Memecoins, as criptos 'divertidas' da internet, sobem 1.386%: investimento ou apenas diversão?

De acordo com o relatório da Coingecko, no primeiro semestre deste ano, o Brasil se tornou o segundo maior mercado das memecoins, atrás apenas dos Estados Unidos, com participação de cerca de 9% das transações globais desses ativos.

Na comparação com o bitcoin, a valorização desse tipo de criptomoeda é ainda mais sedutora: a principal cripto do mercado subiu em torno de 40% no período, marcado pela nova máxima histórica, alcançada em março, com o aumento da demanda, após o lançamento de ETFs (fundos de índice negociados em bolsa) nos Estados Unidos. A pergunta que fica é: memecoins são bons investimentos?

Elas são uma categoria de criptomoedas que nascem, principalmente, de memes e piadas na internet ou um tema específico que gere engajamento nas redes sociais. Assim como o bitcoin e o ethereum, por exemplo, também são criptos criadas com tecnologia blockchain e podem vir a ter um valor sustentado por uma comunidade e um ecossistema tecnológico em torno delas. No entanto, 90% das memecoins têm seu valor impulsionado pelo interesse temporário gerado pelo “hype", quer dizer, o meme que virou febre naquele momento.

Não raro, grande parte das denominadas memecoins não têm nenhum valor real, ou seja, diferentemente de outros tipos de ativos, não têm lastro em nada palpável, como as ações, que são a fração de uma empresa, portanto, têm lastro na sua produção, no seu lucro etc. Isso sem contar que as memecoins podem desaparecer tão rápido quanto nascem, e ainda trazer muito prejuízo aos investidores.

De acordo com a plataforma de dados CoinMarketCap, sete memecoins têm capitalização de mercado acima de US$ 1 bilhão, alcançando a cifra de US$ 35 bilhões, somadas.

A rede blockchain Ethereum é o maior “berço” de memecoins, onde nasceram as famosas Dogecoin (DOGE) e Shiba Inu (SHIB), ambas inspiradas na raça de cachorro japonesa Shiba.

Dogecoin foi “adotada” por Elon Musk e, desde seu lançamento, passou a ter maior relevância, somando cerca de US$ 18 bilhões, já sendo a nona maior cripto em valor de mercado. Na segunda posição, a Shiba Inu gira em torno de US$ 10 bilhões.

Tudo isso, valendo “poeirinhas” de centavos de dólar por unidade. Para se ter uma ideia, o preço médio de Dogecoin, no começo de junho, está em US$ 0,119. O de Shiba Inu, em US$ 0,00001643.

A rede Solana, concorrente direta de Ethereum, vem aumentando sua oferta desse tipo de cripto, sendo que a valorização de seu primeiro token (SOL) avança conforme o maior volume de lançamentos e negociação de memecoins em seu ecossistema. No acumulado do ano até junho, solana subiu 40%. Em 12 meses, saltou quase 900%.

O relatório do Coingecko destaca que, das dez maiores memecoins lançadas na rede Solana, apenas Bonk (BONK) e Samoyedcoin (SAMO) existiam antes do último trimestre do ano passado. Estas duas também com tema de cachorros fofos, que é um "tópico" bastante recorrente entre as memecoins.

Memecoins foram de longe a “temática cripto” mais lucrativa no primeiro semestre de 2024, chegando a registrar um retorno médio superior a 1.800%, de acordo com o relatório, com algumas excepcionalidades, como o Brett (BRETT), “o melhor amigo do Pepe”, que saltou 7.000% em menos de um mês. PEPE, cripto baseada no meme da internet "Pepe the Frog", também foi hit nos primeiros meses deste ano, apesar de ter sido lançada há mais tempo.

A queridinha do ano, no entanto, é a dogwifhat (WIF), memecoin do cachorro com gorro de crochê, que acumula uma valorização de 1.700%, no acumulado do primeiro trimestre, mas perdeu tração nos últimos meses. Até 3 de julho, o ganho “caiu” para 1208%, mas já é a quarta maior da categoria, chegando a US$ 2,2 bilhões.

Memecoin é uma “aventura” ou um investimento sustentável?

O próprio nome já dá uma pista: “meme”, adianta Murilo Cortina, diretor da QR Asset Management, citando que projetos como bitcoin, ethereum ou de ecossistemas de finanças descentralizada (DeFi) procuram utilizar a tecnologia blockchain com alguma utilidade específica.

“Porém, quando olhamos para memecoins, não há nenhuma proposta clara, apenas um sentimento de ‘comunidade’ para criar uma moeda com algum tema mais cômico e se sustentar com base em entusiastas”, afirma.

“Não existe dinheiro fácil e rápido”, alerta Cortina. “Quando investimos em um setor tão novo quanto o de criptoativos, temos que ter em mente que ainda é um mercado em construção a partir de uma tecnologia inovadora, com potencial disruptivo que pode impactar nossa sociedade nos próximos anos”, ressalta.

No entanto, Cortina pondera que “memecoins não possuem nenhuma proposta de valor clara”. “Elas apenas seguem a narrativa de uma espécie de ‘brincadeira’ no âmbito do mercado financeiro.”

E a especulação pode ser sentida em pouco tempo: “Da mesma forma que o preço de uma memecoin pode subir através da adoção de mais pessoas a essa brincadeira, pode também cair drasticamente à medida que ‘perde a graça’.”

“O engajamento de comunidades é algo que não era possível no mercado financeiro tradicional até a evolução da tecnologia blockchain”, avalia Cortina. “Hoje, um grupo de pessoas pode criar um meio de investimento em qualquer narrativa específica que queira investir coletivamente.”

E é justamente aí que “mora o perigo”.

O investimento em memecoins “traz riscos enormes e pode levar pessoas a perdas substanciais”, alerta Cortina. Para ele, mesmo projetos como Dogecoin, Shiba Inu e Pepecoin, chegando em níveis de captação de mercado de bilhões de dólares, não podem ser tratados como investimentos de sucesso devido à falta de valor proposto por estas moedas.

O site TokenPost relacionou pelo menos 12 memecoins lançadas em Solana, no primeiro trimestre, que tiveram pré-venda, captaram alguns milhões de dólares e praticamente desapareceram.

A publicação cita como exemplo a 'I like this coin', com ticker LIKE.

O “fundador” do projeto, que utiliza o pseudônimo pokeee.eth na rede X (ex-Twitter), levantou 52.220 solanas (SOL), cerca de US$ 7 milhões (na cotação de 3 de julho) e colocou a cripto no mercado em 11 de março, saltando a um valor de mercado de mais de US$ 570 milhões. No entanto, antes do final do primeiro dia, todo esse volume de dinheiro evaporou, com a cotação inicial caindo mais de 90%. E pokeee.eth original se mistura com pelo menos oito outros perfis de mesmo nome no X.

A tal LIKE estreou valendo míseros US$ 0,0054328 e encerrou o dia a US$ 0,0014163. Em 30 de junho “valia” US$ 0,0004219, isto é, um tombo de 92%, ante o lançamento, de acordo com o Gecko Terminal.

“Memecoins são mais aventuras do que investimentos sustentáveis”, avalia Rodrigo Cohen, analista e co-fundador da Escola de Investimentos. “Qualquer investidor, seja iniciante ou não, pode acessar esse mercado, em busca de ganho alto no curto prazo, com certeza”, afirma. “Agora, é preciso saber que você pode perder o seu dinheiro todo, apostando em um investimento bem exótico.”

Para ele, a estratégia para quem quer arriscar pode ser a de investir uma quantia bem pequena. Exemplificando com memecoins que se valorizaram 1.000%, o investidor pode aplicar R$ 100. Se valorizar novos 1.000%, ganha R$ 1.100. Se cair 99%, fica com R$ 1.

“Investimentos que se pode ganhar muito, também se pode perder muito, ou até perder tudo”, alerta Cohen, acrescentando que, em hipótese alguma, deve ser alocado “o dinheiro que você não pode perder”.

“Muito investidor, iniciante principalmente, tem aquele ímpeto, aquela vontade de ficar muito rico, muito rápido e fácil”, aponta. “A gente sabe que isso não existe, mas pode ter sorte. Se ganhar muito, vai ser mais pela sorte do que pelo fundamento.”

O segmento de memecoins pode ser tão irônico que existe uma delas chamada Memecoin (MEME), token nativo do projeto Memeland, desenvolvido pela 9GAG, plataforma onde memes, GIFs e outros recursos de entretenimento são compartilhados por pessoas no mundo todo. MEME foi lançada em outubro do ano passado, a US$ 0,02031. Atualmente, caiu de patamar para US$ 0,01599, após praticamente triplicar seu valor, em março, a US$ 0,05706.

Portanto, as memecoins valem muito mais como diversão do que como investimento.