Fim do acordo Mercosul-UE? Em revés para Lula, Macron diz ser contra tratado por problemas ambientais
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Crédito, Ricardo Stuckert / PR
- Author, Daniel Gallas
- Role, Enviado especial da BBC News Brasil à Dubai (Emirados Árabes)
Por mais de duas décadas, Mercosul e União Europeia estiveram negociando um acordo comercial que envolve 31 países, 720 milhões de pessoas e aproximadamente 20% da economia mundial.
E nos últimos meses, diplomatas dos dois blocos intensificaram ainda mais os esforços para finalmente assinar o acordo. A pressa se dá porque a Argentina elegeu um presidente, Javier Milei, que é contra o tratado. Os governos esperavam fechar o acordo em uma cúpula no Rio de Janeiro na próxima semana — poucos dias antes da posse de Milei em Buenos Aires.
Mas neste sábado (2/12), o Brasil e outros países que defendiam o acordo foram surpreendidos por declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, que se manifestou contra o acordo.
Macron disse em entrevista à imprensa em Dubai — onde acontece a conferência do clima da ONU (COP28) — que o acordo é "antiquado" e contraditório com as ambições ambientais de países como o Brasil.
![Macron](https://cdn.statically.io/img/ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/f18c/live/b37c5b00-911b-11ee-8e9e-679a5f98aa86.jpg.webp)
Crédito, Reuters
As declarações de Macron foram dadas poucos minutos depois de o francês se encontrar com Lula — e são um forte revés para o presidente brasileiro, um dos principais defensores do tratado. Além disso, Macron acusou o acordo Mercosul-UE de ser prejudicial ao meio ambiente — justamente durante a COP28 em que o Brasil tentava mostrar protagonismo na agenda ecológica.
"Eu tive uma discussão formidável com o presidente Lula. Porque ele é visionário, corajoso e há muita sinergia entre as nossas estratégias. Eu mesmo irei em março [ao Brasil] e acredito que no combate ao desmatamento, numa verdadeira política amazônica, nas questões de defesa, nos interesses econômicos, nas questões culturais, temos uma agenda bilateral extremamente densa e um alinhamento de pontos de vista muito grande", disse Macron.
"E é justamente por isso, por isso mesmo, que sou contra o acordo Mercosul-UE, porque acho que é um acordo completamente contraditório com o que ele está fazendo no Brasil e com o que nós estamos fazendo."
"Acrescentamos frases [ao acordo] no início para agradar a França, mas ele não é bom para ninguém, porque não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, em toda a Europa, que façam esforços, que apliquem novas linguagens para descarbonizar, para abandonar certos produtos, enquanto são removidas todas as tarifas para importar produtos que não aplicam essas regras."
![Lula](https://cdn.statically.io/img/ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/a6d5/live/6ca30980-911c-11ee-9643-c333ebfb6742.jpg.webp)
Crédito, Reuters
"Portanto, devemos pensar num acordo que seja muito mais geoestratégico, muito mais consistente com as nossas estratégias e não mexer num acordo à moda antiga. É por isso que não sou a favor deste acordo. Porque hoje não sei como explicar este acordo a um agricultor, a um produtor de aço, a um fabricante de cimento francês ou europeu."
Macron não deixou claro se a França vai vetar o acordo — basta um veto de qualquer um dos países do Mercosul e da União Europeia para impedir o tratado — mas suas falas foram contundentes contra o resultado das negociações.
Macron disse que Lula precisa mudar os termos do acordo para torna-lo mais ambiental.
"Vocês [brasileiros] têm um presidente que é a favor do Acordo de Paris [que estabelece metas climáticas], que quer lutar contra o desmatamento. Se ele [Lula] quiser tornar essa política reversível para o Brasil, deverá incluí-la nos acordos. Porque nessa altura todos os seus sucessores terão que ter uma política que justamente vá no sentido da descarbonização."
Pouco depois de Macron falar com a imprensa, a entrevista coletiva de Lula em Dubai foi cancelada. O governo brasileiro não informou o motivo.
Em seguida, Lula deu uma breve declaração a um jornalista dizendo que a França tem um histórico de protecionismo, mas que a União Europeia não compartilha dessa visão.
No entanto, bastaria um veto da França — ou de qualquer país — para derrubar todo o acordo que vem sendo negociado desde 1999.
'Protecionismo verde'
Ao longo das décadas de negociação, a França foi o país que mais se manifestou contra o acordo União Europeia-Mercosul. Em maio deste ano, citando o aumento significativo do desmatamento na Amazônia durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), os europeus fizeram um adendo ao tratado pré-firmado em 2019 com novas exigências na área ambiental, uma iniciativa defendida pela França.
O documento também introduzia penalidades para os países que não alcançarem as metas climáticas do Acordo de Paris, de 2015.
Em Dubai, Lula realizou diversos encontros bilaterais no qual tratou sobre o acordo Mercosul-União Europeia: com a presidente da comissão europeia, Ursula Van Der Leyen, com o presidente da Espanha, Pedro Sanchez, e com Macron. No domingo (3/12), Lula segue para a Alemanha, onde deve tratar do assunto com o chanceler Olaf Scholz.
O governo brasileiro sinalizou, após as bilaterais, que o acordo estava avançando. Mas as fortes declarações de Macron indicam que o tratado pode não avançar.
![Lula e Macron, durante uma reunião em junho de 2023](https://cdn.statically.io/img/ichef.bbci.co.uk/ace/ws/640/cpsprodpb/e914/live/63b4f720-911c-11ee-9643-c333ebfb6742.jpg.webp)
Crédito, EPA-EFE/REX/Shutterstock
O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e prevê, entre outras coisas, a isenção ou redução na cobrança de impostos de importação de bens e serviços produzidos nos dois blocos.
Segundo estimativas do governo brasileiro feitas em 2019, o acordo representaria um incremento no PIB do país equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se forem levados em conta aspectos como a redução de barreiras não tarifárias. O governo brasileiro estimava também que as exportações brasileiras para a União Europeia aumentem em cerca de R$ 384 bilhões até 2035.
Na semana passada, a BBC News Brasil noticiou a realização de reuniões virtuais e presenciais aos fins de semana com horas de duração, idas e vindas de delegações europeias a Brasília e a perspectiva de decidir o acordo apenas aos "45 minutos do segundo tempo".
Entre as exigências dos franceses está a necessidade de que os países do bloco sul-americano cumpram metas negociadas no Acordo de Paris e a previsão de que as metas de desmatamento sejam estabelecidas em comum acordo entre os blocos e não mais de forma individual, pelos próprios países.
Como o Brasil é, entre todos os países do Mercosul e da União Europeia, o que tem a maior extensão de florestas, as exigências foram vistas pelo governo brasileiro como uma afronta e uma espécie de "protecionismo verde", termo usado para classificar medidas de protecionismo comercial sob o pretexto de serem motivadas por preocupações ambientais.
"A carta adicional que a União Europeia mandou para o Mercosul é inaceitável. É inaceitável porque eles colocam punição para qualquer país que não cumprir o Acordo de Paris", disse o presidente Lula em junho deste ano, durante visita à Itália.
Em setembro, o Mercosul respondeu à carta dos europeus rebatendo alguns dos principais tópicos do documento e propondo a criação de um fundo de 12 bilhões de euros (cerca de R$ 65 mil) para ajudar países do bloco a implementarem políticas ambientais e de redução do desmatamento.