Eólicas e solares alegam perdas com restrição imposta pelo ONS

Devido à menor produção de energia por ordem do ONS, as empresas enfrentam prejuízos e exigem indenizações, que acabam sendo repassadas para a conta de luz do consumidor

Por e — De São Paulo e do Rio


As restrições de geração de energia impostas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) às geradoras eólica e solar, por motivos operacionais, estariam provocando prejuízos às empresas e motivando pedidos de ressarcimento.

O apagão do dia 15 de agosto de 2023 deixou o ONS mais conservador, levando-o a limitar a transmissão de energia renovável do Nordeste para o resto do Brasil. O corte de geração determinado pelo ONS, conhecido pelo jargão em inglês “constrained off”, no entanto, é prática comum do setor.

Segundo as companhias, as perdas somam quase R$ 620 milhões. Entre 2022 e 2023, as empresas eólicas afirmam ter R$ 532 milhões em perdas. Já as solares, alegam R$ 84,8 milhões em prejuízos só no ano passado.

Com a entrada crescente de energia solar e eólica no sistema elétrico na última década, o operador passou a conciliar a geração dessas fontes com a das hidrelétricas. O ONS determina a paralisação dos geradores por três motivos, mesmo quando as condições de vento e sol são favoráveis: falta de demanda, que provoca sobreoferta; gargalos nas linhas de transmissão; e problemas elétricos que podem causar sobrecarga.

Nos balanços trimestrais, o impacto na receita é caracterizado pelas empresas de capital aberto como custo de oportunidade. Auren, CPFL, Renova e AES, por exemplo, reportaram o problema em seus balanços do 1º trimestre. Das companhias de capital fechado, a chinesa Spic e a 2W também sentiram os efeitos da restrição.

Como o corte é determinado pelo ONS, as usinas não têm ingerência sobre a decisão e por isso defendem serem compensadas por meio de um encargo na conta de luz dos consumidores, o Encargo de Serviços do Sistema (ESS).

Se eu tiver uma geração maior, ela é bloqueada pelo operador”
— Gustavo Estrella

A previsão é que os cortes aumentem no início do segundo semestre, quando a produção eólica e solar se intensifica. Isso colocou pressão sobre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). No fim de 2023, as associações Abeeólica e Absolar, que representam as empresas de energia eólica e solar, obtiveram uma liminar obrigando a indenização dessas empresas.

O problema é que há impasses regulatórios que travam o pagamento. O Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF1) deu 45 dias para a Aneel regular a compensação às empresas afetadas para que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) possa fazer os pagamentos. O assunto deve entrar na pauta da Aneel na reunião ordinária desta terça-feira (21).

De acordo com a presidente da Abeeólica, Elbia Gannoum, o quadro se dá porque a Aneel já tem uma regulação específica para a remuneração de usinas com contratos com distribuidoras (o mercado regulado). Só que essa regulamentação não está definida para o mercado livre. “Não interessa se é livre ou regulado, o gerador tem que ser ressarcido”, disse Gannoum.

O diretor financeiro e de relações com investidores da Engie, Eduardo Takamori, avalia que isso veio para ficar, diante do baixo crescimento econômico, incapaz de absorver toda a produção das usinas, e do desequilíbrio de incentivos dados, que causou descompasso entre oferta e demanda.

“Estamos falando de uma quantidade muito expressiva de geração distribuída, que entrou no sistema ao longo dos últimos anos de forma exagerada em função do nível irracional de subsídios”, disse.

Um levantamento da consultoria Volt Robotics aponta que os cortes aumentaram depois do blecaute de 2023. Apesar das restrições, dados do ONS mostram que a participação das fontes eólica e solar é crescente, já que há mais usinas operando no Sistema Interligado Nacional (ver gráfico).

Não podemos elevar a geração sem a respectiva demanda”
— ONS

Por serem fontes intermitentes (que geram só quando tem sol e vento), essa instabilidade cria um desafio ao ONS para atender em tempo real a demanda, que também varia. O órgão explica que o Brasil tem uma capacidade instalada elevada e um consumo que não cresce no mesmo ritmo.

“Não podemos elevar a geração sem a respectiva demanda. Como o crescimento do parque gerador de energia se deu com base no avanço das renováveis, notadamente a geração eólica e solar, o impacto de eventuais restrições de geração é mais percebido neste perfil de usina, sem capacidade de acumulação, ao contrário do que acontece com as hidrelétricas”, diz a nota.

Só que a irregularidade do regime de chuva nos reservatórios das hidrelétricas, com as mudanças climáticas, aumenta mais o desafio de gestão do sistema. Neste contexto em que a oferta de energia supera a demanda, os cortes causam desperdício de eletricidade.

“O investidor atende ao chamado estatal para expandir o parque com energia limpa e renovável, mas, depois, é forçado a deixar de gerar com usina pronta, o que frustra a possibilidade de atendimento de suas obrigações comerciais”, diz o diretor técnico e regulatório da Absolar, Carlos Dornellas.

Para as empresas eólicas, a situação é mais sensível, já que no primeiro trimestre do ano, a safra dos ventos foi mais fraca e causou menos produção. Ao Valor, o presidente da CPFL, Gustavo Estrella, vê um caminho de judicialização.

“Se eu tiver uma geração maior por boa condição de vento, ela é bloqueada pelo ONS. A gente teve pouca restrição, basicamente porque tivemos pouco vento e foi pouca a geração. Há ainda alguns temas para serem definidos pela regulação e não foram definidos ainda. Fatalmente vai entrar uma discussão judicial”, diz Estrella.

Para o advogado Rômulo Mariani, do escritório RGMA Resolução de Disputas, o problema é quem arca com o prejuízo. Segundo ele, ao regulamentar a matéria para as fontes eólica e solar, a Aneel limitou a compensação. “Alocou parte substancial desse prejuízo aos geradores, que eles entendem incorreto”, explica.

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