Com a Selic mantida em 10,5% ao ano, a renda fixa ganhou mais um round contra a bolsa. Apesar de preços ultrabaixos das ações por diversas métricas, o investidor não tem se encorajado a aproveitar a temporada de liquidação e prefere abraçar as estratégias ligadas a juros. Mas é justamente após períodos de “depressão profunda” que a renda variável costuma trazer os melhores resultados, e há quem veja certo comportamento de “manada” na paralisia atual.
O chamado “valuation”, que dá uma indicação de quanto um ativo pode se valorizar no tempo ao se projetar o fluxo de caixa das empresas, descontado a uma determinada taxa de juros, é apenas a ponta mais fácil do trabalho da análise fundamentalista. Faltam outros componentes para a “bolsa funcionar no Brasil”, diz Daniel Gewehr, estrategista e chefe de ações do Itaú BBA: a macroeconomia, o ciclo de lucros e o posicionamento do investidor. Nesta última ponta, a B3 carece tanto do fluxo local quanto do estrangeiro.
Com uma Selic mais alta por mais tempo, o macro ficou ligeiramente pior. Companhias mais sensíveis a taxas de juros podem rever planos, diz Gewehr.
“Tem coisas boas no curto prazo do lado da atividade, mas quando você conversa com o ‘management’ das empresas, há uma certa reticência em acelerar o investimento, que é o que vai garantir o crescimento dos lucros mais fortemente.”
O Itaú BBA projeta um incremento de 14% para o lucro das empresas, mas o crescimento é puxado pelo setor financeiro e por companhias ligadas à cadeia de commodities.
“Só que, quando se compra bolsa no Brasil, na maior parte das vezes [o investidor] quer economia doméstica e os analistas ainda trabalham em seus modelos com a Selic abaixo de 10%”, diz Gewehr. “Vejo uma revisão de companhias com alavancagem mais alta, levando a uma margem mais baixa, com o ciclo doméstico de crescimento postergado pelo impacto monetário.”
Depois de fundos estrangeiros que olham emergentes terem começado o ano sobrealocados em Brasil, há um processo gradual de redução, “o técnico é mais leve do que no início do ano, mas não dá para dizer que estão ‘underweight’ [abaixo da média do mercado]”, diz o estrategista do Itaú BBA. E o que ele ouve de gestores de fundos hedge é que falta “momentum” para o Brasil, a velocidade que um ativo pode se valorizar num certo período.
O que tem atraído a atenção do bolso global são os temas ligados à tecnologia — o índice americano S&P 500, que tem quase 40% no setor, sobe quase 15% no ano e o Taipé, da bolsa de Taiwan, 30,5%, com peso de 65%. Já o Ibovespa, em que esse tipo de exposição é só de 1%, cai quase 20% em dólar (ou 10% em reais).
Gewehr cita que numa pesquisa feita com 168 gestores, que reúnem US$ 100 bilhões, o “número mágico” em que a probabilidade de comprar bolsa aumenta seria a Selic em 9%. Entre os principais gatilhos para os próximos seis meses, 79% apontaram a decisão do Federal Reserve (Fed, o BC americano) de iniciar seu ciclo de corte de juros, algo que ficou para setembro ou dezembro.
Já há maior probabilidade de se ganhar no médio e longo prazo com bons ativos negociados com desconto. O preço/lucro (P/L, que dá uma ideia de prazo de retorno do investimento) da bolsa projetado para 12 meses está em 7,3 vezes, 24% abaixo da média dos últimos cinco anos, enquanto o MSCI global negocia a 18 vezes. Já o “earnings yield gap” (a diferença entre o retorno do lucro e a taxa longa da NTN-B, a métrica de juro real) do Ibovespa está atrativo no nível de 7,4%, ante uma média histórica de 4,8%.
Com esse combo, a equipe de pesquisa do Itaú BBA tem dado preferência a ativos atrelados a taxa de juros, caso dos setores elétrico, portos e shopping centers, com boa previsibilidade de receitas e uma taxa interna de retorno (TIR) real projetada entre 11% e 13%, considerando-se os dividendos. “É um prêmio bom numa NTN-B que já é boa em relação ao histórico.”
Tanto a pessoa física quanto o investidor institucional aproveitam os prêmios vitaminados das NTN-B, quando os títulos batem a casa dos 6,5% ao ano, mas não conseguem fazer o mesmo com ações, diz João Braga, sócio-fundador da Encore.
“Se a expectativa de fluxo de caixa futuro não mudou, é igual à NTN-B, o retorno esperado subiu, as pessoas deviam ficar mais gananciosas.”
O gestor conta que ouviu de um colega de banco estrangeiro, que se reuniu com investidores institucionais dedicados à América Latina, que o grupo se mostrou extremamente negativo com as ações no Brasil. O mais construtivo dizia que sim, a bolsa está barata, mas não se atrevia a comprar.
Braga vê um certo movimento de manada e diz que, na hora de usar as finanças comportamentais a favor, os investidores vêm rasgando a teoria. Ele cita que, ao se revisitar os ensinamentos de ciclos econômicos de Howard Marks, cofundador da Oaktree, sobre quando é o melhor momento de ir às compras na bolsa, o Brasil gabarita em todos.
Ao comparar o índice de ações do setor elétrico com a NTN-B de 2050, que paga cupom periódico, os ativos vão na mesma direção. “Todo mundo quer fugir quando deveria aumentar.” E como bolsa é uma “máquina de antecipação de eventos futuros”, ele questiona se faz sentido falar em gatilho claro.
Ricardo Almeida, head de renda variável do ASA, diz que desde abril o mercado passou a reagir aos fatores domésticos, descolando-se do exterior. Com ameaças de interferência na Vale, na política de dividendos da Petrobras e na troca de comando, o fiscal sob os holofotes e a sucessão de Roberto Campos Neto no BC no radar ofereceram um cardápio em que ficou difícil distinguir ruídos de sinais. “Tem prêmio de risco claro, mas se o risco percebido vai ser executado é a grande questão.”
Ele cita que a curva de juros já não projeta nenhum corte e, a partir de 2026, já tem alta prevista para a Selic. “Conversando com as empresas, operacionalmente não piorou, o que aconteceu é que, para um mesmo lucro, se aceita um múltiplo menor.” Com o dólar flertando com os R$ 5,50 e algumas empresas negociando num P/E de dez vezes, há barganhas. Uma das preocupações, cita Almeida, é se nas discussões para equacionar as contas públicas não virá mais aumento de carga tributária para as empresas.