Com uma participação cada vez mais crescente no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o agronegócio tem se tornado uma opção de investimento para diversos perfis, do varejo ao investidor institucional. A necessidade de financiamento, para além das linhas oficiais, também torna o mercado de capitais atrativo para os produtores rurais obterem recursos para suas atividades.
No entanto, o financiamento da agricultura familiar, que corresponde a 70% da produção de alimentos consumidos no País, ainda não tem tanto espaço no mercado de capitais. Para mudar esse cenário e trazer investidores ao segmento, uma nova leva de produtos de investimento começa a ser lançada no mercado, ainda que de forma cautelosa, se aproveitando do crescimento das aplicações da tecnologia blockchain, que permite a tokenização de ativos reais, a custos mais baixos e mais acessíveis ao investidor.
Tokenização nada mais é do que o processo de transformar ativos reais (como uma safra de milho, por exemplo) em digitais, divididos em muitas frações e que, portanto, podem ser negociadas separadamente ou em grupo, dependendo da estratégia do investidor.
No mercado tradicional, estão disponíveis para investimentos os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) e as ações de companhias negociadas em bolsa. Conforme o setor foi aumentando seu peso na economia do Brasil, também cresceram as emissões desses produtos (veja gráficos).
Por meio da tecnologia blockchain, tokens lastreados na produção agropecuária, tokens de CPRs (Cédula do Produto Rural), tokens de CCBs (Cédulas de Crédito Bancários) e CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) tokenizados já estão disponíveis para investidores e para produtores rurais que querem se capitalizar e transacionar no ecossistema cripto.
A tecnologia blockchain, base para a criação das criptomoedas e dos chamados “contratos inteligentes” (smart contracts), permite a criação, o registro e as negociações de tokens (fração digital de ativos), com segurança (pois não permite adulteração dos dados), custos menores (porque elimina alguns intermediários dos processos tradicionais) e previsibilidade (com a utilização dos contratos inteligentes, onde todas as condições são executadas automaticamente).
“A tokenização é só um instrumento, um veículo de investimento”, ressalta Daniel Coquieri, presidente da Liqi, uma das maiores plataformas de tokenização do país. Assim como outros profissionais do segmento, ele reforça que “o investidor não quer saber sobre a tecnologia; ele quer saber de risco e retorno”.
A Liqi já tokenizou mais de R$ 100 milhões em crédito privado, em diversos setores, além do agronegócio, com mais de 9 mil investidores pessoas físicas que compraram, pelo menos, um token na plataforma. “Ainda é muito pouco perto de todo o mercado, é muito incipiente ainda”, reconhece. “Mas é uma ferramenta que está crescendo rapidamente.”
Especificamente voltados ao agronegócio, a Liqi emitiu e transacionou tokens de 82 emissões da Nagro, uma fintech especializada na concessão de crédito a pequenos produtores rurais.
Assim como cotas de fundos de investimento e ações, o investidor pode adquirir quantos tokens achar mais conveniente conforme sua estratégia. Por serem classificados como criptoativos, as transações com tokens são isentas de Imposto de Renda até o limite mensal de R$ 35 mil. Mas como todo investimento em renda variável, não tem cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) em caso de "calote" dos emissores. O FGC cobre alguns ativos até R$ 250 mil por CPF, em cada instituição financeira.
A tokenização de CPR (Cédula de Produto Rural) também já foi realizada pela Liqi, em 2021, em um projeto de financiamento do Grupo Gaia para viabilizar a produção da Raiar Orgânicos. Por meio da emissão de 54 mil tokens “IRO1”, foi captado R$ 1,4 milhão. O retorno aos investidores foi de 0,67% ao mês. A proposta envolvia o chamado “investimento de impacto”, modalidade que propõe rentabilidade com compromisso de gerar impactos sociais e ambientais.
Commodities tokenizadas
Também é a partir da tokenização de CPRs que a Agrotoken transforma commodities agrícolas em ativos digitais. A plataforma, criada na Argentina em 2021, atualmente concentra 90% de sua atuação no Brasil e foi citada em estudo do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) com um dos cases de tokenização de ativos reais a serem observados.
Cada token emitido pela Agrotoken representa uma tonelada da commodity de referência: milho (CORA), soja (SOYA) e trigo (WHEA). Em breve, também será possível ter a representação digital de etanol, açúcar e café, de acordo com Ariel Scaliter, co-fundador e gerente de tecnologia da empresa. “Nosso objetivo no curto prazo é tokenizar mais de 1 milhão de toneladas no Brasil durante a safra 2023/24."
Os tokens da Agrotoken ainda não são utilizados como investimento, mas como moeda digital para pagamentos e aquisição de bens pelos produtores rurais. Nesse sentido, pode ser enquadrado como uma stablecoin, isto é, criptomoeda pareada a um ativo real.
“Os agrotokens são integralmente lastreados por ativos físicos e indexados a índices de mercado respeitados, como Esalq, Cepea/B3, Argus, Platts e Safras e Mercados”, explica a empresa. “O valor é atualizado em tempo real na plataforma, tornando o token um ativo estável e confiável. A estrutura de lastro e indexação nos permite mitigar os riscos associados às flutuações dos mercados internacionais de commodities.”
Desde janeiro do ano passado, a Visa emite no Brasil o cartão de crédito internacional Agrotoken Visa, "carregado" com os tokens e convertidos em reais, que podem ser usados em todos os estabelecimentos credenciados à bandeira.
“Esse é um caso que atende tanto o interesse da Visa, que está sempre procurando novas formas de oferecer pagamentos, quanto do agricultor brasileiro, que enfrenta muitas dificuldades e burocracia para comprovar todas as questões envolvendo a plantação e a colheita e conseguir crédito”, analisa Cristiane Ferreira, diretora Executiva de Inovação da Visa do Brasil.
Mercado regulado
O desenvolvimento de investimentos tokenizados tem contado com o “apadrinhamento” da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que criou, em 2021, o sandbox regulatório, um ambiente experimental em que as gestoras e outros participantes do mercado aplicam suas propostas de produto e, caso aprovadas, recebem autorizações temporárias para colocação no mercado e seguem sob supervisão do regulador.
A Vórtx QR Tokenizadora - parceria (joint venture) dos grupos Vórtx e QR Capital - é a primeira plataforma de negociação de valores mobiliários tokenizados regulada do Brasil e deve lançar nos próximos meses, CRAs tokenizados, por ora, só para investidores profissionais e qualificados, conforme prevê a regulação.
“A tokenização entra como uma alternativa para ajudar a criar ambientes de negociação alternativos, que depende da adesão dos participantes de mercado para crescer”, pontua Fernando Carvalho, presidente da Vortx QR Tokenizadora.
Carvalho reforça que “o mercado de tokenização de valor imobiliário está em uma fase de teste, dentro do sandbox regulatório da CVM”. “É um estágio de evolução, com uma expectativa de chegar ao investidor de varejo em aproximadamente dois anos, em função da regulação.”
Na avaliação de João Paulo Pereira, especialista em Inovação e Tecnologia aplicada aos Serviços Financeiros da Microsoft, o potencial da tokenização de ativos agrícolas também pode ser usado para maior inclusão financeira, especialmente de pequenos agricultores e povos quilombolas, por exemplo.
“A tokenização não precisa se referir à terra inteira, mas a um hectare, em uma determinada época do ano ou parte do processo de plantio", aponta Pereira. "Isso pode dar acesso a diferentes tipos de créditos para cada fase da produção. Esse é um dos casos de uso factíveis que destravam valor no mercado e fazem a inclusão."
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