Capital ‘paciente’ já soma R$ 78,8 bi em patrimônio

Setor de fundos patrimoniais no Brasil conta com 52 instituições, segundo levantamento inédito do Idis

Por Marília de Camargo Cesar — De São Paulo


A indústria de fundos patrimoniais no Brasil cresceu substancialmente na última década, passando de 16 instituições para 52 em 2021, com uma soma de R$ 78,8 bilhões em patrimônio, segundo levantamento inédito do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) e da Coalizão pelos Fundos Filantrópicos, com apoio do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife). O estudo “Panorama dos Fundos Patrimoniais no Brasil”, obtido com exclusividade pelo Valor, faz pela primeira vez um raio-x desse setor também conhecido como de endowments, ou capital “paciente”, por reunir recursos de doações de pessoas físicas ou empresas para manutenção de longo prazo de causas específicas de organizações públicas ou privadas sem fins lucrativos.

O Idis listou 52 fundos ativos e seis em fase de estruturação. Eles estão concentrados no Estado de São Paulo (38 do total), mais focados em educação (24), seguida por cultura (9), saúde (8) e ciência e tecnologia (5). A maioria tem patrimônio entre R$ 1 milhão R$ 5 milhões e, em seguida, vêm os com R$ 100 milhões a R$ 500 milhões.

Destacam-se como detentores das reservas mais robustas a Fundação Bradesco, com a quantia majoritária (82% do total), ou R$ 65,5 bilhões, Fundação Itaú para Educação e Cultura, com R$ 5,6 bilhões, Associação Umane (ligada ao Hospital Samaritano, de São Paulo), com R$ 1,9 bilhão e Fundo Patrimonial do IMS (Instituto Moreira Salles), com R$ 1,25 bilhão.

Paula Fabiani, CEO do Idis, observa que, tirando as reservas da Fundação Bradesco, o que sobra parece não tão significativo. Mas o que conta mesmo, segundo ela, é a tendência de crescimento e profissionalização do setor. “Percebemos que as organizações já enxergam os fundos como solução de sustentabilidade de longo prazo e que pode reduzir a pressão por essa busca constante de receitas de curto prazo”, afirma.

Esses investimentos, desde 2019, devem ser administrados por uma gestora independente e utilizar apenas os rendimentos do dinheiro aplicado, preservando o valor principal, de acordo com a Lei 13.800, que regulamentou o setor. Mas somente nove, dos 52 fundos mapeados pelo Idis, foram criados após a nova legislação, ou seja, a maioria deles ainda não se adaptou ao novo modelo. A ideia da lei, segundo Fabiani, era proteger a entidade beneficiada de eventuais problemas financeiros que afetassem a perenidade da instituição.

Entretanto, um parecer da Receita Federal, em resposta a consulta do Ministério da Economia em 2020, declarou que a gestora não tem direito à imunidade ou isenção tributária da beneficiada, o que, segundo o setor, não faz muito sentido. “Enquanto não resolvermos essa questão do regime tributário da organização gestora, os fundos patrimoniais vão crescer, mas muito menos do que seria possível”, observa, no estudo, Flávia Regina de Souza Oliveira, sócia de Mattos Filho Advogados.

A Coalizão pelos Fundos Patrimoniais Filantrópicos apoia um projeto de lei que muda esse entendimento e amplia os incentivos fiscais para doações feitas a fundos de endowment para todas as causas - pela Lei 13.800 o incentivo é apenas para a área de cultura.

O primeiro endowment estruturado de acordo com as regras da lei 13.800 foi o Fundo Rogério Jonas Zylberstajn, nome do vice-presidente do conselho de administração da Cyrela, falecido em 2018. Sua mãe, Raikel Zylbersztajn, destinou a herança de Rogério, que não tinha herdeiros, a um fundo voltado para saúde, educação e assistência social, administrado pela Fundação Rogério Jonas Zylberstajn, hoje com R$ 150 milhões.

Segundo o levantamento, a preocupação com a captação de recursos é apontada justamente como maior desafio desse mercado, seguido da busca por melhor rentabilidade das aplicações, o trabalho de consolidação e a gestão, propriamente.

Outro impacto, segundo Fabiani, foi o surgimento de empresas voltadas para esse sistema, como consultorias e serviços jurídicos especializados.

O desenvolvimento dessa atividade no Brasil resultou na abertura de uma nova frente de atuação na Sitawi Finanças do Bem, gestora de fundos de impacto social: a Endowments do Brasil, uma organização gestora de fundos patrimoniais (OGFP) para dar suporte à criação de fundos de diferentes tamanhos e para múltiplas causas. “É como se fosse um coworking de fundos patrimoniais. Uma infraestrutura para todo mundo que quer criar um fundo aderente à Lei 13.800, seguindo todo o seu arcabouço legal, com patrimônio a partir de R$ 2 milhões”, afirma Leonardo Letelier, CEO da Sitawi.

As ações ligadas à pandemia impulsionaram o trabalho e as receitas da Sitawi e, segundo Letelier, mesmo as áreas que não têm ligação com a covid “estão bombando”. A empresa mobilizou R$ 14,1 milhões em 2019 para ações de impacto social, R$ 17,1 milhões em 2020 e R$ 42,8 milhões em 2021. Incluindo o capital ligado às causas da pandemia, o total em 2020 foi de R$ 134,1 milhões e em 2021 deve ficar em R$ 115,5 milhões.

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