma posição, há Ferdi Kadıoğlu, nascido em Arnhem, no leste da Holanda. O atleta escolheu jogar pela Turquia sem nem ao menos falar a língua do país fluentemente. Nas entrevistas para as televisões turcas, ele é acompanhado de um intérprete.

    Há um fator a mais nesta partida. A Eurocopa deste ano acontece na Alemanha, outro país em que a comunidade turca é a maior entre os estrangeiros.

    De maneira semelhante ao que acontece com os holandeses, os jogadores Hakan Çalhanoğlu, Kenan Yildiz, Cenk Tosun e Salih Özcan nasceram na Alemanha, mas optaram por jogar na seleção turca e atualmente estão no time principal.

    O público estará em peso no estádio e nas ruas do país-sede da competição.

    Em uma coletiva de imprensa na sexta-feira (5), o técnico da Holanda, Ronald Koeman, disse que silenciar os “barulhentos torcedores” da Turquia será a chave para o sucesso holandês nas quartas da Euro 2024.

    “Só precisamos manter a posse de bola e eles ficarão quietos”, declarou.

    “Pesadelo”

    A situação é inédita. Holanda e Turquia nunca se enfrentaram em um mata-mata na Eurocopa.

    As possíveis consequências deste jogo são uma preocupação para Sefa.

    “O fato de que a Holanda vai jogar contra a Turquia num torneio internacional é um dos meus maiores pesadelos. Não é algo que estou animado. Eu realmente temo a ideia de eles jogarem um contra o outro porque sei que é apenas um motivo para a xenofobia”, disse.

    “Não haverá um vencedor. Aos meus olhos, como turco, mesmo que ganhemos, algo de mau irá acontecer. E mesmo se a Holanda vencer, algo de mau irá acontecer”, completou.

    Ele explica: “se a Turquia vencer, os turcos nos Países Baixos vão entrar nos seus carros e sair dirigindo e buzinando pela cidade. Vão celebrar como loucos e isso vai dar início a uma nova forma de xenofobia. Por outro lado, se a Holanda vencer, tenho medo de haja um pouco de provocação por parte dos turcos. E eu conheço o meu povo e sei que os holandeses irão reagir a isso”.

    Sua visão é corroborada por outras pessoas. Em perfis holandeses nas redes sociais, vários internautas comentaram que preveem confusão nas ruas neste sábado. É sensato não sair nessa noite”, escreveu um. “Uma pequena guerra civil ocorrerá na Holanda”, disse outro.

    “Não importa quem ganha, eu vou buzinar”, brincou uma pessoa. Enquanto outra reclamou da possibilidade de barulho no dia: “Eu respeito a Turquia, mas buzinar durante uma hora com o carro é realmente estúpido”.

    Sefa completa: “é uma situação muito complicada porque a xenofobia não é algo sobre o qual as pessoas falem abertamente. Geralmente alguma coisa precisa acontecer, um incêndio precisa ser aceso para que essa xenofobia apareça. E sinto que este jogo é uma dessas situações específicas que podem convidar um pouco dessa xenofobia”, e acrescentou: “mas posso estar muito enganado”.

    O estudante disse que uma derrota seria um “golpe duplo” para ambos os países.

    “Os holandeses se sentiriam melhor se fossem eliminados pela Romênia, por exemplo, do que pelos turcos. Perder para os turcos não é apenas sair do torneio, é sair do torneio por causa dos turcos, e eles realmente não querem isso. E é o mesmo para nós”.

    Gesto polêmico

    O jogo já começa com outra polêmica. A Uefa, organismo gestor do futebol na Europa, suspendeu o jogador turco Merih Demiral por dois jogos após ele fazer um gesto com a mão na vitória por 2 a 1 da Turquia contra a Áustria nas oitavas de final da Eurocopa.

    Demiral marcou duas vezes e, em uma delas, comemorou com um gesto conhecido como “saudação do lobo”, que está associado ao grupo extremista de direita turco “Lobos Cinzentos”. A Uefa anunciou a decisão de suspender Demiral na sexta-feira (5), um dia antes do jogo das quartas de final da Turquia contra a Holanda.

    A Federação Turca de Futebol confirmou à CNN que o seu departamento jurídico está trabalhando em um recurso contra a suspensão.

    O jogador argumenta que o gesto tem relação com a identidade turca. “Porque tenho muito orgulho de ser turco. E senti isso ao máximo depois do segundo gol, então acabei fazendo esse gesto”, disse Demiral aos repórteres após o jogo.

    Essa visão é compartilhada por Sefa: “se você fizer esse gesto na Turquia, ninguém pensará que você é fascista. Todo mundo pensará que você tem orgulho de ser turco”.

    Ele também não concordou com a decisão da entidade: “é baseada na interpretação de outra pessoa”.

    “Na cultura turca temos sempre esta sensação de que somos odiados na Europa e que seremos sempre punidos pelos europeus. E de que a Europa apenas sempre encontra uma forma de punir o povo turco”, disse.

    A importância do jogo se tornou ainda mais evidente depois que o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, alterou seus planos oficiais e confirmou que irá à Berlim assistir ao jogo pessoalmente.

    Trocas positivas

    Apesar da tensão inegável, a relação entre os dois grupos não se resume a aspectos negativos.

    Há vários holandeses de origem turca que se tornaram famosos e bem-sucedidos na Holanda, e são inclusive respeitados por muitos holandeses. Um exemplo é Özcan Akyol, um escritor e apresentador conhecido no país.

    A culinária turca que foi trazida para a Holanda também é apreciada pela maioria dos holandeses, e pode se dizer que foi até mesmo integrada à culinária local.

    Um prato holandês chamado “Kapsalon”, criado em Rotterdam e conhecido por todo o país atualmente, surgiu da combinação de kebab, de origem turca, com batatas fritas, tomate, queijo derretido, alface, sambal e molho de alho.

    Expectativa para o jogo

    Sefa admite que, apesar de todos os medos, ainda está ansioso pelo jogo. “Estou sentindo uma mistura de nervosismo com animação”, disse.

    A torcida dele vai para a Turquia. “Quando a Turquia faz algo bom, nós sentimos muito orgulho”.