Enquanto as mulheres conquistam um espaço cada vez maior nas empresas, seja como empreendedoras ou líderes, as barreiras psicológicas ainda ameaçam esse ritmo de evolução da representatividade feminina. Entre elas, a chamada “síndrome da impostora”, quando a pessoa se acha uma fraude e teme que as outras pessoas descubram que ela não é tudo aquilo que veem.
Uma pesquisa feita pela StartSe, plataforma de conteúdo e eventos sobre temas da nova economia, em parceria com a OpinionBox, mostrou que, das 783 mulheres em posições de liderança ouvidas em todo o Brasil, 43% delas apontaram medo de falhar como uma das assombrações para evoluir na carreira, enquanto a dificuldade em falar sobre suas conquistas profissionais é descrita por 52%, dois sintomas intimamente ligados à síndrome da impostora. Essas são duas das 15 barreiras mentais identificadas em mulheres em cargos de liderança pela pesquisa.
A pesquisa “Panorama Mulheres nos Negócios” procurou mapear as barreiras mentais que acometem empreendedoras e executivas, se elas têm um planejamento de carreira, quais as super habilidades e ainda se há suporte por parte das empresas em que trabalham para promover o crescimento da participação feminina.
“Sabemos que essas barreiras psicológicas são muitas vezes resquícios da forma como fomos criadas (e consequentemente da forma como os nossos pais foram criados), de como interagimos com a sociedade e como ela nos vê, das referências que vemos na mídia (ou falta de referências), entre outras esferas da nossa vida. No longo prazo, se não tratadas, elas podem acabar fazendo com que as líderes não consigam exercer seu máximo potencial, e até percam oportunidades profissionais”, comenta com o Valor Investe Lara Nardy, líder de Inteligência e dados da StartSe.
Para ela, o importante é conseguir o quanto antes identificar os sintomas e proativamente buscar formas de combater essas barreiras mentais.
Pensando nas frases abaixo e considerando o seu contexto profissional atual, o quanto você concorda com cada uma delas? (Concordo totalmente + Concordo parcialmente):
Barreiras mentais | Respostas |
Eu já evitei falar sobre as minhas conquistas profissionais por medo de parecer vaidosa ou orgulhosa demais | 52% |
É um desafio recorrente para mim ter que lidar com o estereótipo de que as mulheres são demasiadamente emocionais | 46% |
Frequentemente tenho que lidar com o receio de falhar em situações ou missões importantes | 43% |
Desenvolver uma boa rede de contatos é desafiador para mim, especialmente com tomadores de decisão | 41% |
Sinto que eu não recebo o suporte profissional necessário para equilibrar as diferentes responsabilidades pessoas, sociais e profissionais | 41% |
No ambiente profissional em que circulo, as políticas e culturas não promovem um tratamento equilibrado de gênero | 40% |
Tenho dificuldade em desenvolver e executar um plano de carreira que me ajude a crescer profissionalmente | 39% |
Tenho muita dificuldade quando preciso pedir recursos para um projeto ou investimentos para a minha empresa | 38% |
Em momentos importantes, é comum ser dominada por uma falta de confiança ou pelo excesso de timidez | 37% |
Minha auto exigência e meu perfeccionismo exagerado prejudicam a minha carreira | 36% |
É difícil para mim falar sem vergonha do meu sucesso profissional e encontrar o equilíbrio entre humildade e segurança | 36% |
Muitas vezes não consigo dar minha opinião com segurança e credibilidade, especialmente em contextos intimidadores | 36% |
Eu sinto dificuldade em dar a minha opinião com segurança e credibilidade em reuniões, sobretudo quando o ambiente é mais masculino | 35% |
Eu já deixei de realizar alguma atividade ou projeto na empresa por receio de falhar | 34% |
Tenho um sentimento recorrente de que no fundo eu sou uma fraude e incapaz de desempenhar determinadas missões | 30% |
Quando são avaliadas as respostas por faixa de idade, as mais jovens (entre 18 e 29 anos) são bem menos confiantes que as mais velhas (30 a 49 anos). A dificuldade em falar sobre as conquistas, por exemplo, foi apontada por 63% das jovens e 47% das mais velhas. Perguntadas se precisam lidar frequentemente com o receio de falhar em situações ou missões importantes, 52% das mais jovens e 39% das mais velhas responderam que sim.
Com relação ao "networking", desenvolver uma rede de contatos é um desafio para 47% do primeiro grupo e 38% do segundo. Até o desafio de lidar com estereótipos de que as mulheres são demasiadamente emocionais foi visto mais entre as mais novas (57% versus 40% das demais).
“Acredito que isso esteja muito relacionado à pouca maturidade profissional e experiência em ambientes corporativos. Essas líderes mais novas, muitas vezes em início de carreira, ainda estão em fase de se descobrirem profissionalmente, e é natural que as inseguranças sejam mais frequentes. E ainda, quando elas ingressam no mercado de trabalho se veem em ambientes com lideranças ainda majoritariamente masculinas, e infelizmente muitas vezes com comportamentos machistas, o que não favorece o desenvolvimento profissional dessas mulheres”, diz Lara.
Plano de Carreira
Quando questionadas sobre seus planos profissionais, apenas 39% das entrevistadas disse que têm uma visão clara de onde quer chegar nos próximos anos e o que precisa fazer para chegar lá. Outra parcela, de 29%, disse que até sabe onde quer estar, mas não sabe o que fazer para conseguir. Das respondentes, 17% afirmaram não pensar sobre planejamento de carreira e estar feliz com as atuais conquistas e 15% falaram que não pensam e que sente que isso prejudica o crescimento profissional.
“Quando falamos em planejamento de carreira, sentimos o reflexo de algumas barreiras mentais. O receio de falar sobre conquistas e o medo de falhar nos impedem de sonhar alto e, mais do que isso, de nos planejar para conquistar nossos sonhos. Incentivar as mulheres ao nosso redor a falar sobre os objetivos e traçar planos para isso é um importante agente de mudanças para que nós mulheres possamos garantir o futuro profissional que quisermos”, diz Daniela Shermann, líder de Marketing no Opinion Box.
Entre os principais desafios para planejar a carreira elas apontam: traçar metas de curto, médio e longo prazos; estipular o prazo para chegar na meta; definir o próprio objetivo da carreira; manter a execução no cronograma estipulado; planejar o que é preciso fazer para atingir o objetivo; e saber identificar os pontos fortes e fracos para melhorar, entre outros.
Habilidades
Entre as habilidades que as profissionais identificam que têm maior domínio estão capacidade para resolver problemas, inteligência emocional, gestão de equipe, capacidade analítica, habilidades de negociação e de falar em público, saber sobre finanças e educação financeira, criar rede de contatos (networking) e espírito empreendedor – todas essas foram apontadas por mais de 60% das respondentes. Porém, um tanto de mulheres que não disse ter domínio dessas habilidades pontuou que sabe que elas são importantes para a construção da carreira.
"Uma coisa que percebemos muito falando com diversos líderes aqui na StartSe é que o mercado está nos desafiando a ter habilidades cada vez mais híbridas, ou até o que chamamos de 'metaskills', as habilidades que nos permitem aprender novas habilidades. Existe um novo ritmo nos negócios, em que ter competências mais amplas é extremamente necessário em um mercado em constante transformação, e também um desafio geral. E vejo que isso se dá pois muitas pessoas ainda não pararam para pensar nessas habilidades como, de fato, habilidades, e consequentemente não trabalham ativamente para desenvolvê-las", diz Lara.
Conhecimentos em novas tecnologias, conhecimento mercadológico e networking são as habilidades que tiveram maior diferença entre quem disse que é relevante mas não têm domínio da habilidade.
"Falando especificamente de conhecimentos em novas tecnologias, acredito que há um misto: de um lado cursos universitários e áreas de tecnologia nas empresas ainda terem majoritariamente homens, e nesse último caso, áreas essas que continuam contratando mais homens que mulheres para essas posições. E do outro lado, ainda poucas mulheres ingressando em áreas de tecnologia na universidade e no trabalho, seja por falta de incentivo ou referências no ramo", pontua Lara.
Apoio da empresa
A pesquisa mostrou ainda que boa parte (52%) de quem trabalha em empresas grandes (acima de 100 funcionários) apontou ainda um número maior de homens na liderança em relação à participação feminina (só 15% disseram ter mais mulheres). Nas empresas de 10 a 99 funcionários, 41% destacaram que a maioria dos cargos mais altos são ocupados por homens, enquanto 25% disseram ter mais mulheres na liderança.
![Suporte da empresa para aumento participação feminina — Foto: StartSe e OpinionBox](https://cdn.statically.io/img/s2-valor-investe.glbimg.com/6oQk0typky654fNtFEnxRYgNIf4=/0x0:567x312/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_f035dd6fd91c438fa04ab718d608bbaa/internal_photos/bs/2021/4/6/fUOL8oSdm7bsnFAu9i1A/pesquisa-1.png)
Empreendedorismo
Apenas 8% das entrevistadas são donas ou sócias de uma empresa e, por isso, não foram feitas comparações entre as empreendedoras e as executivas. As barreiras mentais, contudo, são compartilhadas por todas.
“O empreendedorismo é também um estado de espírito. Está na nossa capacidade de inovar, de buscar soluções para problemas, mesmo dentro da sua própria empresa. Nunca antes a tecnologia favoreceu tanto a inovação e desenvolvimento de novos negócios, e nós como StartSe entendemos que temos um papel importante nisso também, fomentando a discussão em torno do empreendedorismo feminino e apoiando através de conhecimento e prática aquelas que estão nessa jornada”, finaliza Lara
![— Foto: GettyImages](https://cdn.statically.io/img/s2-valor-investe.glbimg.com/sTNeFchkF9oHFzGfjXsnKxDhK7o=/131x86:2026x1032/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_f035dd6fd91c438fa04ab718d608bbaa/internal_photos/bs/2021/d/z/Uhfz73SHA3nF5j96G8BA/gettyimages-1301342988.jpg)