Moda
Publicidade

Por Gisela Dantas Niedzielski


A diretora criativa Silvia Fendi (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue

A notícia da morte de Karl Lagerfeld, em fevereiro passado, provocou reações emocionadas no mundo todo. A fama do venerado estilista ia muito além do universo da moda – ele era praticamente um pop icon da nossa geração, com uma imagem tão famosa quanto a das maisons que tocou. Sua partida deixou muitos com um senso apocalíptico de “e agora?”.

Quando o designer ingressou na Chanel, em 1983, a maison andava um pouco empoeirada – com sua criatividade incessante, Lagerfeld a transformou em uma das mais lucrativas da indústria. Mas a francesa não foi a única grife impactada por ele. A Fendi jamais seria o grande nome que é hoje antes da entrada do alemão. Atualmente parte do portfólio do grupo LVMH, a italiana na época era uma marca pequena, gerida por uma família de empreendedores em Roma. Lá, Karl ficou por 54 anos. Logo após sua chegada, rabiscou o famoso logo com dois “Fs” (um para fun e outro para fur) e depois criou vestido por vestido, casaco por casaco, transformando a grife em um império.

A história da Fendi começou em 1925, quando Edoardo e Adele Fendi abriram uma pequena loja na capital italiana para vender suas criações de couro e pele. A partir de 1946, a marca passou a ser dirigida pela segunda geração da família – Anna, Paola, Franca, Carla e Alda, carinhosamente conhecidas na indústria como as “Fendi Sisters”.

Looks do desfile de alta-costura da Fendi apresentado em julho, em Roma. (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue

Filha de Anna, Silvia Venturini Fendi tinha apenas 5 anos quando as irmãs decidiram contratar Lagerfeld como diretor criativo, em 1965. Única herdeira a ainda trabalhar na marca, cresceu no estúdio de criação ao lado de Karl. “Penso que ele sempre achou curioso uma criança se interessar pelo trabalho no ateliê. Era para lá que eu ia depois da escola”, conta ela, que, depois de se formar, passou a dedicar-se em tempo integral à grife. Com o tempo, os dois viraram grandes amigos – e Silvia passou a atender pelo cargo de diretora criativa de acessórios. Nos últimos desfiles, subiam juntos à passarela para receber os aplausos. Após a morte de Karl, foi ela quem assumiu integralmente a grife, uma escolha lógica comunicada sem grandes alardes.

A designer sempre foi uma enorme força para a Fendi. Nos anos 90, criou a bolsa Baguette, a primeira it-bag da história. De um dia para o outro, uma febre tomou conta do mercado, como se coletivamente todas as clientes de luxo tivessem decidido que precisavam ter a mesma bolsa.

Para celebrar o mais longo love affair da indústria da moda, a grife apresentou em Roma, em junho passado, um desfile de alta-costura composto de exatos 54 looks. Foi a estreia de Silvia na passarela sozinha. “Eu não sou o clone de Karl”, me disse,“ mas vasculhei os nossos cadernos em busca de inspiração.”

Clique da fila final da apresentação (Foto: Divulgação) — Foto: Vogue

Foi no imponente Palazzo della Civiltà Italiana, headquarters da marca, que tive uma breve conversa com Silvia, horas antes da apresentação. O palazzo cuja fachada de arcos virou símbolo da marca foi encomendado em 1935. Esse breve mergulho pela história romana me fez refletir sobre o futuro da Fendi. Será que ainda há espaço no mundo fur free em que vivemos para uma grife conhecida principalmente pelo seu impecável trabalho com pele? Ao que Silvia me respondeu, com o enorme charme e a eloquência de quem já havia falado muito sobre o assunto: “Nós ainda não estamos preparados. Muitas marcas abraçam o fur free pelo retorno imediato de marketing, com pouco conhecimento do que é mesmo ser sustentável”.

O que não significa que ela já não venha buscando alternativas. A diretora criativa me mostra, por exemplo,umdos looks do desfile, um sobretudo de cashmere incrivelmente trabalhado para parecer exatamente como pele – e muito mais sustentável que a fake fur, por se tratar de uma fibra natural. Continuamos a observar o trabalho meticuloso do ateliê e, antes de nos despedirmos, Silvia me confessou: “Se eu não morasse em Roma, viveria no Rio de Janeiro. No meu coração, sou carioca”.

Mais tarde, no suntuoso desfile armado entre o Coliseu e o Templo de Vênus, no alto do monte Palatino, todas as criações foram exibidas tendo como pano de fundo a vista mais bonita da cidade. A escolha do lugar tinha sido de Karl, antes de sua morte – e a marca se comprometeu com um grande trabalho de restauração do templo, que receberá aporte de € 2,5 milhões. Um vestido de chiffon com estampa de quartzo e mármore fechou a apresentação – e a silhueta em estilo renascentista com o tromp l’oeil da estampa evocavam um passado mágico sem deixar de ser uma criação claramente atual. Não restaram dúvidas de que a perda do kaiser não vai deixar de fazer da Fendi uma marca do futuro.

Mais do vogue