Avaliado no Brasil em 11 de agosto de 2017
Certa vez, num banheiro público, havia um poema:
Não há limites para a mente doentia de um ser humano
Muito menos para a criatividade de um autor.
Jantar Secreto está na minha lista há algum tempo. Como faço vez ou outra, coloquei-o como prioridade em minha wishlist, e literalmente devorei-o. Meu Deus, que livrão da porra. Valeu a pena, valeu muito a pena. Foi meu primeiro livro de Raphael Montes, e agora o motivo de o autor ser tão venerado: ele tem talento de sobra.
Antes de tudo, um lembrete sobre a edição: que livro lindo! Capa branca, bordas das páginas vermelhas. Se isso não é motivo o bastante para te fazer comprar o livro, leia a resenha. Garanto que, no fim do texto, já vai querer estar com seu exemplar em mãos.
O livro conta a história de quatro amigos que deixam o interior do Paraná e se mudam para o Rio de Janeiro, naquele comum sonho de seguir a vida na cidade grande. Dante, o narrador da história; Leitão, um hacker obeso (por ironia, Leitão não é um apelido, mas seu sobrenome); Hugo, que nutre o desejo de ser chef de cozinha; e Miguel, que sonha em ser médico.
Durante um tempo, tudo vai de vento em popa, mas as coisas começam a apertar. Empregos ruins, aluguel do apartamento cada vez maior. Não há muito a ser feito, exceto por uma brilhante ideia, baseada no Enigma da Carne de Gaivota: eles decidem servir um jantar de luxo, mas não é um jantar qualquer. É um jantar de carne humana. É, meus amigos. Eles começaram a servir Bumbum Gourmet. No começo, serviu para pagar as dívidas, o objetivo inicial do jantar, mas os jovens passaram a gostar daquilo. Aquela era uma mina de diamantes negros ainda não explorada, que os deixariam ricos da noite para o dia, ainda mais com Umberto, um dos primeiros convidados e um homem de grande nome no mercado, oferecendo-se para juntar-se à equipe Carne de Gaivota.
Miguel, o mais certinho do grupo, nadou contra a maré tanto quanto pôde. Hugo logo aceitou, pois era sua chance de mostrar quão bom na cozinha ele era. Leitão lidava com a parte burocrática da coisa, uma vez que os jantares eram reservados pela internet. Dante até pensou em não seguiu em frente, mas logo aceitou que aquela era a única chance de se livrar das dívidas.
Deu certo no começo, e só no começo. Como vocês podem imaginar, tudo sai do controle. Dante, antes tão pacato como Miguel, começa a procurar loucamente por homens para sexo casual (ele é gay), e até mesmo participa de orgias, acordando no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Hugo está com o ego cada vez mais inflado, Leitão está namorando uma "boa garota", Cora, que tem o desejo de ser escritora; e Miguel está ciente de que só está fazendo tudo isso por sua mãe, que está fazendo tratamento de câncer e precisa da grana.
O que antes começou com uma simples e ousada ideia acaba se tornando uma bola de neve com proporções gigantescas. Os garotos já não mandam mais em nada, e Umberto tem muito mais influência do que demonstra. Não dá para confiar em mais ninguém. Nem em si mesmo.
Como havia dito no começo da resenha, não há limites para a crueldade humana, muito menos para a criatividade de um escritor. A cada página, você sente raiva e repulsa de tudo o que está acontecendo, mas sente-se tentado a continuar. Assim como Dante, você quer descobrir como tudo vai acabar. Já não resta um pingo de humanidade ali.
Raphael Montes dá um show de escrita. A história é contada de maneira fluente e descontraída, uma vez que ela é contada por jovens que moram no Rio de Janeiro. Não há como ser mais descontraído e legal que isso. Gírias, tecnologia. Há até mesmo um capítulo apenas com prints do Whatsapp e memes. Isso mesmo, você não leu errado.
Talvez você, leitor, não esteja tão acostumado com isso, mas o livro é narrado como os livros em inglês, ou seja, os diálogos são com aspas, e não com travessões. Entretanto, isso não muda de maneira nenhuma a narração da história. Muito pelo contrário. Você não vê a hora de chegar no final e ver se todo mundo envolvido nessa merda teve o que merecia.
Raphael Montes merece o prestígio que recebe, e agora sei os motivos. Ele é a prova viva, assim como Eduardo Spohr, que a literatura nacional tem sim, livros de qualidade. É, eu sei. Como autor, posso dizer que não é nada fácil dizer que é escritor aqui no Brasil, mas esses carinhas me motivam a seguir em frente com meu sonho. Dias Perfeitos, publicado em 22 países e Suicidas, seu primeiro livro, que será republicado pela Companhia das Letras, serão adaptados para o cinema, assim como Jantar Secreto.
Torço pelo sucesso de Raphael Montes, e sigo em frente sabendo que Jantar Secreto é um dos melhores livros que li na vida. E de uma coisa eu sei: nunca mais olharei para uma gaivota da mesma forma.
Resenha realizada pelo blog Dicas do Jess