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Direto da Reitoria

Artigo de reitor da UFRJ repudia censura à ciência

O reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro saiu em defesa do NetLab, um laboratório de pesquisa da Escola de Comunicação da Universidade que, desde 2013, realiza os estudos de internet e redes sociais. Nos últimos anos, o laboratório se dedicou a  diagnosticar o fenômeno da desinformação digital e suas consequências no Brasil. 

A empresa Meta, dona do Instagram e do Facebook, tentou desqualificar pesquisadores do NetLab, ligado à UFRJ, após ser multada por anúncios com fraudes. Relatórios do NetLab foram usados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para notificar e depois multar a Meta em novembro de 2023.

Apoiadores do ex-presidente da República e políticos da oposição, especialmente o deputado Marcel van Hattem (NOVO-RS), têm explorado a política de transparência do NetLab para fazer associações entre as pesquisas feitas pelo laboratório e financiamentos recebidos via entidades federais. O deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) ficou de fazer um requerimento na Câmara para solicitar informações. Todos parecem desconhecer que é comum pesquisas acadêmicas receberem financiamento de recursos públicos, em várias áreas, de exploração de petróleo a estudos de desinformação.

Um requerimento de uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados que visa a questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo NetLab foi encaminhado à Universidade. De acordo com o reitor, a iniciativa visa censurar a ciência no Brasil, criminalizando professores. Leia abaixo a íntegra do artigo publicado no jornal do Rio de Janeiro. 

O ataque de parlamentares à ciência e aos professores

Objetivo de audiência pública na Câmara dos Deputados é inibir os estudos sobre desinformação do NetLab UFRJ

Por Roberto Medronho

12/06/2024 00h05  Atualizado há 10 horas

Na última semana, fomos surpreendidos com o requerimento de uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados que visa a questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo NetLab, nosso renomado laboratório da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O requerimento leva professores à comissão com o objetivo de censurar a ciência no Brasil, criminalizando professores. Portanto, esse não é um ataque apenas à UFRJ, mas a toda a comunidade acadêmica brasileira.

O laboratório é alvo de ataques devido à sua agenda de pesquisa, que aborda o problema da desinformação. As pesquisas do NetLab UFRJ, com especial atuação em questões socioambientais e golpes na internet, ganharam destaque nos principais noticiários da mídia brasileira no último mês devido à tragédia no Rio Grande do Sul, afetada por fake news para manipular a opinião pública e por golpes com pedidos de doações falsas — que desviaram ajuda das vítimas para enriquecimento ilícito de estelionatários. Além disso, o NetLab UFRJ tem se destacado ao longo dos anos pela produção de inúmeras pesquisas de valor incalculável para a sociedade, fornecendo evidências com metodologia científica que embasam políticas públicas e auxiliam gestores e autoridades em tomadas de decisões, motivo de grande orgulho para a UFRJ.

Entretanto os recursos públicos para pesquisa são escassos diante das imensas demandas e desafios colocados ao desenvolvimento científico e tecnológico de ponta, especialmente para os que necessitam de processamento de grande volume de dados e exigem altos investimentos. Nesse sentido, aplaudimos todos os pesquisadores, laboratórios e instituições que conseguem complementar seus orçamentos apresentando projetos a fundos públicos e aos disputadíssimos financiamentos privados nacionais e internacionais de fundações filantrópicas, como faz o NetLab UFRJ.

Trata-se de um roteiro já conhecido e usado noutros países por atores antidemocráticos para censurar a ciência por meio de ações no Parlamento. Nesse caso, o objetivo é inibir os estudos sobre desinformação e pressionar os pesquisadores a desistir de seus temas de pesquisa em anos eleitorais. É justamente por conhecermos esse roteiro, que relembra os tempos mais sombrios da História de nosso país, que reafirmamos nosso compromisso com o ensino e a pesquisa independente. Declaramos que não nos deixaremos intimidar por manipulações e ameaças a nossa autonomia universitária, a nossa independência acadêmica e à liberdade de pesquisa, os pilares da universidade pública e uma conquista do Estado Democrático de Direito.

Não admitiremos censura à pesquisa científica, muito menos que criminalizem professores, pesquisadores e a comunidade acadêmica quando resultados de pesquisa desagradam. Nós, da UFRJ, seguiremos em nossa missão social de contribuir para a solução de problemas da nossa sociedade. Assim, conclamamos a população brasileira a permanecer vigilante em defesa da ciência livre, sem censura e com recursos necessários, fundamental para o desenvolvimento econômico, social e político de nosso país e para garantir a soberania nacional.

*Roberto Medronho é reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro