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Isenção pode deixar carne mais barata, mas picanha deve seguir "inacessível"

Em entrevista à Band, especialistas expuseram os prós e contras a aprovação da isenção tributária das carnes pela Câmara dos Deputados

Por Édrian Santos

Isenção pode deixar carne mais barata, mas picanha deve seguir "inacessível"
Reprodução/Freepik

A possível isenção das carnes na regulamentação da reforma tributária obteve apoio quase unânime na Câmara dos Deputados, apesar da pauta ser polêmica. Na última terça-feira (10), parlamentares incluíram o destaque sobre o tema no projeto enviado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o que uniu governistas e oposição.

A emenda foi apresentada pelo deputado Rodolfo Nogueira (PL). O placar foi de 477 contra 3. Com isso, o projeto aprovado na Câmara passa a incluir carnes, peixes, queijos e sal na lista de alimentos com alíquota zero do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), substitutos dos atuais PIS, Cofins, ICMS, ISS e, parcialmente, IPI.

Apesar da facilidade em passar na Câmara, inclusive com apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a medida divide opiniões. Na proposta original, previa-se redução de 60% nas alíquotas das carnes. O setor produtivo comemorou iniciativa, ao destacar a importância disso para a segurança alimentar no país.

“[A isenção das carnes na reforma tributária] é uma vitória daqueles que lutam pela segurança alimentar do país e que compreendem que o direito ao acesso às carnes e aos seus nutrientes essenciais deve ser preservado”, diz trecho de comunicado divulgado pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Carnes mais baratas e aumento da produção

Nessa realidade, além do possível barateamento das carnes para toda a população, a medida refletirá nos ganhos do setor para o aumento da produção e, consequentemente, maior geração de emprego. A análise é de Hulisses Dias, mestre em finanças pela Universidade de Sorbonne.

“Isso é especialmente importante para famílias de baixa renda, que poderão adquirir mais proteínas, melhorando sua alimentação e saúde. Além disso, os produtores se beneficiarão ao vender seus produtos sem a incidência de impostos, o que pode aumentar suas margens de lucro e incentivar a produção”, avaliou Hulisses.

“Sistema injusto”

Por outro lado, analistas apontam injustiças que podem pesar mais para a população pobre. Isso porque os ricos também serão beneficiados pela isenção das carnes, mesmo com poder econômico suficiente para ser mais tributado. A advogada tributarista Renata Bilhim analisou o tema em entrevista à Band.

“Na tributação sobre consumo, o IVA entre eles, o tributo é repassado ao consumidor. Com isso, pobre ou rico pagará o mesmo tributo. Assim, muitas vezes, a carga tributária fica injusta e, ao mesmo, tempo regressiva. Quem ganha menos, no final das contas, acaba suportando um tributo maior”, avaliou Bilhim.

Picanha e mignon inacessíveis?

Outro ponto levantado pelos especialistas diz respeito à precificação dos cortes nobres, a exemplo da picanha e filé mignon. Na visão dos dois entrevistados pela Band, o repasse da isenção à população carente dependeria do comportamento dos produtores e comerciantes à mudança tributária. 

“Embora a isenção possa resultar em uma redução de preços, é improvável que carnes nobres se tornem significativamente acessíveis às famílias de baixa renda, devido a sua natureza de produto de alto valor”, explicou o mestre em Finanças.

Bilhim acrescentou que, além da dinâmica mercadológica entre produtores e comerciantes, se repassarão ou não a isenção para os consumidores, o preço atual dos cortes nobres consome boa parte do salário mínimo, ainda que tivesse alíquota zero. Na prática, segundo ela, é pouco provável que a picanha se torne acessível às famílias de baixa renda.

“Na minha opinião, as carnes nobres, tributadas ou não, já são caras, e pode ser que o vendedor queira manter o preço para aumentar a margem de lucro dele. Isso quer dizer que ela [picanha] não ficará acessível da mesma forma”, considerou a tributarista.

Equipe econômica resiste

Havia resistência da equipe econômica do governo em isentar as carnes. Na prática, essa desoneração pode refletir no aumento da alíquota média do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 0,53 ponto percentual. Assim, os atuais 26,5% subiriam para 27,3% e fariam o Brasil alcançar a maior carga tributária do mundo, à frente da Hungria (27%).

Cashback como meio-termo

Em fala a jornalistas, antes da aprovação do destaque que isenta as carnes, o ministro Haddad sugeriu o aumento da parcela do imposto devolvido aos consumidores mais pobres, o chamado cashback. A medida serviria para equalizar a desigualdade tributária sem pesar na alíquota geral do IVA.

“O cashback está sendo discutido, [de forma a] aumentar aquela parcela do imposto que é devolvida para as pessoas que estão no Cadastro Único. Isso é uma coisa que tem efeitos distributivos importantes. Então, às vezes, não é aumentar toda a carne, mas aumentar o cashback de quem não pode pagar o valor cheio da carne”, sugeriu o ministro.

A declaração de Haddad sobre o cashback converge com o posicionamento de Hulisses. Para o especialista, o instrumento, além de atingir diretamente quem mais precisa, injetaria bilhões à economia.

“Embora a aplicação do IVA sobre carnes possa tornar esses produtos mais caros, o cashback proporcionaria um alívio financeiro direto, permitindo que famílias de baixa renda continuem comprando proteínas essenciais, sem sentirem tanto o impacto no orçamento”, concluiu.

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