Ridley Scott, George Lucas e Guy Ritchie vão além do cinema e agora empreendem no turismo de luxo

Iniciativa do diretor de "Napoleão" inclui uma loja para os vinhos, azeites e mel da propriedade, que também funciona como museu de recordações de seus filmes, incluindo os trajes espaciais de “Alien", “Perdido em Marte” e “Prometheus”

Por , Em Financial Times


Mas des Infermières, a propriedade de Ridley Scott de 30 hectares ao pé do Maciço de Luberon, na região central da Provença — Foto: Reprodução do site https://masdesinfermieres.com/

Sir Ridley Scott explica seu mais novo projeto. Ou melhor, projetos: o cineasta de 86 anos, conhecido por alguns dos filmes mais celebrados de todos os tempos, tem vários projetos no forno. “Já sei quais vão ser meus próximos três”, diz Scott, enquanto toma um café em sua propriedade no Sul da França.

“Gladiador II”, a sequência de seu épico de 2000, tem lançamento mundial em novembro. Os demais são em grande medida secretos, a não ser por um filme biográfico dos Bee Gees, para o qual ele está prestes a iniciar o processo de definição do elenco. “Vai ser um pé no saco”, diz ele rindo. “Todos os filmes são um pé no saco.”

Scott, bem-humorado, afiado e com uma energia invejável, parece ter uma queda por dificuldades. Nos últimos anos, ele foi entrando cada vez mais no desgastante mundo da vinicultura com a Mas des Infermières, sua propriedade de 30 hectares ao pé do Maciço de Luberon, na região central da Provença.

Les Chênes Verts acomoda nove pessoas e é bem iluminada, com planta aberta e espaçosa, e banhada pela famosa luz provençal que entra pelas grandes janelas e portas de estilo Crittall — Foto: Reprodução do site https://masdesinfermieres.com/

Agora, ele se expandiu para o setor de hospitalidade, após concluir renovações de luxo em três vilas para hóspedes na propriedade — cada uma meticulosamente projetada, com piscinas privativas e vistas para vinhedos que se estendem pelas colinas. Os hóspedes agora podem ficar no local que há décadas tem sido o retiro rural da família Scott, em uma região que é uma das joias do Sul da França menos abarrotadas de gente.

“No caminho de entrada, você olha diretamente para um parque nacional”, diz ele. “Eu dirigi [um carro] por aqui e pensei: ‘Bum! É aqui’.”

A viagem de 40 minutos do aeroporto de Marselha à propriedade é uma jornada por dentro da Provença do imaginário popular, passando por vilarejos pitorescos dignos de cartões-postais, com casas de pedra clara com persianas azul-ciano, pomares, bosques de oliveiras, campos de lavanda e fileiras e mais fileiras de vinhedos. A paisagem espetacular, ao longo do Vale do Ródano até o Luberon, é abençoada com a luz provençal que inspirou artistas por séculos: Van Gogh, Cézanne e, sim, Scott — também foi o cenário de sua comédia romântica de 2006 estrelada por Russell Crowe, “Um Bom Ano”.

George Lucas e a esposa, Mellody Hobson, abrem o Château Margüi, uma grande propriedade rural com 18 quartos na região de viticultura de Var, na Provença — Foto: Reprodução do site www.skywalkervineyards.com

O cineasta comprou o Mas des Infermières em 1992, embora seu gosto pela vida no campo remonte aos anos 70, quando, aos 30 e poucos anos, com uma carreira de sucesso na publicidade televisiva, comprou uma mansão medieval com 9 quartos e 13 hectares na cadeia de colinas Cotswolds, na Inglaterra. “Decidi virar um senhor rural, mesmo sendo um hippie de cabelo comprido e com todos os vizinhos me olhando e franzindo o rosto em desaprovação”, diz ele, apontando para a testa. “Então, ignorei os vizinhos e começamos uma fazenda, e acabamos com 6 cavalos, 60 ovelhas, 50 patos...” Mas não durou.

“Eu amava a vida e os belos Cotswolds, mas sempre estava chovendo”, diz. “Então eu consegui meu primeiro filme quando tinha 40 anos — e uma vez que você está em um filme, a fazenda fica em segundo plano —, então, para meu grande pesar, tive que me livrar dela, e a frustração ficou comigo até 30 anos atrás.” Ele contratou um corretor de imóveis francês com orientações curtas: encontrar algo administrável, em um lugar com clima decente. A busca durou um ano até encontrarem o Mas des Infermières.

Scott não é o único cineasta a entrar no ramo de turismo. Francis Ford Coppola e sua família há muito tempo administram algumas acomodações de luxo pelo mundo, incluindo três em Belize, sendo a mais impressionante o Blancaneaux Lodge, com 20 vilas e cabanas ao longo do riacho Privassion Creej (a US$ 334 para duas pessoas). No terceiro trimestre, George Lucas e a esposa, Mellody Hobson, abrem o Château Margüi, uma grande propriedade rural com 18 quartos na região de viticultura de Var, na Provença, recentemente convertida em acomodações de luxo (disponível a partir de 145 mil euros por semana). No Reino Unido, Guy Ritchie vem organizando clubes de jantar encabeçados por chefes de cozinha e recebendo hóspedes para passarem a noite em sua propriedade em Wiltshire todos os fins de semana até meados de agosto (a partir de 175 libras esterlinas ou US$ 222, por pessoa).

Trajes e itens usados em filmes de Ridley Scott estão expostos no Mas des Infermières — Foto: Reprodução de https://masdesinfermieres.com/

As três vilas de hóspedes de Scott, perto do vilarejo de Oppède e da cidade medieval de Oppède-le-Vieux, no topo de uma colina, foram totalmente remodeladas. Em termos de estilo, combinam a arquitetura clássica provençal com comodidades modernas, móveis de design avançado e obras de arte contemporâneas. “A inspiração veio de Ridley, que queria que as casas fossem simples no design”, diz Pia Maclean, sua designer de longa data. “Espaços despretensiosos onde os hóspedes possam relaxar e apreciar a paisagem, a comida e o vinho.”

Scott desenhou à mão o que imaginava para as casas, da mesma forma que faz os storyboards de seus filmes, e ele até tentou assumir parte do trabalho braçal até os construtores intervirem. “O problema é que adoro fazer isso. Sou de colocar a mão na massa”, diz ele. “Decorei todas as minhas casas sozinho — sei colocar papel de parede.” Ele diz que dirige projetos de construção “como um exército”, assim como faz com os filmes, citando a rapidez com que completou as filmagens de “Napoleão” (48 dias) e “Cruzada” (50 dias). “Eu pareço ser um pé no saco?”, pergunta. (Exigente? Eu sugiro.) “Eu sou um pé no saco. Mas fazemos as coisas certas.”

Duas das propriedades, vilas para seis pessoas chamadas Mas Gris e Mas Marcou, têm vistas para a cave e os vinhedos ao redor, enquanto Les Chênes Verts (os carvalhos verdes) acomoda nove pessoas e é um pouco mais isolada. Cada uma é bem iluminada, com planta aberta e espaçosa, e banhada pela famosa luz provençal que entra pelas grandes janelas e portas de estilo Crittall. Há amplos espaços de convivência, decorados com tons neutros e toques coloridos, com móveis em tons de creme e vários livros de arte, têxteis e de curiosidades, que chegam até cozinhas bem equipadas. Os quartos têm camas de tamanho king, com roupas de cama de linho branco, e são suítes, com banheiras independentes e grandes chuveiros do tipo “água de chuva”. O piso é de lajotas terracota.

Do lado de fora, piscinas privativas, terraços para refeições e áreas de lounge estão harmonizados com jardins paisagísticos com ciprestes, glicínias e um aroma de jasmim que paira no ambiente. As estadias podem ser com ou sem serviço de refeições, conforme desejado — a propriedade fica a 20 minutos a pé ou a uma curta distância de carro da padaria e da mercearia do vilarejo, e o escritório administrativo da propriedade pode organizar chefes de cozinha privados, aulas de culinária e degustações de vinhos. Em uma tarde, a chef local Monique Deyaert-Buitink nos preparou um belo almoço da temporada — uma salada de vegetais verdes e ervas com queijo de cabra provençal, uma torta de aspargos e abobrinha e um gaspacho de tomate apimentado — acompanhado dos vinhos da propriedade.

Na época em que Scott comprou o Mas des Infermières, a propriedade incluía 11 hectares de vinhedos recém-plantados. Como um colecionador de vinhos de longa data, ele ainda não pensava em colocá-los para produzir, apenas pensava: “Desde que se possa manter o vinhedo bem cuidado para os olhos, eu ficarei feliz”.

No entanto, o trabalho em “Um Bom Ano”, a história de um corretor de Londres que herda uma propriedade vinícola na Provença e se apaixona pela França (e por Marion Cotillard), ajudou a despertar o interesse do diretor na vinicultura. Ele começou a cultivar os vinhedos em 2009 e a vender sua colheita a uma cooperativa local. “Eu pagava para que se cuidasse da droga dos [vinhedos], e eles ficavam com o lucro”, diz ele com uma risada. “Perdi dinheiro aos montes.”

Então, o vinho começou a ganhar prêmios. Em 2017, Scott decidiu ter produção interna. Contratou uma equipe e, um ano depois, deu início à construção de uma cave de última geração — também desenhada por ele no papel. Ela inclui uma loja para os vinhos, azeites e mel da propriedade, além de funcionar como um museu de recordações de seus filmes, como os trajes espaciais de “Alien - O 8º Passageiro”, “Perdido em Marte” e “Prometheus” e os figurinos usados por Joaquin Phoenix no épico mais recente de Scott, “Napoleão” (sim, incluindo os chapéus). “Quando comecei a fazer filmes, nunca me preocupava em levar nada”, diz Scott, enquanto estamos ao lado de um corte transversal de um ovo alienígena gigante que, vermelho escuro e grotesco, parece uma daquelas advertências dos maços de cigarro. “Mas depois fiquei sabendo que as pessoas estavam extirpando os sets após as filmagens, então acabei pensando que seria melhor levar alguma coisa de cada filme que faço.”

Hoje, o portfólio de vinhos do Mas des Infermières, que recentemente se tornou disponível no Reino Unido, inclui tintos, brancos e rosés. Há um espumante (muito) fácil de beber e o produto mais novo, Jojo, um “vinho natural” nomeado em homenagem ao poodle miniatura de Scott. Pergunto a Scott até que ponto ele se envolve com o negócio dos vinhos: “Eu bebo o vinho e desenho os rótulos”, diz ele casualmente.

Os visitantes da propriedade podem passear por suas trilhas entre os bosques e vinhedos ondulantes, onde também são plantadas flores sazonais para as abelhas. Christophe Barraud, diretor da vinícola, diz que também há coelhos, texugos e duas famílias de raposas na área, “mas eles não perturbam as uvas”. Os javalis selvagens, no entanto, podem querer se esgueirar em busca de um lanche. “Eles gostam de shiraz”, diz ele.

Nas proximidades, alguns dos vilarejos mais encantadores do Luberon estão à espera, como Ménerbes, famoso pelos artistas que o tornaram seu lar; a cidade ribeirinha de L’Isle-sur-la-Sorgue, conhecida por seus mercados de antiguidades; e Gordes, a espetacular cidade no topo da colina onde Scott filmou grande parte de “Um Bom Ano”.

O cenário pode parecer ter feito sob medida para relaxar, mas ainda assim Scott não dá a impressão de desacelerar. No verão europeu passado, ele organizou uma exibição de “Um Bom Ano” na propriedade e atualmente está dando os retoques nos planos para mais exibições públicas de seus clássicos neste verão. “Não consigo me conter”, diz ele com um sorriso.

Tradução de Sabino Ahumada

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