Blog - Naiara com Elas

Por Naiara Bertão, Valor Investe — São Paulo


No último dia de fevereiro de 2018 eu fiz uma promessa a mim mesma: aos 33 congelar meus óvulos e tirar a pressão de ter filhos, se, quando eu chegasse lá, ainda não quisesse ser mãe. No dia da promessa eu estava prestes a “fazer” 30 anos. As aspas são porque eu realmente não fiz aniversário naquele ano, uma vez que nasci dia 29 de fevereiro e só faço mesmo aniversário a cada 4 anos e 2018 não foi ano bissexto. Mas, na prática e biologicamente, lá estava eu trintando e postergando uma decisão que, para mim, e acredito que para muitas de vocês, sempre foi muito difícil: ser ou não ser mãe e, se sim, quando.

Na ciência comportamental, dois vieses costumam explicar porque postergarmos decisões importantes: o viés do presente acaba nos levando a colocar mais peso no que é importante no presente do que no que precisamos fazer para nos dar melhor no futuro; e o desconto hiperbólico, que é um nome complicado para dizer que nós tendemos a minimizar o peso do futuro, o que poderemos ter e nos deparar lá na frente, porque ele parece muito distante. Inclusive, estudos mostram que quando pensamos em nós daqui a muitos anos, a área do cérebro que ativa é de que nos enxergamos como outras pessoas e não nós mesmas.

Eu estava indo bem no trabalho, tinha ótimos amigos e amigas, já conseguia guardar dinheiro para viajar e para reserva de emergência/aposentadoria (fruto de uma decisão certa de fazer planejamento financeiro por um ano com um especialista), ou seja, as coisas até, superficialmente, pareciam sob controle. Mas não estavam.

Eu estava frustrada por dentro. Aos 30 anos, minha mãe já tinha tido 3 filhas, já morava na casa própria e estava feliz. Eu, como a maioria das minhas amigas na ocasião, não tinha tido filhos ainda, nem sequer tinha um namorado para chamar de meu, e estava, ainda que inconscientemente, sofrendo com a possibilidade de nunca mais – MESMO – ter a chance de compor uma daquelas seletas listas de “Pessoas de Destaque antes dos 30 anos” (em algum momento eu realmente via isso como “O” sinônimo de sucesso profissional).

Tinha tentado fazer mestrado fora, passei no curso, mas não consegui a bolsa, outra frustração. E a cada consulta na ginecologista ela me perguntava se eu pensava em ter filhos e avisava – sabiamente – que o meu relógio biológico estava ticando cada vez mais alto, como um alerta de que eu não tinha muito tempo para decidir.

Aquela promessa, porém, me tirou um grande peso da já tão complexa fase que eu passava. Mas os 33 chegaram, e muito mais rápido do que eu previa. Cá estou eu tendo que repensar minha promessa a mim mesma e me fazer de novo aquelas perguntas tão difíceis de serem respondidas, pelo menos para mim: Eu quero ter filho? Se sim, quando?

Foi essa inquietação que me motivou a, pelo menos, pesquisar melhor sobre a possibilidade de congelar meus óvulos. Procurei a clínica Huntington Medicina Reprodutiva e conversei com o doutor Eduardo Motta sobre o assunto.

“O ápice da carreira vem ao redor de 35 anos, é quando as melhores oportunidades tendem a aparecer, já que a carreira já está mais encaminhada. E obviamente existe nesta fase um claro dilema entre manter o lado profissional, da carreira e aproveitar as oportunidades ou priorizar a saúde e a habilidade reprodutiva”, comenta.

A primeira coisa que eu perguntei é se é comum as mulheres se arrependerem de não terem congelado os óvulos antes. E ele me disse que, na verdade, não há um arrependimento, mas sim um sentimento de que foram de certa forma “enganadas”, porque nunca alguém havia, de fato, conversado com elas sobre opções, alternativas, mais cedo.

Lembrou que o percentual de mulheres que, em países desenvolvidos como os nórdicos, que têm um bom sistema de seguridade social, realmente optam por não ter filhos é de apenas 10% aproximadamente, de acordo com pesquisas. Ou seja, tem várias mulheres que acabam decidindo, anos depois, que querem, mas já é um pouco “tarde”.

Por que fica tarde?

A explicação que o doutor Motta me deu faz todo sentido: considerando que a mulher comece a menstruar por volta de 12 anos e que a menopausa acontece em torno de 52 anos, os 32 anos é metade do caminho. O que na prática isso significa? Duas coisas.

A primeira é que a nossa capacidade de reprodução reduz com o tempo. Nascemos com cerca de 7 milhões de óvulos, valor que cai para 500 mil quando ocorre a primeira menstruação, e que chega a menos de 25 mil aos 42 anos (20 vezes a menos que aos 12). Todo mês, o nosso corpo é bombardeado com estímulos que fazem os folículos ‘maturarem’ e se tornarem óvulos preparados para a fecundação. São os mais “fáceis” que vão antes – os mais “resistentes” ficam para o final.

A segunda é que, além do número de óvulos ir diminuindo drasticamente com a idade e nem todos eles ‘toparem ir para o rolê’ facilmente, com o envelhecimento acontece também a perda da qualidade. Tudo pode interferir: poluição, radiação, medicações, além do acúmulo de erros da divisão do material genético do futuro embrião. Uma estatística que me chocou:

Os riscos de abortos e malformações sobem consideravelmente com a idade da mulher. O risco para a Síndrome de Down, por exemplo, é de 1 a cada 1.250 mulheres aos 25 anos, 1 para cada 952 aos 30 anos, 1 para cada 400 aos 35 anos e 1 em cada 100 mulheres aos 40 anos!

“Existe uma chamada da classe médica para alertar essas meninas de que, embora possam privilegiar o lado da carreira e da vida, precisam pensar na queda da habilidade produtiva. Vão surgir questões, sejam para as casadas, que tenham namorado ou solteiras. A informação é essencial para elas terem base para tomar a decisão que acharem melhor”, disse o doutor Motta.

Como funciona, então, o congelamento?

O que é congelado é o óvulo já maduro, pronto para a fecundação. E para que as clínicas consigam coletá-lo, é preciso alguns passos:

- A pessoa que decide seguir com o procedimento precisa primeiramente fazer vários exames para entender a saúde do ovário, a reserva ovariana (feitos com exame ultrassom transvaginal) e até a predisposição genética para doenças.

- No 3º dia da menstruação, a pessoa precisa começar um tratamento de indução da ovulação que dura cerca de 10 dias e é feito com injeção de hormônios. São todos importados e custam caro – em torno de R$ 4 mil a R$ 5 mil. O objetivo aqui é induzir a maturação da maior quantidade de óvulos possível.

- Depois é feita a coleta dos óvulos e testes para saber qual a sua saúde. Dá para fazer um exame que faz o diagnóstico genético pré-implantacional (PGD), que analisa geneticamente os embriões obtidos em fertilização in vitro.

Em média, são 10 a 15 óvulos guardados – congelados em nitrogênio líquido a -196ºC e armazenados para a hora que a pessoa decidir usá-los. O procedimento de coleta e congelamento custa em torno de R$ 12 mil a R$ 15 mil. Mas... todo ano a paciente precisa pagar uma manutenção pela armazenagem, que varia entre R$ 1 mil a R$ 1,5 mil.

“Do ponto de vista prático, a preservação das células é muito boa; os óvulos congelados são entregues em igual qualidade e todas as crianças nascidas dos óvulos congelados não têm nenhuma malformação e desenvolvimento psíquico, neuronal, vegetativo – algo que as pessoas sempre perguntam. O congelamento não causa danos e pode ser mantido por muito tempo, o tempo necessário para a mulher decidir”, explica o médico.

E depois, como fazer para “usar” os óvulos?

Em média, as mulheres deixam o óvulo congelado por cinco anos até decidir o que fazer. Para usá-lo, ou seja, fecundar o óvulo e ter o(a) filho(a), é um procedimento simples, segundo doutor Motta. Tomada a decisão, os óvulos são descongelados, os melhores (dos 10-15, dois ou três são muito bons) e a sua fecundação (com o espermatozoide) é feita em laboratório. O embrião é, então, introduzido no útero da mãe em determinado momento do ciclo menstrual e lá a mágica toda da gravidez acontece.

Essa terceira fase custa em torno de R$ 5 mil a R$ 10 mil, dependendo da clínica e lembrando que sempre há reajustes de preço com o tempo. Mas, na real, é a partir do nascimento mesmo que os gastos realmente começam....

Quanto eu preciso ter de dinheiro?

Essa é uma dúvida super importante e confesso que, apesar de ter feito aquela promessa a mim mesma três anos atrás, eu não reservei dinheiro especificamente para isso. Tenho sim um dinheiro que poderia usar, mas não pensei nessa finalidade. Para retomar os valores:

Remédios (hormônios estimulantes): R$ 4 mil a R$ 5 mil

Procedimento de coleta e congelamento: R$ 12 mil a R$ 15 mil

Manutenção anual: R$ 1 mil a R$ 1,5 mil (considerando que os óvulos fiquem armazenados 5 anos, só de manutenção serão entre R$ 5 mil a R$ 7,5 mil)

Descongelamento, fecundação em laboratório e inserção do óvulo no útero: R$ 5 mil a R$ 10 mil.

O total varia entre R$ 26 mil a R$ 37,5 mil. Ou seja, é preciso guardar e aplicar entre R$ 3 mil a R$ 4 mil anual por cinco anos para pagar a fase inicial, desembolsar a manutenção a cada ano que decida manter lá (R$ 1 mil a R$ 1,5 mil) e, neste período ainda guardar mais uma grana para pagar a fertilização. Em outras palavras: é preciso um certo planejamento.

Observação: Caso a mulher decida não usar - seja porque não quer mais ter filhos ou porque já teve naturalmente, pode doar a alguém que precisa ou pedir o descarte.

Queria terminar só com um questionamento: o que leva alguém a pagar isso para congelar os óvulos? O doutor Motta comenta que algumas mulheres acabam vendo essa a única alternativa para garantir que possam ter filhos no futuro, como o caso de vítimas de leucemia e linfoma.

Quando, anos depois, curadas e saudáveis, essas mulheres são questionadas sobre se se arrependeram de gastar esse dinheiro todo e nem vão precisar mais (muitas têm filhos naturalmente depois) elas respondem: ‘de maneira alguma; isso me deu 100% de segurança para enfrentar a quimioterapia e saber que, se algo tivesse acontecido, eu teria uma reserva estratégica’.

A segurança, tirar o “peso” do envelhecimento biológico dos ombros, ganhar tempo para pensar se quer mesmo, tempo para encontrar o parceiro .... há diversos motivos que podem levar alguém a decidir investir o dinheiro no congelamento, e tantos outros que sejam contrapontos. Mas o importante é termos acesso a informação, precisa e detalhada, para que nós decidamos o que é melhor para gente. Esse sim é o verdadeiro empoderamento.

 — Foto: Unsplash
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